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37ª Feira Internacional do Livro de Sharjah
37ª Feira Internacional do Livro de Sharjah

O MUNDO ÁRABE EM SUA FACE MAIS LITERÁRIA

 

37ª FEIRA INTERNACIONAL DO LIVRO DE SHARJAH

 

Feira do Livro de Sharjah realizou 1,8 mil atividades para 2,38 milhões de visitantes em 11 dias.

 

A 37ª Feira Internacional do Livro de Sharjah, nos Emirados Árabes, comprovou mais uma vez que o mundo árabe pensa em literatura e no mercado do livro de uma forma gigante. Foram 11 dias de intensa programação, de 31 de outubro a 10 de novembro, com 2,38 milhões de visitantes, dos quais 230 mil estudantes. Esta feira é a principal conexão da literatura e do mercado editorial do Oriente e Ocidente, a Frankfurt árabe. Foram ofertados 20 milhões de livros, 1,6 milhão de títulos, dos quais 80 mil lançamentos de 1.874 editores (77 países).

 

As mesas da programação principal, média de 12 ao dia, trataram de temas como traduções e desempenho dos livros árabes no mercado mundial, a imaginação no processo criativo, os temas pungentes como a ação dos editores, o mercado do livro, a ascensão dos youtubers, censura e questões ligadas à física e ao cinema. Foram 1,8 mil eventos com 472 convidados. Além do Japão, como convidado de honra, a presença do ministro da cultura da Argélia, Azzeidine Mihoubi, de autores argelinos, ingleses, norte-americanos, indianos, paquistaneses, libaneses, sudaneses, nigerianos, dando tom de multiculturalidade à Feira, que foi precedida de encontros de editores, com 486 profissionais, nos quais foram fechados 2.884 contratos de tradução.

 

Das mesas da Feira, uma das mais destacadas foi “O Relacionamento entre Autor e Editor”, com os romancistas Alawiya Sobh (Líbano) e Amin Zaoui (Argélia) e a poeta Najwa Zebian (Líbano/Canadá). Sobh falou do tato dos editores, pois seu primeiro romance “Maryam: Keeper of Stories” passou por dois editores que pediram que ela reduzisse pela metade os originais. “A primeira vez eu não concordei, pois o romance foi concebido assim, com quase 2 mil páginas. Depois, concordei e o romance foi um sucesso”. Zaoui, que escreve em árabe e francês, tem experiências diferentes de trabalhar com editoras no mundo árabe e na Europa. “Temos obstáculos até publicar, que afetam nossa liberdade. Os autores árabes sofrem com a censura, obstáculos religiosos, de família, necessidade de simplificar temas. Não há espaço para o contraditório. O editor do meu primeiro livro em árabe, ‘The Neighing of the Body’, publicado em Damasco, Síria, foi parar na cadeia após publicá-lo”, conta Zaoui. Najwa não enfrentou dificuldades com seus editores americanos. “Nos EUA, os editores têm sede de criatividade. Se os autores lidam com temas difíceis, isso é positivo, porque eles derrubam barreiras”, diz.

 

Dos convidados japoneses, destaque para Motoyuki Shibata, professor de Literatura Americana e Tradução Literária na Universidade de Tóquio, tradutor de Paul Auster e Dylan Thomas para o japonês. “A literatura contemporânea japonesa não tem muito a ver com a de Haruki Murakami e nem com a Europa. Não somos realistas. Os jovens têm mais flexibilidade entre realidade e fantasia”, aponta. Shibata edita a revista Monkey Business (7 edições), com artigos, HQs e contos de autores contemporâneos como Machida Ko, Aoko Matsuda e Yoko Ogawa. Outro japonês que marcou presença foi Fuminori Nakamura, autor de “The Thief”, Prêmio Kenzaburo Oe em 2010. Ele contou que seus livros são colocados em estantes diferentes pelo mundo. “Os editores costumam me dizer que é difícil classificar meu trabalho. No Japão, sou considerado escritor literário puro. Na América, dizem que eu sou de literatura policial, de crimes. Na Europa, valem as duas correntes. Quando as editoras rotulam meu trabalho como policial, dizem que vende melhor”, diz.

