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Livros de Colorir e Religião, os mais Vendidos
Livros de Colorir e Religião, os mais Vendidos

LIVROS DE COLORIR, RELIGIÃO E POUCA LITERATURA: O QUE EXPLICA A LISTA DE OBRAS MAIS VENDIDAS NO BRASIL?

Professores e profissionais do mercado editorial identificam busca do público por desaceleração em um mundo frenético

 

A lista dos 10 livros mais vendidos do Brasil em 2025 divulgada pelo site especializado PublishNews (consultada em 21 de maio) traz apenas uma obra de literatura de não ficção: Ainda Estou Aqui, de Marcelo Rubens Paiva. Os demais integrantes do ranking são três livros de colorir, dois devocionais, dois de negócios, um de autoajuda e um voltado para o público infantojuvenil (veja a lista completa ao final).

No topo do ranking está o livro de colorir Do Dia para a Noite, da ilustradora e designer norte-americana Abbie Goveia, que tem outros dois títulos da série de obras Bobbie Goods entre os quatro mais vendidos, todos publicados pela HarperCollins (leia abaixo como a editora interpreta esse panorama).

Zero Hora ouviu especialistas em literatura e mercado editorial para entender se a configuração da lista representa um recorte momentâneo ou se os leitores estão de fato lendo menos literatura narrativa.

Conforme os entrevistados, o cenário atual ainda reflete o impacto do confinamento das pessoas durante a pandemia de covid-19 e um processo de desaceleração em oposição à velocidade das mudanças no mundo atual e da instantaneidade das redes sociais.

 

LIVROS DE COLORIR COMO TERAPIA

O presidente da Câmara Rio-grandense do Livro, Maximiliano Ledur, afirma que a procura por livros de autoajuda já é uma tendência há alguns anos. Portanto, o fato de o gênero figurar em relações do tipo não é surpresa.

— As pessoas estão buscando nos livros alternativas para essa evolução humana que está cada vez mais rápida. Sempre digo que o livro é a base para tudo — observa, destacando que a linguagem usada na maioria dessas obras é mais acessível.

Em relação à ascensão dos livros de colorir, Ledur menciona o que tem sido repetido por médicos e terapeutas:

— O livro de colorir serve como auxílio nas terapias para diminuir a ansiedade e ajuda em vários fatores terapêuticos. Então, reflete essas mudanças.

Para Ledur, a busca por esse tipo de leitura acelerou-se na pandemia de covid-19. Naquele momento, não era recomendada a interação social. Ou seja, as pessoas ficaram mais recolhidas e obtiveram ajuda para suas angústias por meio dos livros.

 

“O livro de colorir serve como auxílio nas terapias para diminuir a ansiedade e ajuda em vários fatores terapêuticos”

MAXIMILIANO LEDUR/Presidente da Câmara Rio-grandense do Livro

— Muita gente perdeu emprego e família. Sem poder falar com os outros, as pessoas foram buscar ajuda por meio dessa literatura — diz. — Lógico que existe literatura ruim em todas as partes. Tem autoajuda que é charlatanismo. Mas se olharmos os mais vendidos e as avaliações dos leitores, esses livros têm notas máximas. E, às vezes, os autores são excelentes. Tem coisa boa ali.  

 

CONCORRÊNCIA DAS TELAS

A professora de Literatura e Língua Portuguesa Caroline Becker, do Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), ressalva:

— Comprar livros não quer dizer ler livros. Temos a pesquisa Retratos da Leitura do Brasil, do Instituto Pró-Livro, que observou que houve uma diminuição de leitores (perda de 6,7 milhões de leitores entre 2019 e 2024). 

 

A professora explica que a circulação dos bens culturais e como eles aparecem nas redes sociais influencia o que vamos consumir:

— A lista do PublishNews tem alguns livros com a questão de pintar, o que tem relação com a arte em alguma medida. Mas isso não é leitura literária. E conta com outro livro que teve adaptação concorrendo ao Oscar (Ainda Estou Aqui). A verdade é que a literatura, enquanto narrativa, está aparecendo pouco nesta lista e é um indicativo de como nos relacionamos com a ficção. 

