PEDRO PACÍFICO, O BOOKSTER, CONTA COMO CONQUISTOU 600 MIL SEGUIDORES FALANDO SOBRE LIVROS
Criador de conteúdo fala sobre como perder o medo de ler, como enfrenta o preconceito e o que faz com os 300 livros que recebe por mês
Pedro Pacífico, 32 anos, mais conhecido como Bookster, conseguiu um feito raro: conquistar mais de 600 mil seguidores no Instagram falando sobre livros em um país onde 53% das pessoas não leem, segundo a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil. No YouTube, seus vídeos somam mais de 1,2 milhão de visualizações desde 2019.
Hoje, é um dos maiores influenciadores especializados em literatura do país, falando sobre autores e obras de forma descomplicada. Sua missão é mostrar que todos podem ser leitores. Ele mesmo não tem formação na área: é advogado, atualmente em período sabático do escritório do qual é sócio.
Em 2023, publicou seu primeiro livro, Trinta Segundos sem Pensar no Medo (Intrínseca), relato autobiográfico em que compartilha experiências de leitura. Agora, prepara sua estreia na ficção. Em paralelo, conduz o clube do livro Bookster pelo Mundo, parceria com a TAG Livros.
Nesta entrevista a Zero Hora, Pacífico fala sobre como se disciplinar para ler em meio às distrações tecnológicas, como foi o processo de se assumir homossexual — tema de sua primeira obra — e o que faz com os 300 livros que recebe por mês de editoras e autores independentes.
O que há de diferente no seu jeito de falar sobre livros que conquistou mais de 600 mil seguidores no Instagram em um país marcado por baixos índices de leitura?
Uma premissa do meu trabalho nas redes sociais é falar como se as pessoas não soubessem nada de literatura. O que eu preciso é que elas tenham interesse e deem uma chance para o que eu apresento.
Em primeiro lugar, as pessoas não têm obrigação de saber sobre livros e, em segundo, não deparam com essas informações no dia a dia. Falo da forma mais básica e acessível possível para evitar que alguém chegue ao meu perfil e pense: "Ler não é para mim".
Por muitos anos, eu não sabia a diferença entre Dostoiévski e Tolstói. Só sabia que eram dois autores russos. Fui aprendendo aos poucos.
Quem tem intimidade com a leitura integra uma bolha minúscula. Quero falar para esse público também, mas o que mais quero é falar para quem não tem contato com livros.
Que tipos de relatos você mais recebe dos seus seguidores?
Um relato que adoro ouvir é de pessoas que nunca foram grandes leitoras e se encontraram na leitura. São pessoas de 40, 50 ou 60 anos que nunca haviam lido mais de cinco livros na vida e, em um ano, leem 10. É muito comum as pessoas não saberem o que ler porque não têm referências ou porque têm preconceitos: acham que um clássico é difícil de ler. Também acontece de a pessoa achar que não gosta porque leu o que estava na lista dos mais vendidos e não gostou.
O que tento mostrar é que o que está na lista dos mais vendidos está lá por alguns motivos, muitos deles comerciais, e para refletir o que nossa sociedade está buscando hoje, que são respostas imediatas para seus problemas. Esses livros têm pontos superlegais, mas se você ficar lendo um atrás do outro, vai perceber que não vão resolver seus problemas de forma mágica.
Recebo relatos de pessoas que vêm se desafiando e descobrindo coisas novas. Talvez já fossem leitoras, mas ficavam muito no que estava mais em destaque. Por isso, tento trazer livros dos mais diversos autores. Criei um clube do livro (Bookster pelo Mundo, em parceria com a TAG Livros) justamente para destacar autores e autoras dos mais diferentes países e que muitas vezes sequer haviam sido publicados no Brasil.
“Uma premissa do meu trabalho nas redes sociais é falar como se as pessoas não soubessem nada de literatura. O que eu preciso é que elas tenham interesse e deem uma chance para o que eu apresento “.
Pedro Pacífico, o bookster/Influenciador
Quando se fala no esforço para ler mais, é impossível não citar os celulares, que sugam muitas horas de atenção das pessoas por dia. Como manter o foco nos livros sem se distrair com as redes sociais?
Estamos começando a ficar dependentes desse tipo de conteúdo que nos deixa o tempo todo estimulados. Como vou convencer uma pessoa a sair da rede social para ler um livro de 400 páginas que vai ter momentos parados? É uma competição injusta. Se isso vale para a minha geração e para a geração que está acima de mim, imagina as novas gerações, como meus sobrinhos de cinco, seis, sete, oito anos, que já nasceram nesse contexto.
Como vou falar que um livro é mais legal? Ainda falta uma resposta. Também estou adoecido com isso. Outro dia, fui ler um pouquinho antes de dormir e, quando vi, estava há duas horas vendo vídeo de dinossauros nas redes sociais, e eu não gosto de dinossauros.
Sair disso é um desafio coletivo. Assim como precisamos nos esforçar para ir à academia e comer de forma saudável, precisamos ter essa higiene virtual. Digo para as pessoas: "Tente deixar o celular longe antes de se deitar".
