LIVRO EXORCIZA FANTASMAS DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER
Em O Silêncio das Gaiolas, com lançamento esta semana em Porto Alegre, a jornalista Iara Lemos mescla vivências pessoais e pesquisa para narrar as muitas formas encontradas pela estrutura patriarcal para sufocar o feminino
Qual o momento em que a sedução cede lugar à violência? Como homens, em pleno terceiro milênio, continuam a se apossar dos corpos femininos, sem pudores e sem punição? São questões que afloram de imediato na leitura de O Silêncio das Gaiolas, o novo livro da jornalista Iara Lemos, que será lançado na sexta-feira (26) em Porto Alegre.
Gaúcha radicada em Brasília, Iara é feminista na essência, não como rótulo. Sua estreia na literatura se deu com A Cruz Haitiana, um livro-reportagem sobre como o Haiti foi transformado em refúgio de religiosos pedófilos de várias partes do planeta. E sobre os reflexos disso entre os jovens daquele país caribenho.
Iara trabalhava na RBS quando fez sua primeira visita ao Haiti e depois se aprofundou no cotidiano daquele país, especialmente na questão da violência sexual. Ganhou um prêmio Esso pela cobertura da situação naquela nação caribenha dilacerada pela guerra civil e pela fome.
Iara participou, posteriormente, de uma coletânea sobre crimes, com dois livros: Crimes contra Mulheres e Crimes contra Crianças e Adolescentes. No primeiro, fala sobre as violências contra mulheres nos ambientes profissionais. No segundo, traça um esboço de como a ausência de regulamentação no uso da Inteligência Artificial no Brasil pode prejudicar o desenvolvimento de crianças e adolescentes. Iara foi, durante dois anos, delegada do Colegiado de Inteligência Artificial da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), em uma vaga indicada pelos EUA. E também liderou pesquisas sobre o tráfico de mulheres brasileiras para a Europa, parte das quais está embutida nesse novo livro.
Em O Silêncio das Gaiolas a jornalista aprofunda a temática da dominação, numa obra sobre como a estrutura patriarcal sufoca o feminino, no Brasil e no mundo. É um livro que mescla vivências pessoais e muita pesquisa. Ao devorar as primeiras páginas, fiquei sabendo que o Brasil vivencia quase um milhão de estupros por ano (sim!) - são 822 mil registros, afora os casos não informados pelas vítimas. Esse número é algo como três vezes a população de Santa Maria, cidade onde Iara cresceu e se formou.
Como a própria Iara descreve, O Silêncio das Gaiolas é um ensaio feminista baseado em histórias reais, de mulheres que passaram pelas mais diversas formas de violência: desde tentativa de feminicídio à violência patrimonial, passando pela violência enraizada no seio familiar e pela violência religiosa.
O prefácio de O Silêncio das Gaiolas foi escrito pela ex-modelo Luiza Brunet, vítima de um casamento abusivo, que deixou marcas profundas em seu corpo e na sua psiquê. São experiências difíceis de expressar e, por esse motivo, tão renegadas por mulheres ainda dentro das gaiolas em que vivem (daí, o nome do livro).
- É um ensaio feminista, onde me despi de todas as amarras e tentei dar voz à mim mesma e às mulheres que acompanhei para compor o livro - resume Iara.
Ela conseguiu.
Fonte: Zero Hora/Humberto Trezzi em 24/09/2025