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A Libertação pelos Livros — Leitura nos Presídios
A Libertação pelos Livros — Leitura nos Presídios

A LIBERTAÇÃO PELOS LIVROS

 

Redução de pena pela leitura ainda engatinha no Estado. Onde já está regulamentada, diminuiu o índice de retorno de presos às cadeias de 60% para 20%.

 

Na sala de leitura da Penitenciária de Canoas 1, a expectativa de mudança na conduta faz com que um preso provisório, de 26 anos, agarre-se a uma obra de Sigmund Freud.

 

Outro viaja com o clássico DOM QUIXOTE, do espanhol Miguel de Cervantes. Um detento de 41 anos, que ainda aguarda julgamento, devora as páginas de A LEI DA ATRAÇÃO, O SEGREDO COLOCADO EM PRÁTICA, do canadense Michael Losier. Livo de autoajuda são os seus favoritos, embora não abram mão de outros gêneros, como ficção. Há espaço também para a filosofia de Platão e a política de Maquiavel.

 

Eles adquiriram o hábito no cárcere, mas, além do lazer, poderiam ainda estar desfrutando do benefício da remição de pena pela leitura. A norma, que possibilita a redução de quatro dias da condenação a cada livro lido, ainda não está regulamentada no Rio Grande do Sul. No Paraná, desde que entrou em vigor, o índice de reincidência entre os que leem caiu para 20%, enquanto entre os demais manteve-se em 60%.

 

De acordo com a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe), o projeto que prevê a remição de pena pela leitura, criado pela procuradora do Estado Roberta Arabiane Siqueira, está em análise na assessoria jurídica do órgão. Embora já tenha ocorrido a regulamentação em 14 Estados, por aqui há divergência que emperra a aprovação: um entendimento de que matérias deste tipo, envolvendo o cumprimento de penas, só podem ser aprovadas pela União.

 

Enquanto o projeto é analisado, o Poder Judiciário encontrou uma maneira de beneficiar quem lê. A Vara de Execuções Criminais de Porto Alegre confere o direito de quatro ias de redução de pena utilizando como parâmetro um livro entre 300 a 400 páginas. De acordo com o juiz Sidinei Brzuska, o cálculo foi estabelecido a partir de um teste com presos lotados na 1ª galeria do Pavilhão E do Presídio Central, que leem, em média, 32 páginas por hora.

 

Com base nessa estimativa, um apenado que leu as 632 páginas de OS SERTÕES, de Euclides da Cunha foi beneficiado com dois dias a menos de condenação.

 

A galeria do Central recebe há seis anos, de forma voluntária, a advogada e jornalista Carmela Grüne com o projeto Direito no Cárcere, para presos em processo de desintoxicação de drogas. Cerca de mil homens já foram atendidos nesse período. No local, além de leitura, eles desenvolvem atividades musicais e grafite.

 

OS QUE PARTICIPAM MUDAM A CONDUTA PERANTE OS DEMAIS

 

Independentemente da remição, a leitura virou hábito entre presos da Penitenciária de Canoas. E outros benefícios são observados tanto por detentos, quanto por profissionais que atuam junto ao sistema prisional.

 

Condenado a nove anos por estupro, um dos mais repudiados pela sociedade, um preso de 43 anos diz acreditar que esteja evoluindo, enquanto ser humano, por meio dos livros.

 

- Quando a gente perde a liberdade, deixa de ser um ser pensante e age muito pela cabeça dos outros. Com a leitura, a gente sai desse mundo enjaulado e passa a ter outra visão. Se liberta e não se deixa mais influenciar pelos outros – filosofa o apenado, que, durante um período, chegou a dedicar oito horas diárias aos livros até decidir voltar aos estudos formais. Agora lê, em média, duas horas por dia.

 

Psicóloga da Susepe com atuação na Penitenciária de Canoas 1, Rita Leonardi observa as mudanças:

 - Os que leem mudam para melhor até a forma de se comportar perante os demais, os servidores, enfim, a conduta muda diante dos outros.

 

Professora de português lotada na Escola Nelson Mandela, dentro da penitenciária, Cássia Pavan concorda:

 - Apesar de estarem privados de liberdade, com a leitura, eles se libertam. Libertam a mente. Eles passam, por meio da vida das personagens, a repensar sua vida e sua conduta até aqui – testemunha a professora.

