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O Dono do Morro: de Misha Glenny
O Dono do Morro: de Misha Glenny

O TRÁFICO VISTO DE FORA

 

EM O DONO DO MORRO, JORNALISTA BRITÃNICO MISHA GLENNY TRAÇA PERFIL DETALHADO DO LÍDER DO CRIME NO MORRO DA ROCINHA, NO RIO DE JANEIRO.

 

Empregado como gerente de uma equipe de entregas da Revista da Net, Antonio Francisco Bonfim Lopes se viu, no ano 2000, precisando de muito dinheiro para tratar a doença rara da filha.  Foi pedi-lo ao “dono” da favela da Rocinha, Lulu, e no espaço de cinco anos ele, já com o nome de Nem, seria o novo soberano do crime na região.  É essa trajetória vertiginosa que o jornalista britânico Misha Glenny conta em O DONO DO MORRO, seu livro mais recente, que veio lançar na Flip, em Paraty, há alguns dias.

 

Mais do que uma biografia de Nem no sentido estrito, o livro de Glenny, também autor da ampla reportagem sobre o crime globalizado (McMafia), apresenta um relato condensado do desenvolvimento do tráfico de drogas no Rio, tendo a Rocinha como foco mas ampliando o olhar para diferenças pontuais dentro da cidade e do país.  A situação no Rio, por exemplo, sempre foi diferente da de São Paulo, em que o Primeiro Comando da capital logo se estruturou como a principal força dominante.  No Rio, “a própria geografia da cidade, com encostas íngremes, ribanceiras e trechos de Mata Atlântica, incentivou a divisão das facções”, argumenta o autor.

 

Para escrever O DONO DO MORRO, Glenny aprendeu português – o suficiente para ler livros, prontuários e transcrições de depoimentos, mas, ele próprio admite, não para entender o universo amplo de sotaques e gírias da linguagem falada.  Também circulou pela Rocinha ao longo de dois meses.  Com isso, consegue apresentar um panorama vívido do desenvolvimento do tráfico e de seu personagem principal – o livro foi concebido para o público não brasileiro, e por isso algumas explicações podem soas óbvias para os locais.

 

O grande feito da obra é conseguir matizar a personalidade de Nem ao ponto de montar um perfil nuançado.  Nem entrou no tráfico aos 24 anos, idade tardia para a maioria no negócio, e depois de uma juventude trabalhando em empregos regulares, como último recurso para arranjar dinheiro para o caro tratamento da filha.  Depois, no entanto, ao colocar suas habilidades a serviço da estrutura criminosa, vai subindo vertiginosamente e usufruindo as benesses de ser “o dono da favela” – posição equivalente à do chefe de um pequeno Estado.  Logo, investindo mais na corrupção do que na violência, tornou a Rocinha um espaço “cool”, com uma vibrante vida noturna e cultural, frequentada por artistas, políticos e consumidores da droga na classe média-alta.  Contudo, talvez Glenny questione pouco as afirmações de Nem de que seu reinado foi sempre pacífico.  Ainda assim, é um livro que apresenta  de modo contundente e sem moralismo uma fatia desconfortável  da realidade nacional.

 

Fonte:  Zero Hora/Mundo Livro/Carlos André Moreira (carlos.moreira@zerohora.com.br) em 8 de julho de 2016.