PAGOS PARA ELOGIAR
Como orelhas, introduções e prefácios servem ao compadrio literário.
Um livro só merece uma introdução, afirmou o poeta americano T.S. Eliot, quando tem qualidade suficiente para dispensar introduções. Essa é uma lição que raros escritores brasileiros absorveram. Longe de serem acessórios dispensáveis a um bom livro, introduções ou orelhas assinadas são com frequência moeda de troca do compadrio literário. O autor do elogio confirma seu prestígio cultural e ainda ganha um troco das editoras. O escritor elogiado recebe um empurrãozinho na carreira. Só perde o leitor ingênuo, que acredita no aval dos medalhões literários. Luis Fernando Veríssimo, um dos escritores brasileiros mais requisitados para prefácios e orelhas, define bem o desafio dessa atividade: “A única arte, ou dificuldade, é escrever algo favorável sobre um trabalho que não entusiasma sem parecer condescendente ou falso. Em geral, isso é feito para ajudar alguém que está começando.”
Como gênero literário, a introdução (ou prólogo, ou prefácio) tem lá sua dignidade. Samuel Johnson, o grande crítico inglês do século XVIII, reuniu uma série de prólogos em um livro que se tornaria clássico, Vidas dos Poetas Ingleses. Já no século passado, o filósofo francês Jean Paul Sartre também se arriscou nessa seara. Seu Saint Genet deveria ser uma introdução às obras do dramaturgo ladrão Jean Genet, mas a proximidade de Sartre extrapolou todas as medidas: com quase 600 páginas, o prefácio virou livro independente. Mais conciso, o argentino Jorge Luis Borges era autor de prólogos primorosos.
A orelha tem menos tradição, até por ser uma invenção mais recente da indústria editorial (no Brasil, disseminou-se a partir dos anos 1940). A praxe é que a orelha não traga a assinatura, mas volta e meia um figurão concede seu nome para esses textinhos. Nos Estados Unidos, Stephen King, o rei do horror barato, encontrou uma vocação paralela escrevendo elogios de orelha para autores menos célebres. No Brasil, Jorge Amado era conhecido pela prodigalidade dos elogios que distribuía em orelhas e prefácios. Hoje, entre os nomes mais costumeiros nesses textos estão Veríssimo, Carlos Heitor Cony, Ruy Castro e Zuenir Ventura. As editoras pagam entre 500 e 1500 reais por uma orelha ou prefácio. A motivação atrás do elogio, porém, não é só financeira: o que interessa é dar aquela força para os amigos. Às vezes, é claro, o feitiço vira contra o feiticeiro: em 1991, Veríssimo assinou a orelha de A Noite dos Cabarés, do jornalista Juremir Machado da Silva, hoje seu inimigo jurado – os dois brigaram depois de Juremir ter questionado, em sua coluna no jornal Zero Hora, a coragem política do pai de Luis Fernando, o escritor Érico Veríssimo, durante a ditadura militar.
Um exemplo extremo de compadrio é a coleção Anjos de Branco, série de livros patrocinada pelo Conselho Federal de Enfermagem para inflar a notoriedade literária da categoria. Os imortais da Academia Brasileira de Letras estão entre os mais estusiasmados participantes. Antonio Olinto e Arnaldo Niskier, não contentes em figurar como autores da série, também já fizeram prefácios e orelhas para os colegas. Carlos Heitor Cony antes de escrever seu livro para a coleção, deu sua inestimável colaboração elogiando as obras de Antonio Olinto e Renato Aragão (ele mesmo: o Didi, de o antigo Os Trapalhões). Em uma crônica publicada há alguns anos, Cony conta que certa vez estava escrevendo um prefácio para o livro de um amigo quando perdeu o texto por causa de um problema no computador. Como o livro era ruim, decidiu que não escreveria mais o prefácio. Um bom vírus teria salvado Cony de algumas páginas constrangedoras. Mais importante, teria poupado o leitor de muita enganação.
Carlos Heitor Cony
Obras que elogiou: A Porta, de Heloísa Seixas, Entre Ossos e a Escrita, de Maitê Proença, A Dor de Cada Um, de Antonio Olinto, Amizade Sem Fim, de Renato Aragão.
“Como admirador do homem Renato Aragão, desejo saudá-lo como escritor, certo estou de que Amizade Sem Fim pode figurar com mérito e dignidade na prateleira nobre da literatura brasileira.”
Luis Fernando Veríssimo
Obras que elogiou: Era uma Vez FH, de Chico Caruso, Figurino – Uma Experiência na Televisão, de Lisette Guerra e Adriana Leite, A Engenhosa Letícia do Pontal, de Carlos Nejar, A Noite dos Cabarés, de Juremir Machado da Silva.
“Juremir reúne na mesma cabeça, e no mesmo estilo, a diligência do repórter, a curiosidade do antropólogo e a acuidade do observador cultural.”
Fonte: Revista Veja/Jerônimo Teixeira