MERCADO LITERÁRIO
EDITORAS REVEEM PROJETOS COM O FIM DA CENSURA ÀS BIOGRAFIAS.
Livros e textos que estavam engavetados começam a ser repensados para ir às gráficas e livrarias.
O impacto positivo da liberação das biografias não autorizadas no país é consenso entre escritores e editores brasileiros, mas nem todos concordam sobre as dimensões das mudanças. Embora seja momento de comemoração para muitos, há quem siga mantendo a prudência mesmo após a decisão, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) votou pela derrubada de aprovação prévia de personagens ou herdeiros das obras biográficas.
- Esse é um divisor de águas. Antes, não havia segurança jurídica para trabalhar com biografias – avalia o editor Tito Montenegro, da Arquipélago Editorial.
Montenegro aguardava a votação para lançar Elis, uma Biografia Musical, de Arthur de Faria. Para Sérgio Machado, da editora Record, o momento não é de euforia:
- Não é claro o que seria uma verdade ofensiva a ponto de justificar a entrada de alguém na Justiça. Há podres na vida dos biografados que podem ser considerados ofensivos, mesmo verdadeiros.
Para Julio Maria, que publicou Nada Será Como Antes, sobre a vida de Elis, a decisão expressa claramente que a liberdade prevalece sobre o direito à privacidade
- Tudo o que for da vida provada do biografado, mas refletir em sua vida pública, é material passível de estar em biografia.
Já Machado observa que os custos envolvidos em uma defesa judicial podem acabar com os rendimentos de um livro, mesmo com ganho de causa:
- Há custos com advogados e viagens que liquidam qualquer lucro. Vamos continuar lendo originais com o mesmo rigor.
Luiz Fernando Emediato, editor da Geração Editorial, já publicava biografias não autorizadas antes da decisão do STF:
- Vamos continuar publicando biografias e enfrentando no tribunal quem se achar prejudicado.
O QUE VEM POR AÍ
A cantora Wanderléa prepara sua biografia, que poderia sofrer censura por expor histórias e aventuras de outros colegas de palco. Está em processo de edição pela Record, que pretende lançar, também, livro que tem Jânio Quadros como tema e outro sobre o ex-deputado Roberto Jefferson.
Até o final do ano, a biografia não autorizada do recluso compositor Geraldo Vandré deve sair pela Geração Editorial, assinada por Jorge Fernando dos Santos.
A Arquipélago quer lançar Elis, uma Biografia Musical até a Feira do Livro de Porto Alegre, em outubro.
Por Alexandre Lucchese/Publicado em ZH em 12/06/2015
SUPREMO ENGRANDECE A BIOGRAFIA DO PAÍS.
Editorial diz que a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a publicação de biografias é também um manifesto contundente em defesa da liberdade de expressão. O voto da relatora Cármen Lúcia, que foi acompanhado pelos outros oito ministros presentes, não deixou dúvidas sobre a extensão da decisão a outras tentativas de censura no país.
O Supremo Tribunal Federal derrubou na última quarta-feira a censura prévia de biografias, declarando inconstitucional a interpretação dos artigos 20 e 21 do Código Civil que proibia a divulgação de obras biográficas sem a autorização prévia do biografado ou de seus familiares. O julgamento foi, acima de tudo, um manifesto de defesa da liberdade de expressão e sua consolidação como garantia do pensamento, da informação e da própria burocracia.
O voto da relatora Cármen Lúcia, que foi acompanhado pelos outros oito ministros presentes, não deixou dúvidas sobre a extensão da decisão a outras tentativas de censura no país. “Censura é forma de cala boca. Pior, de cala Constituição. Não é constitucionalmente admissível o esquartejamento da liberdade de todos em detrimento da liberdade de cada um”.
- Cala a boca já morreu – completou a ministra. É a Constituição do Brasil que garante.
Os demais integrantes da Suprema Corte não só seguiram a relatora como também mandaram seus recados explícitos aos juízes de instâncias inferiores que seguidamente investem contra a liberdade de expressão. “É uma liberdade preferencial”, explicou didaticamente o ministro Luís Roberto Barroso, ao analisar o aparente conflito com os direitos à intimidade, à imagem e à honra, também contemplados pela Constituição.
Barroso reconhece que não pode haver hierarquia entre direitos fundamentais, mas que, em caso de colisão, deve prevalecer a liberdade preferencial, e quem a ataca é que deve demonstrar o direito superador. Não é o que os censores de biografia têm demonstrado, até mesmo porque, invariavelmente, se guiam por interesses subalternos, entre os quais o de comercializar informações que deveriam ser de todos. Evidentemente, os autores de biografia não ficam isentos de responsabilização posterior em caso de informações falsas ou ofensivas à honra dos biografados. Tampouco o direito à privacidade fica abolido, pois quem cometer injúria ou inverdade fica sujeito às penas previstas pela legislação.
O entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre as biografia não autorizadas dignifica a Corte e o seu compromisso com as liberdades individuais. E a lição que fica é clara e insofismável: primeiro, publique-se; depois, julgue-se e faça-se a devida reparação em caso de descompromisso com a verdade. A censura prévia é, sempre, um arbítrio.
BIOGRAFÁVEIS
Faça a lista de personagens que você quer conhecer melhor, agora que o Supremo acabou com a censura prévia às biografias. Eu espero as biografias do Roberto Carlos, do José Maria Marin e do Pedro Barusco. Mas não me interessa saber se Roberto Carlos namorou Gal Costa, Maysa e Zezé Macedo.
Espero que finalmente se esclareça se ele é mesmo o autor dos clássicos que fez com Erasmo Carlos. O que é dele e o que é de Erasmo? Dizem que Detalhes é de Erasmo. E contam que o verdadeiro Roberto seria o que, depois do fim da dupla, passou a compor sozinho algumas coisas pavorosas. Mas, enfim, sozinho, Erasmo também é autor de letras assustadoras.
A biografia do Marin terá de explicar a incitação à perseguição que levou ao assassinato do jornalista Vladimir Herzog, em 1975, nos porões da ditadura.
Em 2008, Marin ganhou o Colar do Mérito Institucional do Ministério Público paulista, quando já deveria ter ganho uma tornozeleira. A biografia vai nos mostrar onde se meteram agora os amigos de Marin, inclusive os do MP.
A biografia do Pedro Barusco será espetacular. Saberemos como um gerente de terceiro escalão da Petrobras atuou como único ladrão avulso da estatal durante o governo do PSDB.
Se a Polícia Federal, o MP e a Justiça não conseguirem esclarecer como ele agiu sozinho, por cinco anos, ficaremos na dependência da biografia para saber como acumulou a fortuna de US$ 97 milhões. O título: Barusco, o laranja sem dono.
Por Moisés Mendes/Colunista ZH em 12/06/2015