 

Entusiasta do projeto, a diretora da Canoas 1, Emilinha Silva Nazário, afirma que, tão logo ocorra a regulamentação, a remição de pena pela leitura passará a valer na unidade.

 

PARANÁ, O PIONEIRO

 

O Paraná foi o pioneiro no país, em 2012, adotando a medida mediante lei estadual. Com uma população carcerária de 20 mil presos, o Estado envolveu 31 professores de português no projeto e, até aqui, vem obtendo resultados considerados satisfatórios no que diz respeito à ressocialização, comemorando queda na taxa de reincidência dos que aderem ao programa.

 

EM RIO GRANDE, PROJETO TEM 6 MIL OBRAS

 

A obstinação da bibliotecária Catia Lindermann criou um dos maiores acervos prisionais do Estado,na Penitenciária Estadual de Rio Grande, onde ela desenvolve o Projeto Janela Literária. O espaço conta com 6 mil obras. E foi a prisão que a levou para a profissão.

 - Eu trabalhava com outras artes, escultura em espuma. Foi como conheci o cárcere, confeccionando material para uma peça de teatro. Fiquei sabendo que os presos não tiham acesso à leitura, e então resolvi agir – recorda.

 

Catia, que dois anos depois concluiria o curso de Biblioteconomia na Universidade Federal do Rio Grande (Furg), juntou estantes velhas, recolhidas em lixões, e contou com a ajuda de presos, que as restauraram. As obras foram obtidas mediante campanhas de doação. Por fim, conquistou o direito de leitura para os cerca de mil presos.

 

A própria bibliotecária encarrega-se de levar os livros às celas dos presos que não têm acesso à biblioteca. E foi desta forma que ela vivenciou uma das tantas histórias já ocorridas no período em que atua de forma voluntária. Não havia jeito de os presos isolados na cela do seguro aderirem à leitura. Certo dia, um deles aceitou um livro. Como a televisão ficava permanentemente ligada, ele lia em voz alta. Os demais, que inicialmente reclamavam, acabaram aderindo à ideia.

 - Então eles combinaram que todos os dias, às 18h, um deles iria ler um livro para os outros. E batizaram a atividade de oração do livro – conta Catia.

 

TIPOS DE REMIÇÃO

 

Pelo Trabalho:

 

Prevista na Lei de Execuções Penais, garante um dia de pena a menos a cada três trabalhados, para apenados dos regimes fechado e semiaberto. Conforme a Susepe, no último dia 9, 10.414 presos estavam realizando atividade laborais, de um total de 36.813. Ou seja: 28% dos apenados.

 

Pelo Estudo:

 

A Recomendação 44 alterou a Lei de Execução Penal, para possibilitar a remição de pena também pelo estudo, reduzindo um dia a cada 12 horas de frequência escolar. Vale Ensino Fundamental, Médio, inclusive profissionalizante, Superior ou ainda a requalificação profissional. Segundo a Susepe, no dia 9, 3.069 presos estavam realizando atividades laborais, de um total de 36.813: 8% dos apenados.

 

Pela Leitura:

 

Uma portaria do Conselho da Justiça Federal e da Diretoria Geral do Departamento Penitenciário nacional, do Ministério da Justiça, disciplinou o projeto de remição pela leitura para os presos de regime fechado custodiados em penitenciárias federais de segurança máxima. Em 2013, o Conselho Nacional de Justiça editou a Recomendação 44, estabelecendo os critérios: a cada livro lido, com elaboração de resenha, o preso pode ter reduzidos quatro dias de sua pena. O limite é de 12 livros por ano, com uma média de um mensal (48 dias de remição por ano).

 

A leitura no cárcere em imagens: https://gauchazh.clicrbs.com.br/seguranca/noticia/2017/08/fotos-os-livros-e-o-carcere-9873668.html

 

 

A mudança de comportamento em:

http://videos.clicrbs.com.br/rs/zerohora/video/zero-hora/2017/08/leitura-como-forma-ressocializacao/189278/

 

 

 

Fonte: Zero Hora/Segurança/Renato Dornelles (renato.dorneles@diariogaucho.com.br) em 20/08/2017