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O Lacaiano de Passo Fundo: de Mário Corso
O Lacaiano de Passo Fundo: de Mário Corso

UM OLHAR ALÉM DO COMUM

 

Mário Corso lança hoje seu primeiro livro de crônicas, O LACANIANO DE PASSO FUNDO – Arquipélago Editorial, 208 páginas.

 

Há algumas variações de abordagem para aqueles que se entregam ao exercício da crônica. Há os opinativos cheios de dados e informações, os que desdobram uma opinião desconcertante até onde ela resistir, os que tecem um labirinto lírico em que uma borboleta voando pode se estender por três textos em sequência. E há os que fazem do texto uma reflexão que vai se construindo aos poucos, um tatear cuidadoso em busca de ângulos inusitados. É a este último tipo que pertence a maior parte dos textos de O LACANIANO DE PASSO FUNDO, livro de crônicas que o escritor e psicanalista Mário Corso lança amanhã pela manhã, em Porto Alegre.

 

Corso já publicou, solo ou em parceria com a mulher, a também psicanalista Diana Corso, ensaios como FADAS NO DIVÃ: PSICANÁLISE NAS HISTÓRIAS INFANTIS (2005) e TERRA DO NUNCA: ENSAIOS SOBRE A FANTASIA (2010) e infantis como A HISTÓRIA MAIS TRISTE DO MUNDO (2014). O LACANIANO DE PASSO FUNDO é sua estreia em coletâneas de crônicas, e reúne oito dezenas de textos publicados na imprensa, inclusive em Zero Hora, em que corso é colunista. É um conjunto no qual prevalece a observação do comportamento humano numa tentativa de pensar além do senso comum.

 

O primeiro texto, por exemplo, brinca com a ancestralidade italiana do autor, satirizando uma nostalgia de nobreza de muitos descendentes de europeus no Brasil: “Vez que outra, lá pelas tantas, alguém puxava o assunto: o que tua família fazia na Itália? E então eram lembradas tradições, profissões, terras e uma pompa que de forma alguma combinava com os imigrantes aqui aportados”.

 

Psicanalista de formação e prática, Corso também não se furta a manejar alguns conceitos de sua área, apresentando-os no contexto de uma discussão mais ampla sobre vidas, afetos, relações e complexidades humanas. Ao se debruçar sobre o futebol, argumenta porque, como afirma o título do texto, TODO TORCEDOR É BIPOLAR: “A lógica do torcedor é simples e direta: só se move pela hipérbole, pela grandiosidade, pelos extremos. Ou ele está rumo a disputar o mundial interclubes, ou sente que o chicote do destino o empurra para a segunda divisão.”

 

Em outro artigo, ACEITE-ME COMO SOU, ele discute a toxicidade emocional das pessoas que se recusam a mudar durante um relacionamento, e escreve: “Um dos mais enganosos conceitos da psicologia é o narcisismo: a primeira ideia que nos vem é de alguém que se enfeita, que quer chamar a atenção. Não necessariamente: aquele que se arruma para convocar a visão do outro sabe que não é perfeito e precisa de retoques. O verdadeiro narcisista acredita que sua natureza já é irretocável.”

 

No final do livro, há ainda uma “entrevista” fictícia com O LACANIANO DE PASSO FUNDO que dá título à obra, um personagem imaginário que homenageia e ao mesmo tempo subverte o clássico Analista de Bagé criado por Luis Fernando Verissimo.

 

Fonte: Zero Hora/Segundo Caderno/Carlos André Moreira (carlos.moreira@zerohora.com.br) em 20/10/2017.

 

PETISCO LITERÁRIO (Uma provinha)

 

O Tudologista e o Churrasco

 

Para quem ainda não sabe, o tudologista é o especialista em tudo. Se você perguntar: tudo, mas como assim? Em qual área? Já são sinais de que não entendeu o conceito. Tudo é tudo mesmo. O verdadeiro tudologista tem resposta ou opinião sobre qualquer assunto.(…)


Esses dias, tive a felicidade de ter um tudologista ao meu lado, na churrasqueira. Ele me ensinou a essência do processo do cozimento da carne e a transcendência dos pequenos gestos. Precisei de humildade e calma, ainda mais tendo uma faca de carne na mão, pois o mestre me apontou falhas imperdoáveis na condução do preparo da refeição.

 

Todo Torcedor é Bipolar

 

Os psiquiatras não desenvolveram o conceito da bipolaridade observando pacientes, e sim torcedores. Só depois perceberam que ela poderia ser útil para pensar o comportamento de algumas pessoas.

 

A lógica do torcedor é simples e direta: só se move pela hipérbole, pela grandiosidade, pelos extremos. Ou ele está rumo a disputar o mundial interclubes, ou sente que o chicote do destino o empurra para a segunda divisão. O meio-termo não faz parte de seu sistema classificatório. Para a esquadra amada só existem o céu e o inferno. Ou tomará cerveja gelada com batatinha frita junto a São Pedro, ou engolirá leite de soja morno com petiscos de tofu na companhia do medonho.

 

Fonte: Jornal do Comércio/Panorama/Cristiano Vieira em 19/10/2017.