RENTRÉE LITTÉRAIRE
O mês de setembro assinala o começo do outono da Europa. É o verdadeiro início do ano no continente depois das festejadas férias de verão. Janeiro é januarius, mês o deus Janus, representado por duas aces coladas e opostas, uma mirando para o passado e a outra, na direção do futuro. Mas é o nono mês do calendário que as tradicionais agendas vendem como baguete quente, e as revistas exibem os mais previsíveis artigos sobre “as resoluções para o novo ano”. Depois do dolce far niente de agosto, o estresse logo se instala nos subterrâneos do metrô, novamente tumultuados, e nos semblantes de motoristas impacientes em meio aos requentes engarrafamentos. Os ministros da República retornam ao debate político bronzeados pelo sol estival, as crianças se alvoroçam nos portões das escolas na volta às aulas, e a vida cotidiana, cultural e gastronômica retoma seu curso, já com os matizes de outono. O setembro francês é o março brasileiro. É o ano que (re)começa.
E na França ciosa de suas excepcionalidades, é também a época do chamado fenômeno da rentrée littéraire. Enquanto amareladas folhas despencam das árvores, formando tapetes naturais nas calçadas, as livrarias do país transbordam suas estantes e vitrines de lançamentos editoriais. No espaço de pouco mais de um mês, de final de agosto a início de outubro, as editoras desovam centenas de livros, de todos os tipos, gêneros, formatos e espessuras, do romance ao em saio, passando pela história em quadrinhos. A safra 2016 terá um total de 560 novos títulos franceses e estrangeiros, um pouco menos em relação aos 589 da rentrée do ano passado. Só de novos romances nacionais, serão 363 lançamentos, contra 393 em 2015. O número de livros de autores estrangeiros permanece estável: 197 de novos romances traduzidos, contra 196 no ano precedente.
Alemanha, Itália ou Espanha não comungam desta exceção francesa. Aqui se tornou tradição, em grande parte incentivada pelas premiações. No âmbito internacional, a França é a campeã de Prêmios Nobel de Literatura: 15 (o mais recente conquistado por Patrick Modiano, em 2014), à frente dos EUA (12) e do Reino Unido (10). Mas, no país, mais de mil prêmios literários são distribuídos ao longo do ano, e os mais celebrados e midiátizados – como Goncourt, renaudot, Femina, Interallié, Académie Française ou Médicis – anunciam seus laureados no outono. Por vezes, um livro de grande sucesso é suficiente para sustentar uma editora, principalmente se ele consegue conquistar um prêmio como o Goncourt, o mais importante da França, criado em 1903 e que garante um aumento de venda de centenas de milhares de exemplares. Em 2015, após cinco anos consecutivos de queda, o lucro das editoras aumentou em 0,6%, com um total de 436 milhões de exemplares vendidos no país.
Sinal dos tempos, uma das novidades apontadas na rentrée 2016 são romances de temas mais sombrios, que ecoam o choque dos atentados e da ameaça terrorista no país.
Fonte: ZeroHora/Toujours Paris/Fernando Eichenberg (toujoursparis@zerohora.com.br) em 28/8/2016