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Cosac Naify: O Fim de Uma Era
Cosac Naify: O Fim de Uma Era

O FIM DE UMA ERA        

 

PROFESSOR DA USP FALA DE 2015 COMO O DO CAPÍTULO FINAL DE UMA DAS PRINCIPAIS EDITORAS DO PAÍS:  A COSAC NAIFY.

 

Num ano repleto de índices negativos, não apenas neste país como no mundo – mas também e de modo especial neste país – é oportuno, paradoxalmente, ressaltar um deles.  Em novembro, a editora Cosac Naify fechou sua máquina de imprimir livros.  Um verdadeiro espanto, uma forte comoção cultural.  A aposta da editora era conhecida: livros sobre artistas brasileiros e de fina literatura apresentados de um modo que, pelo padrão aqui dominante, só pode ser descrito como luxuoso, com soluções gráficas incomuns.  Uma editora – como diz (em entrelinhas) seu sócio brasileiro e anunciador da má notícia – desabridamente de elite, provocativamente de elite nestes tempos em que se prefere acabar com a elite em vez de abrir suas portas para todos (ou para o maior número).  Era uma editora, diz Charles Cosac, voltada para o professor e o aluno universitário, para os escritores, os intelectuais, os críticos, produzindo não apenas livros que não interessassem às outras editoras como livros de conteúdo diferenciado (quer dizer, livros de valor) e vestidos de modo atraente.

 

Nunca seus sócios proprietários pensaram ganhar dinheiro com a aventura, bastava que a editora se pagasse.  Mas, o livro não tem mercado neste país Brasil, assim como não existe um mercado para a cultura neste país Brasil, ou apenas um ralo mercado.  Muitas editoras ainda vivem das compras do governo – e num ano em que o governo não compra, muitas balançam.  Os viciados piram quando a droga falta.

  

Não é apenas o fato de não existir um mercado para o livro no Brasil, disse Charles Cosac: ele constatou, e isso o abalou mais, a perda da função social do livro no Brasil.  Este país realmente passou da cultura oral para a cultura verbi-voco-visual,  na expressão de Haroldo de Campos, sem atravessar a fase da cultura da letra (nem digo que não passou pela cultura letrada; e note que o “verbi” da expressão é só o “verbi” oral).  Essa é a pista aterradora do anúncio de fechamento:  o livro perdeu valor social no Brasil – e o projeto editorial da Cosac Naify ficou sem sentido.  O fenômeno não é apenas daqui: hoje quando escrevo este texto, o grande filósofo espanhol El Roto que, disfarçado de cartunista, é colaborador do jornal El País, publica uma charge em que se veem duas crianças com livros nas mãos: uma diz “Leio livros só quando meus pais não estão vendo, não os quero alarmar.”  O sintoma está por toda a parte – mas no Brasil o quadro é catastrófico.  Também hoje um informe do IBGE aponta:  só 27,4% das cidades do país têm livrarias, queda de 8,7% em relação ao período anterior.  Na outra ponta, 99,9% das cidades têm sinal de TV aberta.  A cultura é substituída pelo entretenimento.  A tecnologia muda a cultura, reconheceu Marx:  não muda apenas o instrumento “duro” (no lugar do telefone fixo, o portátil), muda a cultura, o modo de pensar e ser.  No lugar do pensamento verbal, o pensamento voco-visual.  Não é pior que o anterior: é diferente.

 

A questão é que os outros países ainda não abandonaram o livro e tudo indica que a passagem para a nova cultura e o novo mundo (se continuar existindo um) ainda se faz também a partir do livro.  O pensamento verbal ainda é essencial.  Mas no país Brasil a leitura acaba.  Charles Cosac disse que sua editora poderia, para reduzir custos, publicar clássicos livres de direitos autorais: esse não era o objetivo da editora, porém, e de todo modo ele constatou que tampouco esses eram lidos.

  

A leitura acaba, o livro perdeu valor social.  De resto, tanto quanto o professor (de todos os níveis).  A educação é rala ou inexistente, e quando existe não é culturalizada.  Mas este país não se alarma (o Brasil é em larga medida um país autista).

 

É comum que, diante de um insucesso pessoal ou do fim da própria vida, confunda-se o individual com o coletivo: o fim de meu projeto e de minha vida é o fim do mundo.  Mesmo mantendo-se essa cautela na interpretação dos fatos, a decisão anunciada e a advertência nela contida são fortes: não há mercado para a qualidade literária no Brasil, não há sequer lugar para o livro.  Paradoxos: há pelo menos uma grande rede de livrarias e quem entra numa de suas lojas, vendo filas nos caixas e leitores espalhados por poltronas, tem um retrato errado do país.  Prêmios literários existem, alguns são expressivos em dinheiro.  Bibliotecas estão em 97, 1% das cidades (como são? O que oferecem? Quantos as frequentam? Quantas servem só para trabalho escolar?).  E nesse quadro, uma editora, não uma editora qualquer, encerra suas atividades depois de vinte anos.  Não por falta de tentar.  Nem de oferecer conteúdo relevante.  Nem de propô-lo do melhor modo visual possível.

 

Não é o caso de deplorar o fim do livro, é o caso de perguntar o que, por aqui, irá substituí-lo.

  

Não é o caso de perguntar por quem os sinos dobram: recorrendo a um livro de John Donne e a um livro de Ernest Hemingway, não pergunte por quem os sinos dobram: eles dobram, não por Charles Cosac, nem pela editora fechada; eles dobram por você.

 

Fonte:  Correio do Povo – CS Caderno de Sábado/José Teixeira Coelho (Professor aposentado da Universidade de São Paulo e escritor.  Foi diretor do Museu de Arte Contemporânea da USP (1998-2002) e curador-coordenador do Museu de Arte de São Paulo-MASP) em 2 de janeiro de 2016.