 

“Temos consumido mais streamings, séries e filmes. E efetivamente o que mais fazemos é ficar no celular”

CAROLINE BECKER/Professora de Literatura e Língua Portuguesa do Colégio de Aplicação da UFRGS

 

A professora enumera as opções de consumo que assumiram o espaço que os livros ocupavam na vida das pessoas antes do avanço tecnológico:

— Se lemos menos literatura, temos que pensar dentro da história de leitura que bens consumimos culturalmente. Temos consumido mais streamings, séries e filmes. E efetivamente o que mais fazemos é ficar no celular

 

RELIGIOSIDADE VOLTADA À PROSPERIDADE

O professor de Literatura da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) Arthur Beltrão Telló ressalta que a crise da narrativa de  ficção não é tão nova.

— O Shalamov (Varlam Shalamov, escritor e jornalista russo, 1907-1982) tem um ensaio em que escreve que os leitores do começo do século 20 mediam suas próprias trajetórias de vida a partir dos livros. Só que após duas guerras mundiais e a situação da Guerra Fria, segundo ele, parece que os leitores precisam de uma referência ancorada no plano da realidade para poder mediar subjetivamente suas experiências como seres humanos e as trajetórias possíveis nesse mundo complicado. Talvez a fantasia e a imaginação tenham perdido seu espaço — analisa. 

 

“Vivemos em uma cultura que tem, além da espiritualidade e da religiosidade, esse tipo de religiosidade voltada para a prosperidade”

ARTHUR BELTRÃO TELLÓ/Professor de Literatura da PUCRS

 

Questionado sobre as obras da lista de mais vendidos, o professor observa:

— Vivemos em uma cultura que tem, além da espiritualidade e da religiosidade, esse tipo de religiosidade voltada à prosperidade.

Para o professor, Ainda Estou Aqui é a única obra da relação que pode ser considerada literatura:

— Embora o livro do Marcelo Rubens Paiva seja de literatura, pela riqueza literária e pela forma como ele escreve, é um livro ancorado em experiências pessoais dele. É como se fosse uma autobiografia.

 

TENDÊNCIA DURADOURA

Conforme a diretora de Marketing e Vendas da HarperCollins Brasil, Daniela Kfuri, o crescimento da procura por livros de colorir reflete "a busca por alternativas às telas, por momentos de relaxamento e por formas de expressão criativa".  

— Mais do que uma moda passageira, esse interesse está alinhado ao desejo do mundo atual de desacelerar, cuidar mais da saúde mental e se reconectar com atividades significativas — reflete.

 

Dois títulos da série Bobbie Goods (Dias Quentes e Do Dia para a Noite) venderam mais de 1 milhão de exemplares em poucos meses, segundo a editora, que já publicou quatro livros de Abbie Goveia.

— Acreditamos que estamos diante de uma tendência duradoura, que deve continuar a se expandir e a conquistar novos públicos — conclui Daniela.

 

“Mais do que uma moda passageira, esse interesse (por livros de colorir) está alinhado ao desejo do mundo atual de desacelerar, cuidar mais da saúde mental e se reconectar com atividades significativas”

DANIELA KFURI/Diretora de Marketing e Vendas da HarperCollins Brasil

 

DEZ LIVROS MAIS VENDIDOS NO BRASIL EM 2025 (ATÉ 21 DE MAIO)

Veja o ranking do site PublishNews com o número de exemplares comercializados:

  1. Do Dia para a Noite (Day to Night), de Bobbie Goods (HarperCollins) — 140.698
  2. Café com Deus Pai 2025, de Junior Rostirola (Vélos) — 125.610
  3. Dias Quentes (Spring Summer), de Bobbie Goods (HarperCollins) — 102.827
  4. Isso e Aquilo (This & That), de Bobbie Goods (HarperCollins) — 51.810
  5. Elo Monsters Books: Flow Pack, de Enaldinho (Pixel) — 51.661
  6. Nunca Jogue uma Ideia Fora, de Sauana Alves (Gente) — 38.019
  7. O poder da Autorresponsabilidade, de Paulo Vieira (Gente) — 29.173
  8. Café com Jesus, de Vinícius Iracet (Citadel) — 27.494
  9. Ainda Estou Aqui, de Marcelo Rubens Paiva (Alfaguara) — 26.146
  • Mais Esperto que o Diabo, de Napoleon Hill (Citadel) — 25.780

 

Fonte:  Zero Hora/André Malinoski em 22/05/2025