AS CORRUPÇÕES DO COTIDIANO
Visão de um mundo totalitário conduz a história de soldado alemão que chega ao Rio.
Um Nazista em Copacabana, Romance, Rocco, 353 páginas.
Nada é o que parece ser UM NAZISTA EM COPACABANA. A começar pelo título. O segundo livro do jornalista e escritor Ubiratan Muarrek não acompanha um personagem identificado com o III Reich pelos calçadões da praia carioca, como pode dar a entender, mas está preocupado em revelar como as ideologias totalitárias e preconceitos seguem vivos, embora difusos, no cotidiano brasileiro. Para isso, usa com maestria humor e bons diálogos.
Neste romance, que chegou às livrarias em setembro, o nazista é o soldado alemão Otto Funk, que veio morar no Rio de Janeiro no final da II Guerra, disposto a esquecer tudo o que viveu nos campos de batalha. Homônimo de um famoso soldado da juventude hitlerista, Otto constrói no Brasil sua família ao lado da manauara Iracema, com quem teve a filha Diana. O ex-combatente é um personagem ausente, que se faz lembrar nos diálogos de sua viúva e de sua filha.
A ação, no entanto, começa quando Diana volta para casa da mãe, grávida após uma temporada vivendo em São Bernardo do Campo. O passado recente no interior paulista volta a persegui-la na capital carioca, já que o pai da criança, Delúbio, é um assessor de prefeito que se mete em um esquema criminoso para desapropriar habitantes de áreas carentes.
A escolha do nome do personagem não se deu por acaso. Delúbio é o segundo homônimo do livro, referência óbvia a Delúbio Soares, figura central do escândalo do Mensalão.
- Pretendia explorar a relação entre dois temas aparentemente díspares nesse livro, corrupção e nazismo. Mas o que importa na narrativa é como essas duas coisas influenciam na vida cotidiana, diária, não aquela dos telejornais – explica Muarrek.
Paulista, mas apaixonado pelo cotidiano carioca, o escritor compôs uma narrativa que se aproxima mais de uma novela de costumes do que u romance de suspense e perseguição, como a trama poderia sugerir. Aos poucos, Iracema, embora tendo uma vida difícil, também demonstra sua carga de preconceito, assim como os parceiros de Delúbio. Com diálogos rápidos e bem-humorados, inspirados na dramaturgia, a prosa de Muarrek prende a atenção do leitor desde o início e cria empatia com os personagens, denunciando o apelo sedutor de quem compactua com a corrupção e com uma visão de um mundo totalitária – muitas vezes sem sequer refletir a respeito.
Com homônimos que se revelam diferentes de seus correspondentes na vida real e uma trama que mescla suspense e humor, UM NAZISTA EM COPACABANA é um romance que guarda boas surpresas e revigora o poder da literatura de narrar uma boa história.
- O cinema roubou da literatura a arte de contar histórias, deixando o texto voltado mais para exercícios de linguagem e fluxo de consciência, o que também não é pouco. Mas a arte de narrar ainda tem espaço e tem potencial enorme de conquistar público. Não quero fazer uma literatura que dá as costas para o leitor – conclui o autor.
Fonte: ZeroHora/Alexandre Lucchese (alexandre.lucchese@zerohora.com.br) em 16/09/2016.