UM LIVRO E MUITOS VÍCIOS
Bem conhecida pelo senso comum, a relação entre artistas e o vício costuma ser mais romantizada do que propriamente analisada. Dois livros recentes tentam seguir na contramão dessa tendência. Em VIAGEM AO REDOR DA GARRAFA, a jornalista e escritora inglesa Olívia Laing mescla um relato de viagem nada convencional à análise do papel que o álcool teve sobre seis grandes escritores do século 20. Já em A VIDA LOUCA DA MPB, o gaúcho Ismael Caneppele apresenta 17 perfis de artistas da música nacional que mantiveram com a droga um contato tão frequente quanto o que tinham com o microfone.
A VIDA LOUCA DA MPB retoma as relações com os excessos de 17 músicos e compositores brasileiros, dos de maior projeção, como Carmem Miranda, Vinícius de Morais e Tim Maia, a figuras de popularidade mais restrita, como Sergio Sampaio e Julio Barroso. O foco aqui é a vida dos que declinaram pelo abuso de substâncias variadas, não apenas o álcool.
Em uma MPB que até recentemente tinha algumas de suas principais figuras na batalha para proibir biografias não autorizadas, não é de admirar que a vertente “vida louca” de nossos artistas seja pouco abordada. Um dos autores a tratar mais honestamente a relação entre a droga e a música no Brasil foi o insider Nelson Motta, em suas memórias NOITES TROPICAIS, e não por acaso Motta também apadrinha este livro de Caneppele, sendo o autor da ideia da obra e da lista de 17 personagens.
A DROGA COMO ESTILO DE VIDA
O livro de Caneppele se concentra não tanto no vício em si, mas nas necessidades que os despertaram. Alguns abusaram para continuar fazendo aquilo que o público esperava deles, como Carmem Miranda entupida de benzedrina em uma maratona de shows. Outros, buscaram anestesiar-se para conciliar temperamento tímido e sucesso, como Sergio Sampaio, que praticamente fugiu do lançamento de um álbum para se afogar em álcool. Em outros, a droga é a expressão de um estilo de vida anárquico, como Julio Barroso, consumidor onívoro de drogas e sexo.
É um livro escrito com visível paixão pelos personagens. Ao mesmo tempo, é um trabalho que se sai melhor quando lança seu olhar sobre autores menos conhecidos, já que os perfis de Carmem Miranda e Tim Maia, por exemplo, soam mais como uma agradável introdução a tópicos abordados com mais detalhamento nas biografias escritas por Ruy Castro e Nelson Motta, respectivamente.
Fonte: ZeroHora/Mundo Livro/Carlos André Moreira (carlos.moreira@zerohora.com.br) em 18 de março de 2016.