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Antenas da Floresta — A Saga das TVs da Amazônia
Antenas da Floresta — A Saga das TVs da Amazônia

ANTENAS DA FLORESTA RETRATA BRASIL PROFUNDO

 

Jornalista Elvira Lobato esquadrinha fenômeno das centenas de pequenas TVs da Amazônia.

 

LIVRO: ANTENAS DA FLORESTA – A Saga das TVs da Amazônia, de Elvira Lobato – Objetiva, 392 páginas.

 

Num relato impregnado pela poeira das estradas e pelo cheiro da floresta, resultado de três expedições empreendidas à Amazônia, Elvira Lobato desvenda uma realidade que desafia a percepção generalizada, sobretudo nos meios acadêmicos, que de existe no Brasil um compacto monopólio da mídia.

 

Não se trata de negar a evidente concentração desse poder em poucas mãos, mas de relativizar a eficácia de sua cobertura nacional a partir das centenas de pequenas TVs que pipocaram nos últimos anos na área de 5 milhões de quilômetros quadrados da Amazônia Legal, que se estende por nove Estados e representa 59% do território brasileiro.

 

Talvez seja essa a principal conclusão de ANTENAS DA FLORESTA, livro que esquadrinha o fenômeno recente e pouco explorado da mídia eletrônica de alcance local, que, com capilaridade e abrangência, impacta a vida das pequenas comunidades da região, para o bem e para o mal.

 

A origem remota desse universo é uma legislação de 1989, quando José Sarney validou um decreto de 1978 que permitia a inserção de programação local nas “regiões de fronteira de desenvolvimento”, uma preocupação dos governos militares.

 

Desde então as retransmissoras da região podem ocupar 15% da grade de programação com produção local e ficar com a receita publicitária correspondente. É isso o que as diferencia das retransmissoras no restante do país, que, como indica o nome, apenas retransmitem o sinal das redes nacionais.

 

O filão é explorado por empreendedores familiares, políticos municipais (mas também senadores) e denominações religiosas, embora seja quase sempre difícil identificar o real proprietário, devido a contratos de gaveta que burlam o frouxo controle das autoridades.

 

A presença dos políticos cresceu vertiginosamente a partir de 2012, quando o governo permitiu o funcionamento temporário de retransmissoras sem outorga. Bastava aos interessados pedir a licença e imediatamente colocar no ar o canal.

 

Surgiu daí um novo tipo de “coronelismo eletrônico”, expressão que desde os anos 80 designava o uso dessa mídia para obter ou manter o domínio político. A novidade, aponta a autora, é que hoje não há mais o controle por um único grupo político. “por isso, a televisão influencia, mas não determina o resultado das urnas.”

 

Pelas contas de Elvira Lobato, dos 1.737 canais da Amazônia Legal, pelo menos 400 produzem conteúdo. Há muita improvisação e amadorismo. Como nota a autora, jornalistas sem formação desconhecem códigos de ética adotados pelos maiores veículos de comunicação. “Confundem vigilância sobre o poder público com ataques aos gestores e agressividade verbal com demonstração de independência jornalística, ficando vulneráveis a agressões físicas e a ameaças por parte dos que se sentiram destratados.”

 

Quatro quintos do livro são dedicados ao relato de casos colhidos ao longo do caminho. É principalmente aí que a veterana Elvira Lobato mostra por que é uma das jornalistas mais premiadas do país. Em mãos menos habilidosas, as histórias não formariam um conjunto revelador do Brasil profundo e o leitor se afogaria numa quantidade industrial de nomes, dos quais não tem referência prévia.

 

A autora escapa da armadilha, usando a matéria-prima garimpada para trabalhar na fronteira entre a reportagem e a crônica, numa escrita direta e sem adjetivações desnecessárias. Os casos narrados visitam todo o espectro da literatura, do humor involuntário ao horror desconcertante, que brota das reproduções das entrevistas levadas ao ar.

 

Há histórias de estupros de meninas confessados pelos criminosos aos repórteres, que procuram arrancar detalhes sórdidos dos entrevistados. Um deles, que diz ter ido para casa dormir depois de deixar a vítima agonizando no matagal, se encaixaria numa adaptação do conceito de banalidade do mal. O repórter não apenas toma o depoimento, mas grava sua reação, chamando-o de “bicho”.

 

Outros casos chegam a ser engraçados, pela quase singeleza das respostas. Um suspeito de roubar uma calcinha se defende dizendo que só roubou um frango. O repórter lembra que no dia anterior ele havia sido pego com creme dental e latas de sardinha numa sacola roubada. E o ladrão: “O creme dental é pra eu falar com tu sem mau hálito. A sardinha era pra bater uma boia porque eu tava até aquela hora sem merendar”.

 

E outras narrativas poderiam ser objeto de investigação antropológica, como o da costureira que confeccionava vestidos para agradecidas índias caiapós que até então andavam nuas.

 

Elvira Lobato diz que a implantação da TV Digital, que exige mais recursos, poderá extinguir esses minicanais. Na região, o desligamento do sinal analógico está previsto para 2023. “O Brasil perderá com esse desaparecimento, porque apesar das deformações, que são muitas, elas disseminam informação, e dão voz aos que não têm a quem recorrer.” ANTENAS DA FLORESTA seria, então, um réquiem para um defunto polêmico.

 

Fonte: Revista Valor / Oscar Pilagallo (Jornalista e autor de História da Imprensa Paulista) em 08/12/2017