 

A escritora norte-americana Kim Howe falou do mundo dos sequestros, abordados em livros seus, como “The Freedom Broker” e “Skyjack”. “Eu passo muito tempo pesquisando sequestros, entrevistando ex-reféns, negociadores, especialistas em reintegração de reféns, agentes das forças especiais”, destacou. Kim lembra que os melhores escritores do gênero suspense atualmente são Lee Child e Don Winslow. “O segredo para ter sucessos na escrita é escrever sobre o que você é apaixonado, pensando com a mente de escritor, mas principalmente querendo comunicar, contar uma história para a mente de leitor”, finaliza Kim.

 

SHARJAH PUBLISHING CITY

 

ZONA FRANCA PARA INCENTIVAR A CADEIA DO LIVRO

 

Com o objetivo de criar uma possibilidade maior de empresas de setores da cadeia do livro obterem um maior acesso ao mundo árabe, Europa, Ásia e África, a Sharjah Publishing City entrou em funcionamento em fevereiro deste ano e desde então possui mais de 50 empresas ligadas à indústria do livro. A zona franca do livro ocupa uma área de cerca de 100 mil m², construída em um ano e dois meses. Destas empresas, ametade procede do Reino Unido, China e Estados Unidos, além dos Emirados Árabes Unidos.

 

As vantagens da instalação de uma editora ou gráfica brasileira é que há uma série de incentivos fiscais e subsídios do governo de Sharjah. Recentemente, foi instalado no local uma planta de impressão por demanda da Ingram.

 

Um escritório na Sharjah Publishing City pode custar a partir de US$ 370 ao ano (25 m²), incluindo estacionamento, limpeza, taxas de água e energia. Ao alugar o escritório, segundo Ahmad Al Mahmoud, o empresário tem vantagens como cinco vistos de permanência no emirado. Para editores que necessitem armazenar seus livros no local existem depósitos com segurança e sistema contra incêndio, com valores a partir de US$ 16,3 mil ao ano por 125 m² e dez vistos permitidos. Os escritórios podem ser augados com ou sem mobília e podem ser customizados, como é o caso da empresa austríaca Antiquariat Inlibres, de Viena, de livros raros e ornou o escritório com mobília envelhecida.

 

A Sharjah Publishing City é o local onde o Ocidente e o Oriente se encontram para trabalhar juntos em prol da cadeia do livro. É uma Feira do Livro por 365 dias do ano, 24 horas por dia, 7 dias por semana. São as Nações Unidas para os editores. Temos serviços para agentes, editores, distribuidores, impressão por demanda, tudo sobre o nosso guarda-chuva. É um admirável espaço para todos”, avalia o chairman da Autoridade do Livro de Sharjah, Ahmed Al Ameri.

 

As editoras que quiserem aderir à Sharjah Publishing City precisam preencher formulários e submeter documentação à Autoridade do Livro. Se a empresa for aprovada, recebe licença de funcionamento e as chaves para acesso ao depósito e/ou ao escritório da empresa em Sharjah, localizado a 12 km do centro da cidade, além da emissão dos vistos. A primeira empresa brasileira a assinar contrato foi a Neres Corporation, de Marcello Neres de Oliveira.

 

A SPC conta com um teatro equipado para seminários, workshops e outras atividades. “A empresa que vier para cá terá a possibilidade de acessar a mercados do Oriente médio, Europa, Ásia e África, com as facilidades de ser uma zona franca com poucas taxas e incentivo fiscal, conexão por terra com outros seis emirados e com outros mercados por 9 aeroportos e 15 portos”, finaliza Ahmad Al Mahmoud.

