JERONYMO MONTEIRO: o Pai da Ficção Científica Brasileira
A ficção científica no Brasil teve muitos precursores de peso que ajudaram a fundar as bases para a edificação do gênero tupiniquim, mas é na década de 1940 que surgiria o primeiro escritor brasileiro de ficção científica de fato: Jeronymo Monteiro.
De acordo com o escritor, compositor e pesquisador de literatura
fantástica Bráulio Tavares, compilador da primeira bibliografia do gênero no Brasil, o Fantastic, Fantasy and Science Fiction Literature Catalog(Fundação Biblioteca Nacional, RJ, 1992), “foi com Jeronymo Monteiro que começou a existir no Brasil uma ficção científica nos moldes dos EUA. Com ele, a FC brasileira desligou-se do mainstream, ou literatura propriamente dita, e passou a existir como universo literário à parte, obedecendo a regras próprias e dialogando com um público especializado”.
Jeronymo começou a ficar conhecido nos anos 30, depois da publicação do seu romance policial pioneiro O colecionador de mãos (1933). O detetive Dick Peter, criado por ele, protagonizaria outras aventuras reunidas mais tarde nos dez volumes da coleção Aventuras de Dick Peter (1950). Em 1937, Monteiro foi convidado a fazer uma série radiofônica com o personagem na rádio Excelsior. Suas novelas fizeram sucesso, transportando os atônitos ouvintes ao planeta Marte em aventuras à moda de Flash Gordon. O êxito como radialista o levaria a diretor de programação e a produtor de programas da Rádio Cosmo e da Rádio América.
Enveredou inicialmente pelo campo infanto-juvenil, filão que soube tão bem explorar em obras como No país das fadas, O irmão do Diabo – narrativa de Walter Baron, O homem da perna só, A cidade perdida, Viagem ao país do sonho, Corumi, o menino selvagem, O palácio subterrâneo das Antilhas, A ilha do mistério, Os nazis na ilha do mistério, entre outras.
Em A cidade perdida especula sobre uma eventual civilização antiga na região do alto Xingu, retomando o tema e a linha de O irmão do Diabo, (1932), relançado em 73 pelo Clube do Livro com o título de O ouro de Manoa. Esta obra é claramente inspirada nos ingleses Conan Doyle (1859-1930) – não o de Sherlock Holmes, que serviria de modelo para Dick Peter, mas o de O mundo perdido –, H. Rider Haggard (1856-1925), e principalmente Fawcett, o coronel aventureiro desaparecido nas selvas do Mato Grosso em 1925 quando procurava por uma cidade perdida – a própria Atlântida ou o Eldorado.
Curiosamente, apesar de recheado de grandes doses de inventividade e fantasia, A cidade perdida acabou dando uma contribuição legítima à arqueologia e chegou até a servir de referência para muitos pesquisadores. Renato Castelo Branco, por exemplo, cita-o na bibliografia de seu Pré-história brasileira: fatos e lendas (Quatro Artes Ed., SP, 1971), dedicado à memória de… Jeronymo Monteiro.
Em 1947, Monteiro lançaria Três meses no século 81 (Livraria do Globo Editora), no qual uma junta de médiuns reunida pelo jornalista Campos, na capital paulista, torna possível a este empreender uma viagem psíquica-espiritual ao futuro. Campos desperta no corpo de Loi, um humano do século 81. Lá, assiste à invasão e colonização de Marte e descobre que o governo extirpa dos bebês a glândula responsável pelo amor. Revoltado, é cooptado pela resistência para liderar a rebelião e tem apenas três meses para mudar as coisas.Em 1961, pelas Edições GRD (do editor Gumercindo Rocha Dorea), lança Fuga para parte alguma, volume VIII da Antologia Brasileira de Ficção Científica, que marcou a evolução do gênero no país ao reunir pela primeira vez autores brasileiros consagrados como Antonio Olinto, Dinah Silveira de Queiroz, Fausto Cunha, Jeronymo Monteiro, Lúcia Benedetti e Rubens T. Scavone, e estreantes como Clóvis Garcia, André Carneiro e Zora Selja. Fuga para parte alguma desenvolve uma velha ideia usada mais tarde em diversos filmes B: formigas gigantes que se multiplicam de forma incontrolável avançando sobre cidades e matando pessoas. Wells já havia escrito um conto versando sobre uma invasão das formigas que se inicia na Amazônia.
