NOSSA LITERATURA CONTINUA FIRME E FORTE.
(Todas as Narrativas do Mundo)
ENTREVISTA COM SILVIANO SANTIAGO – ENSAÍSTA, ESCRITOR E PROFESSOR MINEIRO FALA DA LITERATURA BRASILEIRA COMO ENTRETENIMENTO E SUSTENTA A SUA FORÇA.
Ensaísta, romancista, poeta e professor universitário no Rio de Janeiro, já aposentado, com vínculos na França e nos Estados Unidos, o mineiro Silviano Santiago, 79 anos, começou a brilhar na literatura com o romance EM LIBERDADE (1981). Deu outro salto com STELLA MANHATTAN (1985). Escritor com pendores pós-modernos, praticante da intertextualidade, da ironia suave e das citações sofisticadas, em 2015 ele chama a atenção com um livro dedicado e elegante, MIL ROSAS ROUBADAS (Companhia das Letras) com a qual acaba de ganhar o Prêmio Oceanos, antigo Portugal Telecom. Nesta entrevista para o Caderno de Sábado, Santiago faz um balanço da literatura em termos de indústria do entretenimento.
Muito se fala em crise da literatura brasileira. Mas não faltam novos autores. Há quantidade com pouca qualidade?
Vou falar sem me deter em nomes. A situação atual da literatura brasileira está ligada ao marasmo da indústria do livro. Nossa literatura continua firme e forte. É impressionante o número de autores surgidos nos últimos 20 anos. São muitos os jovens atraídos pelo livro como forma de expressão. É preciso considerar que existem as opções da imagem e da música popular. Claro que esta última tem mais força. Ainda assim são muitos os que buscam no livro o instrumento da expressão estética. Dizem que se escreve mal hoje. Não concordo. Dá para dizer que se escreve bem. O problema é a falta de espaço para algo mais experimental. Depois das vanguardas do começo do século XX, perdeu força, a partir de 1945, o experimentalismo. Aos poucos, certas formas fixas, como o soneto, ressurgiram. O romance comercial venceu.
Qual a explicação para essa transformação? Temos boa literatura, mas nenhum escritor do porte de Guimarães Rosa?
A verdade é que a literatura não ocupa mais o espaço social de antigamente. O papel da literatura se transformou. No Brasil dos anos 1920, a literatura tinha uma função muito importante. Cabia-lhe articular o projeto de construção nacional. A expressão estética literária dava sentido e organizava a percepção das pessoas. Assim foi até o Estado Novo de Getúlio Vargas. Agora não é mais assim. A literatura de hoje não tem mais essa função coletiva. Virou expressão de subjetividade individual. Guimarães Rosa tinha uma voz que expressava algo coletivo, uma voz sertaneja, uma voz que vinha desde Euclides da Cunha e de Os Sertões. A voz literária podia ter o papel de glorificação do estado nacional ou de postulação de uma identidade. Trançava o político e o estético. Não é mais assim. Aquilo que transcendia à voz individual já não aparece, salvo em expressões como as que enfocam questões relativas a indígenas, gays ou negros. Já não se escuta a voz coletiva que dava um algo a mais.
Há escritores jovens, em contrapartida, como Eduardo Spohr, que vendem muito. No caso dele, mais de 700 mil exemplares já comercializados. A literatura de entretenimento tomou o lugar da literatura mais experimental ou com vocação artística?
Tudo se insere num contexto. A literatura de entretenimento corresponde ao que predomina nesta época de indústria do entretenimento. Os textos são bons, com ótimas frases, mas sem o caráter experimental de antes. Trabalha-se para o mercado. É assim com o cinema e com a música. Hollywood impôs o seu padrão. Isso teve um efeito sobre a produção de filmes mais autorais. A indústria do livro não foge ao padrão. O mercado requer um tipo de produção.
Há um agravamento dessa situação?
