O LIVRO DA VIDA DE FERNANDO PESSOA
Livro(s) do Desassossego (Global Editora, 474 páginas, Edição Teresa Rita Lopes), de Fernando Pessoa (1888 – 1935), formado, em verdade, por três obras, é denominado o livro da vida de Pessoa, daquele que muitos consideram o maior poeta de língua portuguesa de todos os tempos.
Os textos acompanharam suas mudanças como pessoa e como escritor. O livro é composto por três livros, assinados por três autores, perfeitamente diferenciados. São três semi-heterônimos, no dizer do próprio Pessoa. O primeiro é assinado por Fernando Pessoa – O Livro de Vicente Guedes – Autobiografia de quem nunca existiu, que, a certa altura, nomeou Vicente Guedes seu representante. Guedes é o jovem artista decadente, dândi e blasé, ao gosto pós-simbolista da época, que Pessoa também foi e que serviu de modelo para os “novos”. Calou-se no final dos anos 1920, no rescaldo do suicídio de Mário de Sá-Carneiro, “alma-par” de Pessoa. Guedes era sensacionista, queria sentir tudo de todas as maneiras, e morreu de tuberculose como Caeiro.
O Livro do Barão de Teive – Educação do estoico, de 1928, repousa-nos com sua austeridade de pensamento e linguagem, dos excessos metafóricos de Guedes, embora nos arrepie com sua frieza suicida e mostre o frisson dos grandes textos. O Barão suicidou-se.
O terceiro texto, O Livro de Bernardo Soares – Rua dos douradores, assinado por Bernardo Soares, que se manifesta a partir de 1929, é nós todos, não apenas o ajudante de guarda-livros da Baixa lisboeta mas o homem todos os homens, de todos os tempos, a braços com a sua alma-corpo e com o enigma do universo. Este último foi o único que Pessoa cuidou os textos, alguns para publicação.
A organizadora entende que, para melhor degustarmos a obra em prosa de Pessoa, é melhor manter distintas as três personagens que perpassam por esse palco e assistir, separadamente e sem os confundir, aos monólogos de Gueves, Teive e Soares. O prazer ficará maior se imaginarmos sua interação e, ainda mais, se entendermos o diálogo até Fernando Pessoa.
Esta edição tem, justamente, o diferencial de apresentar uma nova “arrumação” das obras. Escreve a organizadora: “Com minha nova arrumação do Livro, para lhe restituir o corpo inteiro – que nunca chegou a ter – gostaria de imitar os arqueólogos que reconstituem, a partir de cacos soltos, as peças de que provinham. Refuto a ideia de que o Livro do Desassossego é uma espécie de baralho de cartas que cada um pode baralhar sem lhe respeitar a íntima estrutura. Estrutura que Pessoa, clássico, prezava”.
A organizadora escreveu que novas edições do Livro virão, com novas ideias, mas aposta que a estrutura que escolheu para esta edição será uma contribuição permanente. A ver.
Fonte: Jaime Cimenti (jcimenti@terra.com.br) Jornal do Comércio de 04 a 07 de setembro de 2015.