BIOGRAFIAS TÊM ESPAÇO
UMA BIOGRAFIA NÃO É INTOCÁVEL NEM INFALÍVEL
A biografia é uma obra com um único personagem. Ela expõe as manias, os segredos, os traumas, as fraquezas, as virtudes, os conflitos, enfim, evidencia tanto a vida pessoal na sua intimidade quanto a profissional nos seus detalhes. É, portanto, a soma das pequenas histórias pessoais para culminar em uma só história, que traça um perfil. Isto através de um dedicado trabalho de pesquisa e investigação. Pelo menos, em teoria. Mas na prática, a publicação da história de uma pessoa é bem mais complicada.
Randall Sulivan, jornalista americano, não tinha noção da dor de cabeça que teria ao publicar ESTRANHA VIDA e a TRÁGICA MORTE DE MICHAEL JACKSON. O texto expôs as fragilidades e a intimidade do cantor. Atraiu sobre si a fúria dos fãs e processos da família.
Rui Castro, um dos maiores biógrafos brasileiros, respondeu processos durante vários anos pela biografia que revelou a dramática vida de Garrincha, destruída pelo álcool, morrendo na miséria e no abandono. As filhas legatárias pediram indenização e a proibição da venda, que durou quase uma década. Com a determinação do Supremo Tribunal Federal de um ressarcimento de 100 salários mínimos para cada herdeira foi colocado um ponto final ao imbróglio.
O jornalista Palmério Dória subestimou a reação que o seu livro, HONORÁVEIS BANDIDOS – UM RETRATO DO BRASIL NA ERA SARNEY, provocaria no Nordeste. Nas diversas sessões de lançamento em 2009, houve baderna e confronto entre adversários e simpatizantes do clã. O campus da Universidade Estadual do Maranhão de Imperatriz se transformou em praça de guerra. Um grupo de vândalos promoveu um quebra-quebra. Houve tiros, bombas de efeito moral, correria e prisões. Foi preciso a intervenção da Polícia Militar.
Jogar a sujeira alheia ao vento sempre é perigoso. Biografias que desmascaram uma vida corrupta, trazem problemas ao autor. Em contrapartida, textos polêmicos têm a garantia de venda fácil. Mas o autor precisa ser corajoso e sujeitar-se à comprovação das fontes para assegurar a sua defesa.
Para mim, no entanto, o biógrafo não pode ser apenas um Sherlock Holmes: um investigador de pilha, inquire e desmascara a pessoa envolvida. Há em uma biografia algo maior e mais sublime: preservar a memória de um ser humano. O que significa salvá-lo do esquecimento.
Cresci ouvindo na família comentários saudosos sobre o meu avô Hermes Pereira de Souza. A partir da adolescência sonhei um dia escrever um livro com o objetivo de assegurar a sua memória. A biografia tornou-se real e no fim do ano passado foi publicada e lançada na Feira do Livro de Porto Alegre. Para minha surpresa, recebi muitas manifestações, e-mails e até uma carta escrita à mão. Surgiram parentes que eu nunca tinha ouvido falar. Em decorrência, acabei sendo homenageada pela Câmara de Vereadores em São Borja, terra onde ele nasceu.
Uma biografia pode provocar resultados diversos. Pode tanto destruir como enaltecer uma reputação. Para exemplificar, há 259 biografias sobre Charles Chaplin. Isto é, há 259 versões sobre ele, que variam de herói a depravado. Daí a eterna polêmica sobre o direito de privacidade e a liberdade de expressão.
Mesmo com todas as polêmicas, as biografias têm espaço e estão conquistando o leitor. São leituras de fatos reais e, ao mesmo tempo, importantes documentos históricos. Como qualquer outro livro, a biografia não é intocável nem infalível, cabendo-lhe suposições, dúvidas e críticas, o que é normal. Tudo depende de quem a escreve. Como e com que intenção é publicada.
Fonte: Por Themis Pereira de Souza Viana/Revista Donna/ZH de 2/8/2015