“AS ALMAS ESTÃO MAIS PREPARADAS PARA RECEBER CLARICE”
Entrevista: Benjamin Moser, biógrafo de Clarice Lispector e coordenador da edição das obras da autora nos Estados Unidos.
Os Estados Unidos descobriram Clarice Lispector (1920 – 1977). O lançamento do volume The Complete Stories, reunindo todos os contos da escritora, recebeu acolhidas entusiasmadas – foi a primeira brasileira a figurar na capa do suplemento de livros do New York Times, e o Wall Street Journal a chamou de “a Virginia Woolf do Brasil”. Em parte responsável pela “Claricemania” e coordenador da edição em inglês (traduzida por Katrina Dodson), o americano Benjamin Moser, autor da biografia Why This World (publicada no Brasil como Clarice), fala sobre a recepção da obra de Clarice lá fora.
Clarice já havia sido publicada nos EUA, e você mesmo já comandou outras edições da obra dela. A que você atribui a imensa repercussão que está tendo este volume com os contos?
As pessoas agora estão mais familiarizadas. Quando publiquei a biografia, pouca gente sabia quem era Clarice Lispector. Era uma coisa difícil comunicar a importância dessa pessoa para quem não podia ler seus livros. Eu tinha de dizer: “Leia este livro, porque esta autora é interessante”. E o meu livro repercutiu bastante, as pessoas se interessaram pela história de Clarice. Depois, editamos cinco romances dela. Lançamos quatro de uma vez, e eu já havia lançado A Hora da Estrela. E o “clube Clarice” foi aumentando com cada publicação. Este livro dos contos é muito grande, quase 700 páginas, e acho que as almas estão mais preparadas para receber Clarice. Muita gente agora já sabe quem ela é.
Você pensa que o gênero do conto possa de algum modo ser responsável por essa aceitação recente, Clarice comunicando-se melhor no espaço concentrado da narrativa curta?
Acho que não. Um amigo meu, brasileiro, diz que o Brasil demorou 50 anos para absorver Clarice e ainda não absorveu tudo. Quando ela morreu, era um nome consagrado entre intelectuais e artistas, e o alcance de sua obra foi gradativamente aumentando. As pessoas nem leram esses contos ainda nos Estados Unidos, porque o livro, por ora, foi apenas enviado para a imprensa, quem leu até agora foram os críticos, mas a explosão de interesse parece ser porque as pessoas já têm interesse em seguir a obra dela, a conhecem pelos outros lançamentos. Essa questão de se ela foi melhor no conto ou romance vai aparecer depois. Essas coisas mais avançadas que o Brasil está debatendo há décadas agora ganharão espaço. E vai ser interessante ver que opiniões esses leitores terão.
De algum modo seu sentimento é próximo ao de ver um amigo sendo reconhecido pelos méritos que antes só você via?
É até mais do que um amigo, é mais alguém da família, algo muito próximo. Estava explicando isso a uma jornalista americana amiga minha: gostar de Clarice não é uma coisa intelectual, apenas, é amor. E quando eu vejo Clarice chegando a essas alturas que poucos escritores que não escreveram em inglês chegam, e mesmo muitos escritores americanos não chegam à capa do New York Times duas vezes em uma semana, tenho orgulho de ter contribuído para isso. Eu sou o encarregado do projeto, mas trabalhei com muitas outras pessoas, outros tradutores. E até agora não vimos nenhuma avaliação negativa. Porque a minha ambição quando eu comecei a me dedicar a Clarice, em uma biografia pensada para o público americano, era: você não conhece esta pessoa, mas devia. Eu sei como eu me sinto com relação a Clarice, e sei como os brasileiros que a admiram se sentem. Quem gosta, gosta mesmo. Por isso, é uma gratificação enorme para mim.
Você agora trabalha na biografia de Susan Sontag. Como você chegou a esse projeto?
A Clarice de certa forma me levou a Susan Sontag. Havia uma espécie de comitê não muito oficial, o filho da Sontag, o agente e o editor dela, estavam procurando uma pessoa que pudesse fazer jus a Susan. E isso sem que eu soubesse de nada, eu estava no Rio de Janeiro, ignorante de tudo, e eles encontraram o livro da Clarice e gostaram tanto que me convidaram.
E representa uma dificuldade adicional o fato de Sontag ser alguém que escreveu tanto sobre si mesma, em comparação com Clarice, mais reservada?
Politicamente, a Clarice quase não emitia opinião, e além disso viveu a última parte da vida ou no Exterior ou durante a ditadura militar. Mas a Clarice era mais íntima no que publicava. Susan Sontag é mais mascarada, disfarçada, ela não abre o jogo em seus ensaios e textos públicos, mas nos escritos privados conta tudo. É, então, muito interessante para o biógrafo ler que ela escreveu alguma coisa em determinado dia e, ao ler os diários dela, saber o que ela estava pensando naquele dia. Ela escrevia também sobre muitas personalidades, e quando você tem a chave você percebe que ela está, na verdade, sempre escrevendo sobre Susan Sontag, mas que está chamando essa pessoa de outro nome. A biografia é uma operação muito pessoal do biógrafo, e o reflete. Numa biografia de Clarice quando você pode citar de A Paixão Segundo G.H.? Digamos 1%. Esse 1% dirá o que você achou interessante. Por isso, toda biografia é um retrato de uma pessoa e também um autorretrato mascarado.
Lançamento de coletânea de contos de Clarice foi destaque em veículos americanos. O blog Slate, a revista New Yorker, os jornais New York Times, Los Angeles Review of Books, Wall Street Journal e a revista The Millions.
Fonte: Por Carlos André Moreira/ZH de 16/8/2015