DIÁRIOS DE RICARDO PIGLIA SÃO TRADUZIDOS NO BRASIL
Primeiro volume das memórias do escritor argentino, que morreu em janeiro, ANOS DE FORMAÇÃO cobre período da sua adolescência.
Entre os amigos e conhecidos de Ricardo Piglia (1941-2017) em Buenos Aires houve quem pensasse que seu retorno da Universidade de Princeton, nos EUA, para Buenos Aires, em 2010, seria uma espécie de aposentadoria. Estavam errados. Piglia aterrissou na cidade em que mantinha, além de sua casa, um apartamento lotado de livro e que servia de escritório, sala de reuniões co alunos e local de entrevistas, para dedicar-se intensamente a organizar sua obra. Não parou nem quando descobriu que “as cócegas” que sentia no antebraço esquerdo eram nada menos que o anúncio de uma doença terrível, a esclerose lateral amiotrófica (ELA), que o levaria a um rápido declínio e à morte.
Apesar da degradação física, foram anos de vida intelectual intensa. Piglia organizou volumes de ensaios e os deixou prontos para publicação. Gravou uma série para a TV Pública sobre o escritor Jorge Luis Borges (1899-1986) e se submeteu a ser gravado trabalhando para o documentário 327 CADERNOS, de Andrés Di Tella. Mas o mais importante foi meter-se de cabeça em seus diários, que manteve dos 16 anos até morrer. A maior parte deles, escritos à mão em cadernos da marca Congreso, estava guardada em desordenadas caixas.
DOENÇA É TRATADA COM IRONIA NOS RELATOS
O primeiro volume chega agora, com algum atraso, ao Brasil. A versão argentina foi lançada em 2015, com o autor ainda vivo. O volume chama-se ANOS DE FORMAÇÃO, e cobre sua adolescência, desde 1957 até 1967. Depois vieram OS ANOS FELIZES, que transcorrem de 1968 a 1975. No mês passado, saiu na Argentina o terceiro e último, UM DIA NA VIDA, que vai de 1976 a 1982.
Suas reflexões sobre a doença também surgem nos livros, tratadas de modo literário e com característica ironia.
Nos últimos tempos, mostrava-se lúcido, mas preso a um corpo que não o obedecia. Foi quando surgiu sua “musa mexicana”, como chamava Luisa Fernández, a filha de um colega de Princeton que o ajudou nos últimos tempos. Piglia ditava, ela escrevia. Depois, ela lia em voz alta o que pensava que ele havia dito. E os erros ou tropeços na transcrição foram sendo incorporados à narrativa.
A perspectiva do fim próximo não o assustava, ou pelo menos não há um resquício de temor nos volumes: “Sou um ferido de guerra, um veterano, vivi na Argentina e muitos de nós, meus amigos, meus camaradas, morreram no campo de batalha, jovens, com a vida por diante, feridos gravemente, mortos porque neste país os escritores, e não só os escritores, estamos sempre na zona de perigo, nos instalamos na fronteira psíquica da sociedade e de lá informamos o que se passa”.
Fonte: ZeroHora/Sylvia Colombo/Folhapress em 30/10/2017.