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A Nudez de Afrodite, de Cláudio Moreno
A Nudez de Afrodite, de Cláudio Moreno

LIVRO 'A NUDEZ DE AFRODITE' REVELA LADO B DA MITOLOGIA GRECO-ROMANA

Livro:  A NUDEZ DE AFRODITE, de Cláudio Moreno, Editora Difel com 140 páginas

 

O conhecimento enciclopédico da Antiguidade clássica, o tom de voz manso e bem-humorado e o leve sotaque gaúcho do helenista Cláudio Moreno são parte do charme do podcast "Noites Gregas", lançado em dezembro de 2019 e ainda na ativa.

 

A fórmula adotada nos episódios —menos, claro, o intimismo auditivo— aparece sem grandes modificações em "A Nudez de Afrodite", novo livro de crônicas do autor.

 

A relativa brevidade dos episódios da série, que raramente ultrapassam muito meia hora de duração, se reflete no tamanho modesto de cada crônica e do volume como um todo. Moreno não se propõe a fazer uma análise exaustiva de cada tema, mas prefere pintar um quadro vívido, ágil e de fácil compreensão.

 

Quase sempre, encerra cada texto com uma reflexão sobre a universalidade da história apresentada e sobre seu potencial para tocar o público moderno, assim como era capaz de emocionar o público antigo.

 

Embora predominem os temas mitológicos —em especial os gregos, mas também romanos—, Moreno também aborda eventos históricos ou elementos lendários ligados às grandes figuras do Mediterrâneo antigo.

 

Entre esses vultos estão Marco Aurélio, o imperador de Roma ficcionalizado no filme "Gladiador", ou o aristocrata ateniense Alcibíades, que teria sido, na juventude, amante do filósofo Sócrates.

 

As fontes do autor são variadíssimas para um volume de tamanho tão modesto. É claro que Homero e Hesíodo, os iniciadores da tradição poética grega uns 700 anos antes de Cristo, estão entre elas, assim como o historiador Heródoto e o biógrafo Plutarco, nascido na Grécia sob domínio de Roma.

 

A variedade das histórias também vai além das figurinhas fáceis que esperaríamos numa obra que se propusesse a fazer uma introdução didática da mitologia greco-romana como um todo, ainda que encontremos algumas cenas mais manjadas, como o encontro entre o semideus Aquiles e o rei de Troia, Príamo, pai do herói que Aquiles acabou de assassinar —talvez o momento mais dolorido da "Ilíada".

 

É nos momentos mais "lado B" do mundo antigo que Moreno realmente brilha. Sua familiaridade com as fontes que chegaram até nós permite a ele pinçar detalhes que quase sempre escapam aos manuais e livros didáticos.

 

Muita gente já ouviu falar da destruição da cidade de Pompeia pelo vulcão Vesúvio no ano 79 d.C. Alguns podem até ter caminhado pelas ruas preservadas dali. Mas é raro que alguém consiga se colocar na pele de alguém que escapou por muito pouco do desastre, caso de Plínio, o Jovem, quase soterrado pelas cinzas da erupção.

 

"No meio desse caos, confessou Plínio mais tarde, ele não emitiu um gemido sequer, não porque fosse corajoso, mas simplesmente porque foi tomado pela ideia reconfortante de que estava desaparecendo junto com o Universo, e o Universo estava desaparecendo junto com ele", escreve o autor.

 

O helenista é menos feliz quando acaba se prendendo a alguns chavões que, se eram parte importante da tradição grega, fazem menos sentido hoje. Moreno usa a expressão "eterno conflito entre Oriente e Ocidente" para falar das guerras entre gregos e persas, por exemplo, e mostra certa predileção pelo essencialismo de gênero ao se referir mais de uma vez aos mitos gregos sobre a origem da mulher.

 

"O segredo da harmonia entre os sexos é o gosto por essa estranheza recíproca e a aceitação de que existe uma ignorância entre eles que nunca será superada, pois são povos muito diferentes", diz ele sobre o suposto abismo entre homens e mulheres, ao citar um trecho de Heródoto.

 

As musas talvez se irritem, mas ainda assim podem acabar lhe conferindo a coroa de louros.

 

Fonte: Folha de S. Paulo/Critica por Reinaldo José Lopes em 17/12/2025