A pesquisa Retratos da Leitura 2024 mostrou que a falta de tempo é o principal motivo alegado pelos entrevistados para não lerem. O que pensa disso?
Ouvimos muito a justificativa de que o livro é caro. Esse é um problema importante, mas outro problema muito grande é essa questão do tempo. Na minha opinião, muita gente diz que falta tempo para ler porque não tem coragem de dizer que não gosta.
Você não precisa ler uma hora por dia. Pode ler por cinco ou 10 minutos. Lógico que deve ter gente que realmente não tem 10 minutos no dia, mas tenho certeza de que uma parcela majoritária de quem deu essa resposta na pesquisa não está realmente com falta de tempo.
Durante a pandemia, muita gente ganhou no mínimo meia hora por dia com o tempo que antes era ocupado pelos deslocamentos e não começou a ler mais. Se não é falta de tempo, é o quê? Falta de interesse, falta de intimidade com a leitura, a distração das redes sociais.
Em 2023, você publicou o livro Trinta Segundos sem Pensar no Medo, em que entrelaça aspectos da sua vida, incluindo o processo de se assumir como homossexual, e relatos de livros que o marcaram. Passados dois anos, como você avalia a experiência de passar da posição de leitor para a de autor?
Foi uma experiência desafiadora. Aos poucos, fui entendendo que não estava lá para me comparar com ninguém. Tentei me encontrar no meu texto e conseguir, de alguma forma, tocar o leitor.
Recebo muitas mensagens de pessoas que, em algum momento da vida, não se sentiram pertencendo a um padrão e se viram tendo que se esforçar para se encaixar. São relatos de homens gays e mulheres lésbicas, mas também de pessoas com as mais diversas questões que dizem sentir que eu estava contando a vida delas.
Essa identificação talvez seja o principal poder da literatura. Você sente que não está sozinho e entende que alguém já viveu aquilo. No livro, falo de ataque de pânico, angústia, luto, sexualidade, não aceitação. Muitos pais e mães que leram meu livro dizem que pela primeira vez entenderam o que seu filho sofreu.
“Como vou convencer uma pessoa a sair da rede social para ler um livro de 400 páginas que vai ter momentos parados? É uma competição injusta”.
Pedro Pacífico, o bookster/Influenciador
Você menciona no livro que, quando revelou no Instagram a sua homossexualidade, perdeu 5 mil seguidores. Ainda hoje enfrenta preconceito?
É algo mais velado. Quando eu estava namorando, postava às vezes uma foto mais carinhosa e sentia que perdia um pouco mais de seguidores do que o padrão.
A vez que eu senti mais foi quando fiz uma parceria com uma marca para um vídeo sobre o Mês do Orgulho LGBTQIA. A marca impulsionou esse vídeo, que chegou a 10 milhões de pessoas e furou a bolha. Veio uma enxurrada de comentários horrorosos, centenas, milhares. Tanto que a marca teve que desativar os comentários.
A gente, que fala em livros, que gosta de diversidade, é uma bolha. Um país do tamanho do Brasil tem várias realidades.
Você menciona no livro que durante muito tempo a questão da identidade o deixou inseguro para tomar algumas decisões. Mas hoje você é uma das pessoas mais respeitadas no meio dos livros. Como sentiu essa transição da sensação de insegurança para a posição de influência?
É difícil porque, querendo ou não, tem uma consequência. Se eu falar mal de um livro, pode fazer com que as pessoas não o leiam. Mas não faço críticas literárias como um acadêmico. Sou um leitor falando de um livro. Sempre digo: "Se eu não gostei, não quer dizer que você não vá gostar".
Também incentivo as pessoas a não terem medo de falarem que não gostaram de um livro, desde que seja sempre com respeito, entendendo que você está falando da sua experiência, e não da obra em si. Portanto, não critique quem gostou de um livro do qual você não gostou. Não existe livro de que todo mundo gosta. Já postei centenas de resenhas, e nenhuma é unânime.
“Na minha opinião, muita gente diz que falta tempo para ler porque não tem coragem de dizer que não gosta.”
Pedro Pacífico, o bookster/Influenciador
Você acha que o discurso sobre a literatura que vem dos acadêmicos e dos críticos literários que publicam em veículos de grande circulação muitas vezes é hermético demais e acaba afastando leitores?
Acho que é um trabalho que tem uma importância muito grande e tem seu público. Alguns críticos escrevem de forma mais acessível; outros, de forma mais complexa e técnica. Não há uma competição entre o trabalho de um jornalista e o de um influenciador, eles se complementam. No início, eu sentia uma ressalva (dos especialistas em relação ao trabalho dos influenciadores), mas são trabalhos diferentes.
É importante o mercado editorial entender isso. Tem muito ego nesse mercado e as pessoas ficam competindo, mas é um mercado muito pequeno. Se elas não entenderem que têm que se unir e trabalhar juntas para trazer mais leitores, vão ficar nesse conflito que não leva a lugar nenhum.
Digo isso porque venho de fora desse mercado. Nunca tinha ouvido falar de muita coisa, e as pessoas vinham com aquele tipo de opinião que eu tento não ter: "Como você não conhece isso? Como não estava lá? Como não leu aquilo?” Tomo muito cuidado para não cair nisso.
