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Trilogia de Shakespeare: por Fábio Prikladnicki
Trilogia de Shakespeare: por Fábio Prikladnicki

SHAKESPEARE E O JOGO DO PODER

 

Nova tradução de trilogia do autor sobre conspirações políticas chega às livrarias.

LIVROS: JÚLIO CÉSAR – Movimento/Edunish, 192 páginas;

ANTÔNIO E CLEÓPATRA – Movimento/Edunish, 272 páginas;

CORIOLANO – Movimento/Edunish, 264 páginas

Traduções de Elvio Funck

 

Quatro séculos antes de HOUSE OF CARDS, a dramaturgia e a literatura já dispunham de uma série clássica sobre as entranhas do poder – não nos Estados Unidos da contemporaneidade, mas na Roma Antiga. São as peças JÚLIO CESAR, ANTÔNIO E CLEÓPATRA e CORIOLANO, do inglês William Shakespeare, que ganharam novas traduções para o português pela editora gaúcha Movimento.

 

JÚLIO CESAR saiu no ano passado; ANTÔNIO E CLEÓPATRA, neste ano; e CORIOLANO virá nesta semana (final de agosto). Os lançamentos fazem parte do projeto da editora comandada por Carlos Appel e do tradutor Elvio Funck de publicar novas edições do teatro completo do Bardo. É tempo de redescoberta do autor no Brasil: a Companhia das Letras tem um projeto similar, com traduções dos gaúchos Lawrence Flores Pereira e José Francisco Botelho.

 

Não há incentivo maior para a leitura da chamada trilogia romana de Shakespeare do que a mera observação da realidade geopolítica de hoje, com a ascensão de líderes autoritários e populistas. Em junho, uma montagem de JÚLIO CÉSAR que caracterizava o personagem-título como se fosse o presidente americano Donald Trump causou polêmica nos Estados Unidos.

 

Concordando-se ou não com o recurso, trata-se de mais uma prova da atualidade da peça. Para Funck, as três peças romanas oportunizam um paralelo com a democracia brasileira, que vive “frequentes e periódicas convulsões desde 1889”:

- Como na Roma da trilogia, o poder democrático brasileiro pouco ou nada tem a ver com o povo que o elegeu, sempre sacrificado. A distância entre Brasília e o povo, mesmo com eventuais esmolas paternalistas, é de anos-luz. Os gastos de nosso Congresso, R$ 1 milhão por hora, e os benefícios que o povo brasileiro recebe são um contraste assustador.

 

O que se depreende da leitura de Shakespeare não é que a política seja um embate entre bons e maus. A cena do assassinato de Júlio César que chocou os americanos na montagem que o identificava a Trump tinha por trás uma reflexão sobre os jogos sujos do poder. Não se trata, portanto, de um convite à violência.

- Concordo que o jogo do poder é cinza – afirma Funck. - Sempre há boa vontade de parte a parte entre os partidos que disputam o poder, mas o poder tem grande força corruptora. A natureza humana é caída, e raramente um detentor do poder não se deixa hipnotizar pelas benesses. Recorre a artifícios corruptos para não perdê-las.

 

TRADUÇÕES ACESSÍVEIS PARA INICIANTES NO AUTOR

 

Funck considera a trilogia “quase uma peça teatral em três atos” e sugere a leitura na seguinte ordem: CORIOLANO, JÚLIO CÉSAR e ANTÔNIO E CLEÓPATRA. Shakespeare chegou a escrever uma quarta “peça romana”, TITO ANDRÔNICO, mas o tradutor não considera esta parte de uma tetralogia:

- Acontece que Tito é obra de ficção, pois este rei nunca existiu. Não vejo três obras históricas e uma obra de ficção como tetralogia. Pelo mesmo raciocínio, Cimbelino, rei inglês bem ficcionalizado por Shakespeare, não é parte das 11 “peças históricas”, mas é visto como “romance”.

 

As traduções de Funck, que começaram a ser publicadas há 11 anos, estão entre as mais acessíveis para se começar a ler Shakespeare. Com texto interlinear (ou seja, alternando cada verso em inglês com sua respectiva tradução para o português), não há uma preocupação com o estilo poético. Isso significa que as frases estão na forma direta, como se tivessem sido escritas em prosa.

- Me recuso a traduzir em poesia por incompetência. Deixo esse impressionante tour de force para meus amigos poetas, José Botelho e Lawrence Flores Pereira (Botelho) lançará sua tradução de JÚLIO CÉSAR ainda neste ano pela Companhia das Letras e depois trabalhará CORIOLANO). A mim parece que a tradução em prosa preserva melhor a semântica, embora com sacrifício da estética, mas isso é assunto para longas discussões. É uma experiência que o leitor deve fazer: ler a tradução de uma passagem de Shakespeare em prosa e a mesma em verso.

  

Fonte: Zero Hora/Fábio Prikladnicki (fabio.pri@zerohora.com.br) em 28/08/2017