Embora seja muito difícil fixar rapidamente as causas do que está acontecendo com o livro no Brasil, pode-se dizer que um conjunto de fatores afeta a nossa produção. O papel do Estado voltou a ser desastroso. Depois de algum tempo com certa tendência, voltaram os cortes em educação. Tudo se pode discutir, inclusive a validade do bolsa-família. O mesmo se dá com a participação do Estado na compra e distribuição de livros para escolas. Mas era isso que vinha gerando algo positivo e permitindo uma aproximação de jovens com o livro. Além disso, produzia certa estabilidade no mercado editorial. Com a crise financeira, tudo retrocedeu. A educação voltou a ser uma questão de quinta categoria. Não é prioridade. Fica tudo agora ao sabor do mercado.
É uma situação brasileira ou mundial? A sua formação se deu na França. Lá, escritores como Michel Houellebecq ainda provocam grandes debates, vendem bastante e parecem transcender a questões de subjetividade individual nas temáticas escolhidas.
Estudei na França. Minha tese de doutorado foi sobre André Gide. Posso dizer que também na França de hoje não existem grandes escritores como Marcel Proust, como Gide ou como os expoentes do século XIX. Mesmo o último prêmio Nobel francês de literatura, Patrick Modiano, é apenas um bom escritor, um tanto parisiense. Falta uma visão mais ampla. Mesmo assim, claro, dá para dizer que na França há mais interesse pela literatura. A produção mais interessante, contudo, está hoje no mundo anglo-saxão. É curioso que seja assim por ser o universo do pop, do rock, do cinema e da música mais comercial. É esse espaço, entretanto, que se dá a revitalização de certo experimentalismo com um Thomas Pynchon ou um David Foster Wallace. Os c adernos literários ingleses ou americanos, por exemplo, são mais expressivos atualmente que os franceses.
Quase aos 80 anos de idade, ser finalista do Prêmio São Paulo de Literatura neste ano, com o romance MIL ROSAS ROUBADAS, emociona? Esperava ganhar? Qual a importância dos prêmios?
Vou confessar o seguinte: para mim todos esses prêmios, exceto o Nobel, devem ter um caráter de incentivo. Devem estimular o escritor promissor. Quando se está pelos 40 anos de vida e que se tem um projeto literário, pode ser muito importante receber alguns empurrões. Eu não os tive. Poderiam ter ajudado muito. Nunca me passou pela cabeça largar tudo para viver só de literatura. Fui professor universitário. Orientei mais de 50 teses. Isso me tomou um grande tempo que eu poderia ter empregado no meu projeto literário. Sei que existem jovens, hoje, que querem viver só de literatura. Tudo isso passa pela existência de oportunidades e de valorização.
O momento, contudo, é difícil. Uma grande editora como a Cosac Naify acaba de anunciar que vai fechar. O projeto, de livros caros, era inadequado para um país de pouca leitura?
Uma editora precisa ter resultados. É uma empresa. Um empreendimento privado. Não é a Petrobras. Desde a saída do Augusto Massi da Cosac Naify, sabia-se que havia problemas de gestão ali. Num país em que as pessoas não têm muito dinheiro para gastar em livros, que eles não são prioridade, é difícil continuar se a gestão do negócio apresenta problemas. Só podemos lamentar.
MIL ROSAS ROUBADAS trata de um amor homoafetivo frustrado por causa de preconceitos ou de uma grande amizade?
A amizade é consequência de um amor não correspondido. Meu livro trata de afetos, de coisas do coração. São pulsões eróticas que geram situações dramáticas. Um amor não correspondido se transforma numa grande amizade. Não é uma questão de preconceito. Em outros momentos, em livros como STELLA MANHATTAN, tratei, numa perspectiva mais política e ideológica, de preconceitos. Em MIL ROSAS ROUBADAS, é a amizade como algo sublime, mesmo sendo resultado de uma frustração amorosa, que me interessa. Há uma forte influência de WERTHER, de Goethe, e dos FRAGMENTOS DE UM DISCURSO AMOROSO, de Roland Barthes, no meu romance. Gosto disso, desses cruzamentos, mesmo que eles sejam indiretos. Há um delicado deslocamento geracional, que se dá quando se passa de um modo de organização da vida para algo mais comportamental e experimental.
Fonte: Correio do Povo – CS Caderno de Sábado/Juremir Machado da Silva em 19 de dezembro de 2015.