A MIOPIA DAS GRANDES LIVRARIAS
As livrarias deveriam ter voz. Deveria, estar não só no YouTube, mas também nas redes de jogos ou de música.
As grandes livrarias no Brasil ficaram de fora do século 21. Tudo indica que as grandes redes sofrem de uma miopia coletiva: vendem livros, e não conhecimento. E, assim, afundam todas.
A situação financeira das livrarias não podia ser pior: a Saraiva e a Cultura solicitaram recuperação judicial, e a Fnac já parou de operar no país. A reboque, um ecossistema enorme da economia criativa enfraquece. De editoras a capistas, todos sofrem e temem pelo futuro. Com isso, perdemos todos.
O conceito de miopia de marketing é conhecido. É como se, para ver um eclipse alguém mirasse no dedo, e não na lua. É direcionar a administração para suprir um mercado que diminui, não um que cresce. No caso das livrarias, é focar na venda do que couber na prateleira, não em satisfazer o que o cliente realmente busca.
A indústria automobilística sofreu recentemente de miopia. As vendas de carros caíam, enquanto o problema de mobilidade só crescia. Com base nisso, empresas como Ford e GM redefiniram suas estratégias e passaram a oferecer soluções de transporte. É por isso que hoje essas empresas oferecem carros e caminhões, mas também aluguem de patinetes por aplicativo ou hospedagem de dados na nuvem.
Qual o mercado que mais cresce hoje em dia? O de conhecimento, justamente aquele que as grandes livrarias podem atender melhor.
As livrarias deveriam ser os influenciadores de hoje em dia. Quando entramos na livraria, buscamos mais do que livros, buscamos ideias. Os melhores guias para nos oferecer conhecimento estão ali: são os atendentes da loja. Empresas como a Farm e a IBM já entenderam isso e incentivam seus funcionários a serem influenciadores nas mídias sociais. Já as livrarias fazem dos vendedores influenciadores apenas quando entramos na loja.
As livrarias deveriam ter voz. Elas deveriam estar não só no YouTube (que já conhecem), mas também nas redes de jogos, como o Twitch, ou de música e comportamento, como o TikTok. Mas o mais provável é que as grandes redes sequer consideraram isso. O foco sempre foi manter a loja e o estoque, físicos, funcionando. O livro é, se pensarmos bem, uma desculpa para vender conhecimento, ideias, soluções. Como fazer disso um mercado lucrativo é o que ainda estamos para ver.
Fato é que sem as livrarias perdemos todos. Perdem as mídias sociais, que ganham cientistas amadores que tentam provar que a terra é plana, perde a periferia, que não tem como dar voz aos poucos livros que são escritos sobre ela, e perdem os alunos, que ficam sem saber o que ler quando querem aprender sozinhos. Perdem até empresas e governos, que ficam sem livros para compreender os desafios que surgem.
A mensagem para o novo mercado de livrarias que vem aí é: olhem a lua. Vejam o mercado que está em crescimento, que é o de conhecimento, e experimentem. Trabalhem em rede, e colaborem entre si. Precisamos urgentemente de vocês. A sociedade agradece.
Fonte: Zero Hora/Fabro Steibel/Diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio (fabro@itsrio.org) em 16/12/2018