Os visitantes do espaço, de 1963, está para a ufologia tanto quanto A cidade perdida está para a arqueologia. Discos voadores prateados (por fora) e transparentes (por dentro) vindos de Io, o segundo satélite de Júpiter, pousam em Goiás, na fronteira de Mato Grosso. Deles desembarcam repugnantes animais reluzentes em forma de rabanetes repletos de tentáculos, sem olhos, sem boca e sem nariz, que visam somente retirar de nossa atmosfera um pouco de hidrogênio, elemento vital à sua sobrevivência. Os terráqueos reagem, desencadeando uma batalha interplanetária da qual saem fragorosamente derrotados. Nesta novela, Ganimedes e Calixto também eram habitados e juntos formavam uma comunidade que vivia em grande harmonia e prosperidade. Em 1997, a sonda espacial Galileu confirmou o acerto das previsões de Monteiro ao apontar as luas de Júpiter como os locais mais prováveis da existência de vida no Sistema Solar. A sonda detectou nas duas maiores luas, Ganimedes e Calixto, material orgânico composto por carbono, o mesmo em que se baseia a vida na Terra. Também foi detectado a presença de atmosfera e de oceanos sob dezenas de quilômetros de gelo em Calixto, Ganimedes e Europa.
De cunho mais teratológico e nos moldes da literatura gótica de horror é O elo perdido, de 1965, sobre um fenômeno de mutação de um bebê monstro animalizado e grotesco, com cauda e fisionomia semelhante a do pitecantropo.
A última obra, publicada em 1969, um ano após a decretação do AI-5, seria uma coletânea de contos de ficção científica sob o sugestivo título de Tangentes da realidade (4 Artes). Em “O Copo de Cristal”, escrito em maio de 1964, Monteiro sub-repticiamente relata, sem esconder a indignação e revolta, o triste episódio de sua prisão pelas forças repressivas ocorrido pouco mais de um mês antes, na noite de 31 de março, horas depois de os militares terem tomado o poder. A experiência da prisão serve de coadjutor à história do artefato que permite a visão do passado e/ou do futuro – visto anteriormente em romances como O presidente negro, de Monteiro Lobato, e Viagem à aurora do mundo, de Érico Veríssimo – e entremeados à descrição, em tom intimista, dos detalhes da infância difícil, bem como da vida familiar simples e pacata ao lado da esposa Carmen (aqui chamada de Car) em Mongaguá. Tudo disfarçadamente fazendo parte de uma inocente ficção científica, típica da época, assombrada pelo pesadelo de iminente guerra nuclear.
Além de escrever os seus livros, Monteiro promovia o gênero apoiando outros escritores em sua coluna dominical Admirável mundo novo, no jornal A Tribuna, de Santos, e em 1965 criou a primeira Associação de FC do país, que reunia nomes como André Carneiro, Rubens Teixeira Scavone, Clóvis Garcia, Vladir Nader e Antonio Olinto. Na editora Globo, dirigiu a revista Magazine de ficção científica, iniciada em 1970, trazendo histórias primeiro publicadas em The magazine of fantasy & science fiction e um conto nacional por número, em contraste e dando um passo adiante a títulos como Galáxia 2000 e Cine-Lar Fantastic, que apenas traduziam contos. Muitos nomes da geração GRD apareceram ao lado de alguns novatos. A revista chegou ao seu vigésimo número em novembro de 1971, quando fechou as portas por falta de resposta comercial e pela morte de Monteiro.
Até o fim de sua vida sempre procurou, mais do que simplesmente divulgar, “profissionalizar” a ficção científica, e fez isso em todas as oportunidades que se abriam e que conquistava pelo prestígio alcançado com o brilhante exercício da carreira jornalística. Muitos de seus contos (alguns de FC) foram publicados nas revistas O Cruzeiro, Fonfon, A Cigarra, Eu Sei Tudo, Lady, Globo e Vida Doméstica. Foi diretor da Gazeta Juvenil e das revistas infantis Disney, da Editora Abril, e também repórter da Assembléia Legislativa. Trabalhou para os Diários, fez parte do jornal Última Hora e a partir de 1957 passou a assinar na Folha de S. Paulo a coluna de variedades Panorama, no caderno Ilustrada, continuada após sua morte por sua filha Therezinha Monteiro Deutsch.
Entre 1961 e 1969 morou em Mongaguá, local que traria as maiores alegrias e tristezas de sua vida. Em meados de 1969 morava em São Paulo e em Mongaguá, de maneira alternada. Em 6 de março de 1970 adoeceu, passando daí por diante os dias de cama, em casa ou em hospitais. Faleceu em 1º de junho, vítima de um aneurisma na aorta.
Artigo de Cláudio Tsuyoshi Suenaga
Fonte: http://www.claudiosuenaga.com.br/eronymo-monteiro-o-pai-da-ficcao-cientifica-brasileira/