CONTOS DE AMOR E MORTE POR VERA IONE MOLINA
Em nossas últimas décadas narcisistas, ditas pós-modernas, muitos escritores ficam se divertindo ou se enganando com jogos de palavras estéreis e complicados, ausência de temática, esquemas de autopromoção e outras coisas desimportantes que, infelizmente, na maior parte do tempo, botam os leitores para correr e não merecem maiores comentários.
O QUARTO AMARELO (Bestiário, 94 páginas), da escritora, crítica e professora uruguaianense Vera Ione Molina, coletânea de 25 contos sobre amor, morte, sobrenatural, situações do cotidiano, relações de família e outros temas eternos, é daqueles livros com forma e conteúdo equilibrados, com histórias bem narradas. Os contos dão prazer aos leitores, dizendo, com linguagem precisa, clara e bem-trabalhada, sobre a passagem do tempo, as relações pessoais e sobre os pequenos grandes acontecimentos do cotidiano.
A volta de um primo, uma cachorrinha de estimação, conversa de mãe e filho numa cidade de litoral, o diário de uma antepassada, a luta contra um inseto, o envolvimento de uma mulher com um homem casado, as escutas atrás das portas e outros temas estão no volume, através de textos maduros e enxutos, mostrando que as grandes histórias tantas vezes estão em meio aos aparentes pequenos cenários, personagens e dias domésticos. Pequenas histórias? Pequena história? Quem disse?
Vera Ione viveu a infância em Uruguaiana, depois morou muitos anos em Porto Alegre e, há dez anos, voltou para seu torrão natal, onde vive até hoje. Essas ricas vivências no Interior e na capital, as leituras de Jorge Luis Borges, Mario Arregui, Sérgio Faraco e Mario Benedetti, entre outros autores da América Latina, apontam para as origens das atmosferas das narrativas e para as opções ficcionais da autora.
A autora ministra oficinas de literatura para brasileiros, uruguaios e argentinos e, entre outros livros, inclusive de literatura infantil, escreveu os romances Quarentena e O Outro Lado da Ponte e teve contos classificados em concursos nacionais e internacionais, como Moviarte e o Prêmio Guimarães Rosa da Radio France Internationale.
A coletânea de contos breves da autora, como se disse, demonstra sua profunda vocação para contar histórias e seu compromisso visceral com a boa literatura, dosando bem os elementos ficcionais. É a literatura que utiliza formas e conteúdos para envolver, com equilíbrio e sedução narrativa, o leitor e levá-lo a conhecer muitos mundos e pessoas além dos seus mundos e de si próprio. Não é só contar uma história. É contar bem, ter o que contar, saber como.
Portanto, numa época em que o exibicionismo pessoal, a pirotecnia palavrosa vazia e o exibicionismo verbal sem assunto andam circulando tanto, é de ser saudado um livro como O Quarto Amarelo, que traz as essências da verdadeira literatura.
Fonte: Jornal do Comércio/Jaime Cimenti (jcimenti@terra.com.br) 16/10/2015