CONHEÇA A VAMPIRA LÉSBICA DE NOVELA DO SÉCULO 19 QUE FOI UMA DAS INFLUÊNCIAS DO "DRÁCULA" DE BRAM STOKER
Livro: CARMILLA, de Sheridan Le Fanu - DarkSide Books, 192 páginas (esgotado nas livrarias) - Tradução de Enéias Tavares e ilustrações de Isabella Mazzanti - Também disponível no Brasil em outras edições
Ao falar em vampiros, a principal referência no imaginário coletivo é o Conde Drácula. Na sequência, Nosferatu ou Edward Cullen, talvez. O que muita gente não sabe é que mais de duas décadas antes do icônico personagem de Bram Stoker e a séculos da saga de Stephanie Meyer já se contava a história de uma vampira excepcionalmente bela, indescritivelmente envolvente e lésbica.
Carmilla, do irlandês Sheridan Le Fanu, é uma novela gótica creditada por introduzir à literatura a primeira vampira feminina, em 1872 — que ganhou nova vida em 2022 em edição especial da DarkSide Books, traduzida por Enéias Tavares e ambientada pelas terríficas ilustrações de Isabella Mazzanti. A obra também está disponível no Brasil em outras edições.
O livro é narrado por Laura, uma jovem inglesa que mora com o pai em um remoto castelo na Estíria, no Leste Europeu. Ela confia ao leitor lembranças dos estranhos acontecimentos que circundam a chegada repentina de uma hóspede excêntrica chamada Carmilla, posteriormente revelada como a Vampira de Karnstein.
Há uma sensação de familiaridade com o enredo, o que escancara a inegável e, por vezes, negligenciada influência do texto na mitologia vampírica.
Mas o que se destaca é justamente o que diferencia a obra de seus sucessores: em plena Era Vitoriana, Carmilla retrata a atração entre duas mulheres. E engana-se quem pensa que essa relação fica nas entrelinhas — Laura descreve em detalhes os atributos físicos da nova "amiga", trocas de carícias e os sentimentos paradoxais as acompanham.
De fato, é um produto de seu tempo, marcado pelo moralismo cristão. Contudo, passados mais de 150 anos, as mesmas palavras que outrora buscavam reforçar a repressão da sexualidade feminina, contraditoriamente, acabam por ilustrar a ideia da heterossexualidade compulsória, capturando a forma muitas vezes intangível em que cultura hegemônica molda a experiência queer, das ações concretas aos pensamentos mais íntimos. O horror encontra-se não em Carmilla, símbolo de pecado e subversão, mas sim na atormentada e solitária existência de Laura — condenada à repressão e demonização de seus desejos, tão humanos e intrínsecos à própria natureza.
Em meio à dissonância cognitiva, me vi assustadoramente cativada pela história, como Laura por Carmilla. A obra de Le Fanu prospera na ambiguidade, com uma narrativa ao mesmo tempo sombria, delicada, eletrizante, sensual e devastadora.
Leia trechos do livro
Com seus olhos tomados de exultação ela me atraía para si, viajando pelo território de minha face com lábios quentes e beijos em demasia. E quando fazia isso, sussurrava em silêncio, quase aos soluços: 'Você é minha, você será minha, você e eu seremos uma, para sempre'.
(...)
A pura verdade era que algo inexplicável me aproximava daquela bela estranha. Sim, eu me sentia, como ela disse, 'atraída por ela', embora houvesse, também, uma inquietante repulsa. Neste sentir ambíguo, porém, o ímpeto da atração prevalecia poderosamente. Ela me interessava e me conquistava, sendo tão bela e tão indescritivelmente envolvente.
Fonte: Zero Hora/O Que Estou Lendo/Fernanda Soprana em 10/10/2025