HARUKI MURAKAMI INVESTIGA O ISOLAMENTO E A RENOVAÇÃO
Cultuado escritor japonês acaba de lançar O ASSASSINATO DO COMENDADOR, romance inspirado em O GRANDE GATSBY.
Com mais de uma dezena de romances lançados e prestes a completar 70 anos, Haruki Murakami demonstra que ainda tem fôlego para renovar sua literatura. Renovação, aliás, é um dos pontos centrais de O ASSASSINATO DO COMENDADOR, calhamaço que chega ao Brasil dividido em dois volumes – o primeiro já está circulando pela Alfaguara, com 360 páginas. Não apenas o personagem principal do livro busca um renascimento ao se isolar em uma casa de campo, como o próprio Murakami já revelou que a escrita da narrativa foi uma tentativa de dar nova vida a O GRANDE GATSBY, clássico de Scott Fitzgerald (1896-1940).
Característica comum em outros romances do escritor japonês, o protagonista não tem o nome revelado ao longo da trama. Trata-se de um pintor de retratos com relativo sucesso, capaz de viver exclusivamente de sua arte. Aos 36 anos, depois de ver seu casamento ruir, ele sai a esmo dirigindo pelo Japão, até que decide se isolar na casa vazia do pai de um amigo. Nessa nova fase de sua vida, pintar retratos estaria fora de cogitação - “queria me concentrar e pintar algo para mim mesmo, como não fazia há anos”. Até que uma estranha oferta faz o personagem mudar de ideia: um excêntrico milionário está disposto a pagar uma fortuna por um quadro com sua imagem.
É curioso que, ao contrário das grandes festas que marcam a atração entre o comerciante Nick Carraway e o milionário Jay Gatsby no livro de Fitzgerald, é a tendência ao isolamento que se evidencia no pintor e no milionário de O ASSASSINATO DO COMENDADOR. O romance pode ser lido como uma crônica à agitada e hipervigiada contemporaneidade, onde gozar de privacidade pode ser um luxo caro. Discussões sobre arte, afetos e perdas são mais alguns pontos altos.
O título da obra faz referência a uma pintura encontrada pelo protagonista na casa em que foi morar, trabalho que, por sua vez, faz referência à ópera Don Giovanni, de Mozart (1756-1791). Além de Mozart, outras referências à música erudita se fazem presentes, expondo um caldeirão de influências, como costumam ser os romances de Murakami. O estilo narrativo do autor, que mescla elementos de mistério com um clima onírico, também volta a exibir sua maturidade, assim como os arroubos de fantasia – realidade e imaginação se mesclam na medida em que as páginas avançam. Com isso, O ASSASSINATO DO COMENDADOR reúne as principais características da prosa do escritor, mas de forma revigorada e com temas originais.
Fonte: Zero Hora/Mundo Livro/Alexandre Lucchese (alexandre.lucchese@zerohora.com.br) em 04/01/2019