Já teve casos de críticos literários ou acadêmicos que você sentiu que torceram o nariz para o seu trabalho ou dos influenciadores de livros em geral?
Ah, sim, sobretudo no começo. Já teve polêmica de quererem me expor, de dizerem que os influenciadores cobram para fazer resenhas. Quero esclarecer que, quando o conteúdo é publicitário, está sinalizado.
Quando os influenciadores de livros começaram a crescer, teve mais (preconceito). As próprias editoras tinham muita relutância. A Intrínseca, que é a minha editora, foi uma das primeiras a fazer mais parceria com influenciadores. Muitas demoraram. Hoje, acho que não tem nenhuma que não faça.
Ainda tem gente nesse mundo intelectual que diz: "Esse cara não sabe o que está falando”. Mas volto a dizer: não é uma competição. Não estou falando do ponto de vista de um jornalista nem de um crítico, sou só um leitor. Se você está buscando uma análise profunda da obra, tem gente que faz esse trabalho de forma muito bem-feita.
“Você não precisa ler uma hora por dia. Pode ler por cinco ou 10 minutos.”
Pedro Pacífico, o bookster/Influenciador
Quantos livros você recebe por dia?
Muitos. São cerca de 10 livros por dia enviados por editoras e autores independentes. É delicado porque, infelizmente, não vou ter tempo para ler tudo. São 300 livros por mês, mas leio quatro por mês. Essa conta nunca vai fechar. Lógico que quero receber um presente de um autor independente, mas às vezes a pessoa fica triste porque eu não li.
Não dá para postar tudo o que recebo, senão meu Stories (do Instagram) vai ser só de livro recebido. Na minha casa também não cabe, então faço muitas doações. A relação com as editoras, hoje em dia, é muito boa.
Como funciona a divisão dos seus conteúdos? Uma parte é espontânea e outra parte é de parcerias comerciais?
A maioria disparada é espontânea. Quando faço parcerias, as editoras querem que eu mesmo escolha o livro. É mais uma forma de ela assegurar que vou ler um título dela do que uma imposição de uma resenha de um livro determinado. As editoras com as quais eu trabalho dão muita liberdade. Elas sabem que, se meu público perceber que eu não queria ler aquilo, não vai se conectar.
Se a editora quiser que eu divulgue um livro específico, pode me sugerir um lançamento que ache que faça sentido comigo. Aí não é resenha. Eu posso divulgar dizendo que não li, mas que fala sobre tal assunto. Quando é resenha, é um conteúdo pensado em conjunto.
Também pensamos em conjunto quando a publicidade é para outras marcas (fora do mercado editorial). O que mais valorizo no meu trabalho é a credibilidade, e não vou perdê-la por causa de um publi (conteúdo publicitário). Isso, para mim, é inegociável.
“No meu entendimento, o futuro vai continuar um pouco como está. Vai ter uma parcela que vai se adequar ao e-book, mas a maioria não vai abrir mão da experiência do papel.”
Pedro Pacífico, o bookster/Influenciador
Quanto você faz de publicidade não relacionada a livros?
Oitenta e cinco por cento das minhas publicidades não são relacionadas a livros. São de marcas dos mais diferentes ramos que você possa imaginar que querem se associar a mim. Eu crio um conteúdo legal e a marca patrocina.
Na sua opinião, qual será o futuro do livro em termos de formato? Acha que os e-books e audiolivros vão crescer? Hoje, ainda são menos consumidos do que os livros físicos.
Quando os e-books surgiram, as pessoas falaram que era o fim dos livros físicos. Teve gente que se deu muito bem com o novo formato, mas muita gente não abre mão do livro físico. No meu entendimento, o futuro vai continuar um pouco como está. Vai ter uma parcela que vai se adequar ao e-book, mas a maioria não vai abrir mão da experiência do papel. Porque envolve uma experiência mesmo, de você ir a uma livraria, folhear, olhar uma capa, comprar e fazer uma marcação à mão.
De vez em quando, eu leio e-book. Já o audiolivro está crescendo devagarinho. Se trouxer novos leitores, que ótimo, mas não acho que vão substituir o livro físico.
“Muito devagarinho, estou escrevendo meu próximo livro, no qual vou para a área de ficção.”
Pedro Pacífico, o bookster/Influenciador
Você lê livros em papel?
Sim, é 90% do que leio.
Com todas as suas atividades como influenciador, você ainda trabalha como advogado?
Ainda sou sócio de um escritório, mas em dezembro cheguei a um limite. Pensei: "Vou colapsar aqui". Conversei com o pessoal, e eles me deram um ano sabático para eu me reestruturar, entender como conciliar tudo isso. Estou neste ano sabático.
Tem algum novo projeto em vista?
Muito devagarinho, estou escrevendo meu próximo livro, no qual vou para a área de ficção. Fechei com a Intrínseca de novo.
Pode adiantar mais alguma informação sobre o livro ou é segredo?
É segredo (risos).
Fonte: Zero Hora/ Fábio Prikladnicki em 13/06/2025