UMA JORNADA CINEMATOGRÁFICA PELA ITÁLIA
EM BUSCA DE FELLINI ficcionaliza história de jovem que empreende uma viagem de descobertas pela terra natal do diretor de clássicos do cinema como A ESTRADA DA VIDA.
Nancy Cartwright não tem seu rosto tão conhecido como sua voz. Foi como dubladora que a atriz norte-americana marcou seu nome na cultura pop. Seu personagem mais famoso, o endiabrado Bart Simpson, fala por ela desde que apareceu na televisão, em 1989. Mas Nancy tem uma ligação peculiar com o cinema, livremente fantasiada no filme EM BUSCA DE FELLINI, em cartaz em Porto Alegre (em dezembro). Após descobrir e se apaixonar pelos filmes do diretor italiano Federico Fellini (1920-1993), nos anos 1970, Nancy se lançou em uma aventura rumo à Itália para conhecer o cineasta.
Estreante em longa-metragem, o diretor sul-africano Taron Lexton conta essa história de forma alegórica, espelhando a jornada de Nancy na que será cumprida por Lucy (Ksenia Solo). Jovem tímida que vive na fictícia Rimini, no Estado de Ohio (referência à cidade italiana onde nasceu Fellini), Lucy foi criada de forma superprotetora pela mãe (Maria Bello), com quem passa o tempo assistindo a filmes de Frank Capra na TV, com a constante companhia da tia (Mary Lynn Rajskub), que tenta estimular a garota a sair do casulo afetivo e existencial e desbravar o mundo.
Eis que um dia Lucy acaba entrando em um cinema que promove uma retrospectiva da obra de Fellini. Ao assistir A ESTRADA DA vida (1954), vê-se em Giulietta Masina, mulher e musa do cineasta, e encara uma epifania, aos prantos, diante da tela. Mergulha então no universo felliniano, descobrindo, entre outros, clássicos como A DOCE VIDA (1960), SATYRICON (1969) e AMARCORD (1973) – bruno Zanin, que foi ator de Fellini neste último, faz uma breve participação especial na homenagem. E Lucy decide conhecer o maestro em pessoa, jogando-se na viagem em que, entre um e outro percalço, terá seu coração acelerado por tipos sedutores e passeará por Verona,Veneza e, em especial, cenários de Roma imortalizados nos filmes que tanto a arrebataram.
A narrativa é localizada em 1993, ano da morte do diretor italiano, o que reforça o tom onírico buscado por Lexton. Não apenas Lucy emula Giulietta Masina. A atmosfera e vários tipos característicos de Fellini marcam presença ao longo de uma narrativa em que o desfile de clichês e a homenagem sincera buscam um ponto de equilíbrio.
ENTREVISTA: TARON LEXTON – Cineasta
O que o inspirou na realização do filme e qual o ponto de equilíbrio que buscou entre contar uma boa história e prestar tributo ao diretor italiano?
Foi difícil encontrar o equilíbrio certo. Tínhamos de um lado a bela história real de Nancy Cartwright e, do outro, os filmes de Fellini. Não parece um ponto de encontro natural, mas descobrimos paralelos profundos entre esses dois universos. O filme fala sobre crescer e encontrar o próprio equilíbrio entre o sonho e a realidade, o que, para mim, é um tema subjacente em quase todos os filmes de Fellini. Foi um processo desafiador, mas muito gratificante, pois nos forçou a cavar profundamente em ambos os universos para ser fiel à história de Nancy e, ao mesmo tempo, honrar o legado de Fellini.
Que características fazem de Fellini um cineasta único?
Alguns podem dizer que foi seu surrealismo ou sua imaginação. Concordo que ele era imaginativo, mas acho que o que mais o destacava era ser energicamente pessoal. Seus filmes são seus sonhos, sua vida, seus demônios e suas frustrações, tudo isso explodindo na tela, no que pode parecer, para alguns, pura fantasia. Na verdade, são filmes intensamente autobiográficos. Ver os filmes de Fellini é como perscrutar sua alma. Ele adorava dizer que era um mentiroso, mas não concordo. Acho que talvez tenha siso o cineasta mais honesto de todos os tempos.
Seu filme fala sobre diferenças culturais entre EUA e Europa, como o cinema europeu ser associado pelos americanos no conceito de “arte”, de “filmes difíceis”. É assim que cineastas como Fellini seguem sendo vistos nos EUA?
Sou um grande fã do cinema mundial e dos filmes europeus em particular. No entanto, encontro muito cinismo em relação a isso e queria fazer essa abordagem no filme. Fellini é um exemplo perfeito. Seus filmes desafiam o público em vez de dar-lhe de comer. Ele exige que o público contribua para seu trabalho. Fellini assumiu que sua plateia era inteligente e capaz de emoções complexas. Acho que é assim que o cinema se torna arte. Mas isso faz algumas pessoas sentirem-se desconfortáveis. Tentamos mostrar os dois lados dessa questão.
Lucy tem uma epifania assistindo A ESTRADA DA VIDA. Você já teve sentimento semelhante em um cinema?
Certamente. Os filmes mudaram minha vida e influenciaram minha visão do mundo. Um dos meus filmes favoritos é O FABULOSO DESTINO DE AMÉLIE POULAIN (2001), de Jean-Pierre Jeunet, que me lembro de ter visto com 16 anos. Foi o momento decisivo da minha vida, em que decidi ser cineasta. Eu acho que os filmes têm o poder de influenciar as pessoas e moldar a cultura para o melhor e para o pior. Os melhores filmes nos provocam a pensar de forma diferente, a expandir nossas mentes. É algo a que aspiro com meus filmes.
TRAILER: https://www.youtube.com/watch?v=Umx1ntSzHIQ
Fonte: Zero Hora/Segundo Caderno em 18/12/2017 Por Marcelo Perrone