O HOMEM QUE MANTEVE HOLDEN CAULFIELD JOVEM
Caetano Galindo assina nova tradução do clássico de 1952 O APANHADOR NO CAMPO DE CENTEIO, DE J.D. SALINGER
Livro: O APANHADOR NO CAMPO DE CENTEIO – De J.D. Salinger Romance. Tradução de Caetano W. Galindo. Todavia, 256 páginas
O tradutor e professor da Universidade Federal do Paraná, Caetano Galindo não é estranho a grandes empreitadas. Ele verteu para o português calhamaços de rematada dificuldade como ULYSSES, de James Joyce, e GRAÇA INFINITA, de David Foster Wallace. Agora, encara um clássico de facilidade enganosa: O APANHADOR NO CAMPO DE CENTEIO, de J.D. Salinger (1919-2010), obra referencial que, desde 1965, só havia tido uma única e muito bem recebida tradução no Brasil, de autoria de Jorio Dauster, Álvaro Alencar e Antônio Rocha. Galindo fala sobre o desafio e a perenidade do romance, que está ganhando nova edição pela editora Todavia.
Que desafios um tradutor enfrenta ao encarar uma nova versão de uma tradução que teve tanto impacto até hoje?
Retraduzir é sempre complicado. Retraduzir essa tradução que tem o peso de um clássico é um bônus de complicação. Nossa principal preocupação foi sempre saber que não estávamos corrigindo nem revendo a tradução original, e sim propondo um novo trabalho, que, em certo sentido, começa do zero, porque é uma nova tradução feita a partir do original. Óbvio que, como leitor, o trabalho já estava no meu inconsciente. Mas na hora de fazer o trabalho, éramos apenas eu e o original. E isso, eu tive essa conversa com o Jorio Dauster no dia do lançamento, é a maior mostra de respeito que se pode dar.
O que o senhor fez de diferente da versão anterior?
A preocupação foi a de oferecer a melhor versão para o leitor de hoje, um texto que não soasse um pastiche do português dos anos 1950, o que ficaria bizarro pela própria sociolinguística do português e a história da cultura brasileira. O falante brasileiro médio de hoje tem muito menos contato com a língua portuguesa dos anos 1940 e 1950 do que o falante de inglês tem com o inglês daquela época e, portanto, ela tende a soar meio caricatural. Ao mesmo tempo, não queríamos que o Holden soasse como um adolescente de hoje, o que serias anacrônico. É sempre um fio da navalha tentar encontrar esse texto que tenha uma aura de passado sem ofender as suscetibilidades dos leitores de hoje.
O que fez O APANHADOR... perdurar?
O livro é um mecanismo encantador e perfeito. Ele sobrevive como engenho literário bem-acabado. Tem um narrador em primeira pessoa encantador, algo que o Salinger sabia fazer muito bem. Tem uma estrutura interna bem cuidada, cheia de especularidades, simetrias, correspondências. O livro dá essa impressão de ser um fluxo livre, de oralidade contínua, mas é muito bem pensado. As referências se ampliam ao ecoar umas às outras. É um livro extremamente bem-acabado e poderoso sobre temas muito profundos. Seja a entrada na adolescência, seja a superação do trauma da guerra, seja a ideia da morte, a perda de um familiar.
Holden é um rebelde contra o mundo adulto, mas dos anos 1950 para cá criou-se toda uma cultura de valorização da juventude. Isso muda o impacto da obra para o leitor jovem?
Não sei se posso falar do impacto na juventude porque tenho 45 anos. Mas não acho que seja um livro adolescente. É um livro sobre um adolescente, mas mantém o impacto e o alcance para todo tipo de leitor. Tenho a impressão de que um adolescente de hoje vai encontrar muita coisa que o fará pensar. Isso é parte importante da grande literatura: não espelhar a realidade imediata, mas te colocar diante de um outro que, no entanto, compartilha contigo coisas centrais.
Leia a entrevista completa em bit.ly/GalindoZH
Fonte: Jornal Zero Hora/Segundo Caderno/Carlos André Moreira (carlos.moreira@zerohora.com.br) em 06/08/19