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Caio Fernando Abreu: Nos Jardins da Posteridade
Caio Fernando Abreu: Nos Jardins da Posteridade

NOS JARDINS DA POSTERIDADE

 

CAIO FERNANDO ABREU, QUE MORREU HÁ EXATOS 20 ANOS, DEDICOU-SE NOS ÚLTIMOS MOMENTOS DE SUA VIDA A PROJETOS QUE AJUDARAM A CONSAGRÁ-LO COMO UMA DAS MAIORES VOZES DE SUA GERAÇÃO.

 

As mãos acostumadas a digitar na velha Olivetti Lettera e a segurar cigarros acesos por horas em noites boêmias descobriram um novo tipo de carinho pouco antes de perderem as forças.  No jardim de uma casa do Menino Deus, em Porto Alegre, Caio Fernando Abreu cavoucava com paciência a terra e desgalhava roseiras para que crescessem com força e desabrochassem de forma cada vez mais exuberante.  Quem via as plantas ganharem cor e viço não poderia imaginar que seu jardineiro passava por um processo inverso, recolhendo-se cada vez mais, debilitado pela doença que o mataria.

 

Natural de Santiago do Boqueirão, Caio voltou a morar na Capital menos de dois anos antes de sua morte, que completa 20 anos nesta quinta-feira.  Quando se recolheu na casa da família, o autor de MORANGOS MOFADOS (1982) já era reconhecido como um dos grandes nomes da literatura brasileira, ganhador de importantes prêmios literários e alçado como a voz de uma geração insatisfeita com as restrições de liberdade dos anos 1970 e que procurava a transcendência no sexo, nas drogas e em diferentes tradições místicas.  Além disso, era um cronista com milhares de leitores.  Foi em um de seus textos no jornal O Estado de S. Paulo que Caio revelou estar com Aids, em setembro de 1994.  Não se tratava de um lamento, ao contrário, os amigos asseguram que o escritor jamais teve uma visão tão positiva da vida.

- Foi um momento em que ele começou a amar muito a vida, não queria perder nem mais um minuto – avalia Paula Dip, jornalista que manteve amizade com Caio por 20 anos.

  

A urgência descrita por Paula também foi canalizada para a literatura.  Caio deixou narrativas e planos interrompidos pela sua morte, que chegou aos 47 anos.  Muitos de seus sonhos, no entanto, foram ou estão sendo concretizados por seus amigos.  Paula avalia que seu trabalho de compilar a correspondência do autor, iniciado em PARA SEMPRE TEU, CAIO F. (2009), livro também composto por memórias, é uma maneira de dar forma a um desejo do escritor.

- Ele sabia da qualidade literária das cartas que escrevia, e também demonstrava saber a importância que elas teriam se fossem publicadas no futuro.  Ele me dizia:  “As minhas cartas são minha herança para você” – conta Paula.

 

O livro de Paula Dip também inspirou um documentário com mesmo nome, lançado em 2014, com direção de Candé Salles.  Um ano antes, a vida de Caio foi também tema de SOBRE SETE ONDAS VERDES ESPUMANTES (2013), de Bruno Polidoro e Cacá Nazario.  Além disso, a obra do escritor já deu origem a diferentes adaptações cinematográficas.

 

Paula prepara agora um novo livro, com correspondências inéditas de Caio para a poeta Hilda Hilst (1930-2007) entre 1969 e 1990.

 

Um projeto ao qual o autor, que já havia morado na Europa nos anos 1970, se dedicou com mais afinco nos últimos anos de vida foi a internacionalização de sua obra.  Mesmo com as dificuldades impostas pela aids, ele não deixou de viajar para apresentar seu trabalho a novos públicos.

- Encontrei o Caio uma vez só, na Feira do Livro de Frankfurt em 1994, na confusão daqueles poucos dias, em que ninguém sabia direito se ele viria ou não, devido à doença.  Minha relação com ele foi principalmente por carta e, desde a primeira, ele foi bastante íntimo comigo, como se a gente se conhecesse há anos, contando angústias, desejos, pedindo conselhos e falando em planos (“Quero conhecer a Grécia, reescrever o mito do Ícaro”, escreveu) que infelizmente nunca se tornaram realidade – conta por e-mail o italiano Bruno Persico, responsável por verter a obra do escritor para seu idioma.

  

Quando Caio morreu, já havia oito edições de sua obra circulando em países como França, Estados Unidos, Itália, Alemanha e Holanda.  Bom jardineiro, até hoje colhe flores da semente plantada há mais de 20 anos.  Atualmente, há pelo menos 16 traduções publicadas e mais dois lançamentos internacionais previstos para este ano: o já clássico MORANGOS MOFADOS sairá na Croácia, e o infantil AS FRANGAS (1989), na Argentina.

 

Fonte:  ZeroHora/Alexandre Lucchese (alexandre.lucchese@zerohora.com.br) em 25 de fevereiro de 2016.