 

ENTREVISTA: AKHIL SHARMA

 

Escritor e professor de Escrita Criativa na Universidade Rutgers, em Newark, Akhil Sharma nasceu a 22 de julho de 1971, em Nova Delhi, Índia, e imigrou com a família para Edison, New Jersey (EUA) aos oito anos. O estranhamento de um imigrante nos Estados Unidos foi a matéria-prima perfeita para seus livros. O primeiro romance “Um Pai Obediente” venceu o prêmio 2001 Hemingway Foundation/PEN Award e foi lançado no Brasil no mesmo ano pela Globo, tratando de um funcionário público corrupto em Nova Delhi. A segunda obra, “Family Life” (2014), ganhou o prêmio Folio 2015 e o Prêmio Literário Internacional de Dublin em 2016, contando ficcionalmente a história da tragédia familiar do irmão mais velho de Akhil, que sofre danos cerebrais após bater a cabeça, no mergulho em uma piscina. Colaborador de publicações como New Yorker e The Quarterly, Sharma em seu mais recente livro “A Life of Adventure and Delight” (2017) cria contos sobre amor, incomunicabilidade, alcoolismo e tragédias familiares utilizando humor, ironia e non sense, o que fez alguns críticos chamá-lo de Tchekhov contemporâneo. O autor esteve na Feira de Sharjah falando do papel da imaginação nas novas realidades. Confira entrevista com o autor.

 

 

Você é um escritor que parte das suas histórias de vida para criar os seus livros. Como você se define?

Pessoas reais, vivências e eventos da vida real têm papéis importantes na ficção, mas mais importante é guardado para o leitor. O autor só faz um pouco do trabalho; é o leitor que faz a maior parte do trabalho. É o leitor que dá vida a uma história. Para mim, os livros sempre fora uma forma de escapismo. Quando criança, fui da Índia aos Estados Unidos e não me encaixava naquela sociedade. Assim, costumava pegar um livro para deixar aquela realidade e entrar em um mundo do faz de conta. Como autor, posso escrever sobre coisas que são particulares para mim, de maneira que elas sejam universalmente atraentes e compreendidas por todos. Quando escrevo, uso minhas experiências, sobre coisas específicas para mim.

 

 

Um trecho do conto “Surrounded by Sleep”, que trata da tragédia com seu irmão mais velho chama atenção pelo personagem acorrer primeiro ao Superman do que a um ser divino para orar ou pedir algo. Fale-nos sobre isto.

Eu penso que quando a criança está falando com Deus ou o Superman, ele acredita que ambos são poderosos e podem ajudá-lo. É uma questão cultural. Ele primeiro imagina estar falando com Deus, um deus hindu e para ele é uma situação absurda comparada à gravidade da situação e pedir para o Superman parece menos absurdo naquele momento.

 

 

Gostaria que você descrevesse seu processo criativo.

Para mim, eu tornar uma ideia possível e passível de escrita é o mais importante, mais urgente. Eu escrevo, tento executar, seguir o rumo da história até o máximo que consigo e elas normalmente morrem, se esgotam. Usualmente, as ideias não se convertem em uma história. Então, eu começo tudo de novo, volto a pensar na ideia, uma vivência, e faço a história avançar e algumas destas ideias novamente morrem ou acabam. Algumas vezes, não há solução e eu abandono o projeto. Em outras, a história progride, posso desenvolver o tema a partir de um tema de domínio ou de pesquisa e algum conto ou romance consegue sobreviver. Aí escrevo sem parar até a exaustão, me envolvo meses, anos, chego a 700 páginas, depois corto muito até se tornar um romance ou um conto.

 

 

O background na Índia tem contribuição importante para a sua obra?

Meu background é da Índia e da América, de um indo-americano Se você é imigrante, tem um olhar e vivência mais cautelosa, você nunca está totalmente seguro da sua condição, do exercício da sua cidadania. Tem que viver em alerta, cuidadoso, sempre, por causa desta ausência de segurança, de estabilidade. Por causa de todas estas coisas, você tem que aprender a comunicar os sentimentos, as situações, e estas coisas acabam causando uma identificação, empatia ou estranhamento na recepção do leitor. Eles te moldam como escritor e também acabam moldando um tipo de público leitor que acabo conquistando.

 

ENTREVISTA: AHMED AL AMERI

 

O Caderno de Sábado entrevistou a Autoridade do Livro de Sharjah, responsável pela organização da Feira do Livro deste emirado árabe. Confira a conversa com Ahmed Al Ameri sobre o crescimento do evento, o apoio à cadeia do livro e a boa relação com o Brasil.

 

 

Qual o sentimento após a realização da 37ª edição da SIBF?

