LEIA MULHERES
Iniciativas estimulam a formação e a valorização de escritoras.
Pare e lembre: quantos livros escritos por mulheres você leu recentemente? Embora o número de leitoras seja maior se comparado ao de leitores – 59% da ala feminina tem hábito de leitura frequente, contra 52% dos homens, segundo a Pesquisa Retratos da Leitura no Brasil de 2015 –, o que se vê nas prateleiras é justamente o contrário. A diferença de representatividade de gênero no mercado editorial foi apontada na prática: em um estudo conduzido pela professora da Universidade de Brasília (UnB) Regina Dalcastagnè, dos livros publicados pelas três principais editoras do país entre 1990 e 2004, 72% são de autoria de homens. Vai além: quando se fala de personagens femininas, o que se vê sã mulheres brancas no papel de donas de casa, enquanto as negras aparecem como empregadas domésticas e prostitutas.
Para tentar driblar o descompasso e, principalmente, estimular o consumo (e a publicação) de literatura escrita por mulheres, a escritora britânica Joanna Walsh criou, em 2013, o projeto #ReadWomen. Inspiradas pela iniciativa, Juliana Gomes, Juliana Leuenroth e Michelle Henriques lançaram uma versão brasileira em espécie de clube do livro, o Leia Mulheres (www.leiamulheres.com.br) propõe a leitura e o debate de uma obra diferente a cada mês – sempre assinadas por alguém do sexo feminino.
- Quando conheci o projeto (da Joanna, Read Women), pensei: É verdade, sou feminista, mas quase não leio mulheres, é um absurdo” – conta Michelle em entrevista à revista Donna.
É justamente esse estalo ao deparar com os números que demonstram a falta de representatividade feminina na literatura que faz com que o Leia Mulheres ganhe força. Ainda que seja dedicado a divulgar e incentivar o trabalho de escritoras, o que se nota é uma presença constate e cada vez maior de homens nos encontros. Michelle relembra a surpresa de um dos frequentadores ao descobrir livros de fantasia publicados por mulheres, por exemplo. Ela levanta um ponto também mencionado por Joanna Walsh à época da criação do #ReadWomen: o uso da expressão “literatura feminina” para designar (quase) toda produção literária com o nome de uma mulher na capa.
- Colocam tudo no mesmo balaio com esse maldito termo “literatura feminina”. O que não se percebe é que são mulheres escrevendo dentro do seu gênero – argumenta Michelle.
VERSÃO ESTADUAL
Quando soube da iniciativa das paulistanas, Clarissa Xavier não pensou duas vezes: precisava reunir, aqui em Porto Alegre, seu próprio grupo para ler e pensar sobre a literatura produzida por elas. A urgência ficou ainda mais evidente quando analisou os próprios hábitos de leitura: até ficar sabendo do Leia Mulheres em junho de 2015, deu-se conta de que só havia lido obras de autores homens até então naquele ano.
- Além de fomentar a leitura de mulheres, m eu objetivo era pensar por que há pouca representatividade e tentar reverter essa situação – explica. – Agora, me esforço para ler pelo menos uma obra de mulher por mês. Não é que eu tenha deixado de admirá-los, só abri meus olhos para as mulheres.
Depois de conversar com outras gurias em grupos feministas no Facebook, constatou que a ideia poderia ter apelo por aqui também e marcou a primeira reunião para agosto de 2015. Naquele primeiro encontro, cinco pessoas apareceram na Casa de Cultura Mario Quintana para falar sobre A descoberta do mundo, de Clarice Lispector. Dez meses depois, em maio de 2016, foram mais de 70 pessoas interessadas em discutir Como conversar com um fascista, de Marcia Tiburi. O próximo encontro foi em 24 de setembro, onde o Leia Mulheres debateu Pornô Chic, de Hilda Hilst.
- Mas o meu sonho é que não haja a necessidade do Leia Mulheres – conta. – Quero que a equidade se torne a regra e que possamos ler sem haver a preocupação com o gênero, pois haverá um equilíbrio nos autores publicados.
PARA LER
A pedido de Donna, o Leia Mulheres nacional elaborou uma lista com cinco sugestões de obras escritas por mulheres para conhecer. Confira a seguir, com os comentários de Michelle Henriques:
<> FRANKENSTEIN, de MARY SHELLEY
“Esta obra pode ser considerada a inaugural da ficção científica, e é responsável por um fenômeno cultural.”
<> AMERICANAH, de CHIMAMANDA NGOZI ADICHIE
“A autora nigeriana ficou conhecida por suas ótimas palestras. Em Americanah, ela discorre sobre imigração, cultura africana, racismo e feminismo.”
<> NADA A DIZER de ELVIRA VIGNA
“Elvira Vigna é uma ótima representante da literatura brasileira contemporânea.
<> O MORRO DOS VENTOS UIVANTES, de EMILY BRONTË
“Clássico da literatura mundial, ótimo romance gótico.
<> A AMIGA GENIAL, de ELENA FERRANTE
A autora italiana é um mistério, não dá entrevistas e nunca apareceu em público, mas é dona de uma das melhores narrativas da literatura atual.
Fonte: Revista Donna ZH/Thamires Tancredi em 04/09/2016