Translate this Page




ONLINE
71





Partilhe esta Página

                                            

            

 

 


A Bíblia do Che: Miguel Sanches Neto
A Bíblia do Che: Miguel Sanches Neto

NA REPÚBLICA DE CURITIBA

 

MIGUEL SANCHES NETO ABORDA O LEGADO DA ESQUERDA, A CORRUPÇÃO E A POLÍTICA NO BRASIL EM SEU SUSPENSE “A BÍBLIA DO CHE”, COMPANHIA DAS LETRAS, 288 PÁGINAS.

 

Entre as lendas que circulam a respeito de Che Guevara, uma conta que, após abandonar Cuba em 1966 para implantar focos revolucionários em outros países, ele teria passado pela América do Sul fantasiado de padre.  A busca pela Bíblia usada para compor o disfarce – na qual Guevara teria feito anotações enquanto lia o Novo Testamento – é o pretexto para a trama de A BÍBLIA DO CHE, novo romance do paranaense Miguel Sanches Neto.  Mas o que o autor realmente faz é usar a moldura de um suspense para uma abordagem satírica da recente confusão política no Brasil.

 

Para isso, retoma Pessoa, protagonista de A PRIMEIRA MULHER (2008).  Depois da trama daquele romance, esse ex-professor de idade avançada passou uma década vivendo precariamente em Curitiba, morando irregularmente numa sala comercial, lendo compulsivamente e sendo econômico nos deslocamentos.  “Por 10 anos, vivi sem me afastar do que mil metros de meu prédio”, reforça.  Essa existência mais monomaníaca do que monástica é abalada quando um antigo conhecido, o operador financeira corrupto Jacinto, o encontra e oferece uma grana para que ele encontre a Bíblia usada por Che numa suposta passagem por Curitiba.  Logo Jacinto é morto em uma queima de arquivo, e a busca de Pessoa passa a ser outra: quem teria matado o operador e pode querer fazer o mesmo com sua mulher, uma femme fatale obcecada pelo socialismo.

 

Os métodos usados pelo Pessoa investigados desde sua primeira aventura não melhoraram muito em 109 anos de isolamento, primando por uma certa aleatoriedade  que é ela própria uma sátira do autor às chances de um detetiv e “fora do sistema” descobrir alguma coisa em um país de corrupção tão entranhada como o Brasil.  É o caso que praticamente vem ao detetive, e não o contrário, e nesse processo Pessoa tromba com elementos que se associam ao recente noticiário político: negociatas, delações premiadas, a derrisão de projetos da esquerda (inclusive Cuba como modelo).  São ideias interessantes, e há bons insights sobre o Brasil como um cenário de pulp falsificado.  E, ao avançar a trama, o tom de pastiche justifica coincidências ou desenvolvimentos apressados.  Mas, em certas passagens, esse mesmo tom retira do protagonismo, nosso narrador e personagem que reorganiza o que está vendo para nós, leitores, uma profundidade que, mais do que bem-vinda, seria necessária..

 

Fonte:  Zero Hora/Mundo Livro/Carlos André Moreira (carlos.moreira@zerohora.com.br) em 24 de junho de 2016