A Feira é um exemplo vivo do sucesso da visão de Sua Alteza (Muhammad Al Qasimi), e reitera ao mundo que os livros e a cultura são essenciais para moldar o futuro das sociedades. Sua Alteza quis estabelecer seu emirado como o farol mais luminoso da cultura. Seu sonho está sendo realizado por milhões de visitantes e amantes de livros que participaram dos 11 dias da Feira, procurando imergir em livros, artes e entretenimento.

 

 

Qual a sensação em relação ao público e à formação de leitores?

Podemos ver uma multidão heterogênea de estudantes de escolas e universidades, pais, professores e profissionais, donas de casa de todas as origens culturais possíveis, fluindo pelos portões da feira é espetáculo. Aprendemos muito com este público, nos perguntando sobre assuntos que pensávamos não serem atuais e mostrando interesse igual em coisas antigas e novas. Sua Alteza queria ver jovens leitores fazendo fila para ter livros assinados pelos autores favoritos. As intermináveis filas de visitantes aguardando para participar de um painel de discussão, as pessoas que saem da feira com grandes carrinhos cheios de livros, são prova de que nossa busca por conhecimento, sabedoria e humanidade são qualidades inerentes à humanidade.

 

 

Como é conceber e manter o sonho desta feira?

O sonho não vem da minha mente, mas da mente da Sua Alteza. O governador de Sharjah, quando era muito jovem, descobriu uma adaga dourada e com ela encontrou um livro. Ele acreditou no livro como ensinamento à humanidade. Em 1982, ele estabeleceu a primeira Feira do Livro de Sharjah. Aquela Feira tinha uns pares de livreiros, não mais do que dez. Venderam muito pouco, não havia quase visitantes, talvez alguns professores e leitores. Então, Sua Alteza deu uma ordem de comprar todos os livros que estavam expostos. Ele disse que queria que todas as pessoas que não conseguiam comprar estes livros que ficassem mais próximos dos livros, que os lessem, e eles foram distribuídos para a população. Hoje em dia, quebramos a barreira dos 2 milhões de visitantes, 1.876 editores de 77 países do mundo, mais de 20 milhões de livros, 1,6 milhão de títulos, 1,8 mil atividades culturais, 500 autores autografando ou falando de suas obras. Por estes motivos e número, a nossa Feira é considerada a terceira maior do mundo.

 

 

Queria que o senhor falasse sobre as conexões entre Sharjah e o mercado do livro no Brasil?

Nós temos um ótimo relacionamento com o Brasil. A relação entre Sharjah e o Brasil é muito forte. Nós estivemos na Bienal do Livro de São Paulo neste ano. Houve um grande número de traduções de livros árabes para o português, foram 40 títulos. Tivemos grandes eventos de apresentação da nossa cultura e das nossas obras. Realizamos uma série de encontros de negócios, compramos direitos de um grande número de livros publicados no Brasil. Um pouco antes da Feira, seis editores brasileiros estiveram aqui em Sharjah para negócios de 150 mil dólares. Na Feira de Frankfurt, havia 30 editores e distribuidores brasileiros que fecharam 800 mil dólares em negócios com o nosso mercado. Se os negócios estão progredindo desta forma, quantos mil dólares fecharemos no próximo ano? Acho que muito mais.

 

 

E a escolha do Japão como Convidado de Honra?

A escolha é sempre para acessar mais profundamente uma cultura, a qual ainda não temos alcance. E percebemos que há muita similaridade entre a cultura japonesa e a árabe. Ambos têm recursos naturais muito limitados. Ambos desenvolvem os seus recursos naturais, a partir dos seus recursos humanos, o homem transforma o ambiente ao redor. Nossos recursos são nossas pessoas, os trabalhadores, quem constrói estas nações, é neles que investimos. Temos raízes culturais e tradições fortes e que são respeitadas pela população, como do chá, caminhadas, tirar os calçados no ambiente religioso ou familiar.

 

 

 

Existe algum autor do Brasil que o senhor goste muito?

Com certeza é Paulo Coelho. Li muitos livros dele. Não tenho um preferido. Ele é muito popular no mundo árabe.

  

Fonte: Correio do Povo/Caderno de Sábado/Luiz Gonzaga Lopes em 24/11/2018.