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O Filho de Saul: Filme de László Nemes
O Filho de Saul: Filme de László Nemes

PASSEIO PELO INFERNO

 

FAVORITO AO OSCAR DE MELHOR FILME ESTRANGEIRO, “O FILHO DE SAUL” FAZ UM RETRATO DO HORROR EM AUSCHWITZ.

 

Assistir a O FILHO DE SAUL é uma experiência quase insuportável.  O favorito ao Oscar de filme estrangeiro deste ano joga o espectador dentro do campo de extermínio de Auschwitz, mostrando o funcionamento daquela odiosa fábrica de morte durante um dia e meio.  O desafio, porém, não deve ser intimidador: o drama húngaro é uma obra-prima cinematográfica e um retrato atordoante, mas necessário de um dos episódios mais tenebrosos da história.

  

O FILHO DE SAUL entra em cartaz amanhã na Capital(RS), precedido por importantes distinções internacionais – o Grande Prêmio do Júri e o da crítica no Festival de Cannes, além do Globo de Ouro – e pela controvérsia em seu país de origem(leia abaixo).  O longa de estreia do diretor László Nemes acompanha o cotidiano de Auschwitz, em 1944, sob o ponto de vista de um personagem, o judeu húngaro Saul Asländer (Géza Röhrig), um Sonderkommando, prisioneiro obrigado a ajudar os nazistas nos afazeres do campo.  Trabalhando nas câmaras de gás, Saul depara com o corpo de um menino que ele afirma ser de seu filho.  Enquanto os companheiros preparam uma revolta, o protagonista empreende uma missão pessoal e obstinada: achar um tabino que o ajude a dar um enterro digno ao garoto.  A busca obsessiva leva Saul a percorrer praticamente todo o complexo erguido pelos alemães em território polonês – dos alojamentos aos fornos crematórios, passando pelas salas de autópsia e pelos trabalhos do lado de fora –, desvendando para o espectador a organização daquele eficiente sistema industrial genocida.

 

CLAUSTROFOBIA E CONFINAMENTO VISUAL

Como no clássico filme Vá e Veja (1985), do russo Elem Klimov, em que a destruição provocada pelos alemães ao invadir a União Soviética na II Guerra Mundial era apresentada a partir do que um jovem enxergava e escutava, O FILHO DE SAUL também busca colocar o público na pele do seu quixotesco protagonista.  A câmera está permanentemente próxima do personagem, muitas vezes às suas costas, acompanhando-o em suas perambulações pelo campo em longos planos-sequência.  A sensação de claustrofobia é reforçada pelo uso de lentes que encurtam a profundidade de campo, aproximando pessoas e objetos, e pela constante algaravia de ruídos e vozes – o filme é falado em oito línguas.  O confinamento visual, aliás, é um dos acertos da produção: ex assistente do cineasta Béla Tarr, mestre em criar requintadas imagens, o diretor Nemes maneja com sensibilidade e inteligência um recurso técnico que lhe permite ao mesmo tempo mostrar as atrocidades sem explorar sua morbidez melodramática ou sensacionalista.  Os cadáveres estão lá o tempo todo, mas comumente nas margens do quadro ou fora de foco – mais do que uma opção estética, um posicionamento ético a fim de mostrar o que ninguém gostaria de ver.

  

Outro destaque é a interpretação seca e desprovida de sentimentalismo de Röhrig, poeta húngaro que vive em Nova York, atuando pela primeira vez em um longa-metragem.  O ator consegue expressar sem alarde a dor imensa que subjaz no olhar impassível de seu personagem para o horror que o cerca.  Em sua angustiante saga pelas entranhas do inferno, Saul evoca a Antígona da tragédia grega, proibida de enterrar o próprio irmão com as devidas exéquias.  Da forma análoga, o Holocausto permanece insepulto – para muitos, é melhor esquecer ou mesmo ignorar esse incômodo féretro.  O FILHO DE SAUL é um filme que encara essa tragédia em luto permanentemente com coragem – a mesma exigida de suas plateias para assisti-lo.

 

UMA INCÔMODA VERDADE

O tema de O FILHO DE SAUL é controverso na Hungria: o governo do país colaborou com os invasores nazistas deportando judeus para os campos de concentração.  Segundo Zoltán Vági, consultor do filme, cerca de 437 mil húngaros foram enviados a Auschwitz pelas autoridades locais em oito semanas.

 

O incômodo persiste, segundo relatou em ZH a crítica Ivonete Pinto, que esteve em janeiro em Budapeste.  O FILHO DE SAUL foi visto por 100 mil pessoas na Hungria – a expectativa era de 1 milhão de espectadores.

 

O roteiro é baseado em relatos de sobreviventes e pesquisadores.  Recupera eventos verídicos, como a revolta de Sonderkommandos ocorrida em Auschwitz em outubro de 1944.  Já o nome do protagonista evoca o historiador israelense Saul Friedländer, especialista em Terceiro Reich, e outras referências: o guerreiro Saul é considerado na tradição judaico-cristã o primeiro rei de Israel; já Ausländer significa “estrangeiro” em alemão.

 

TRAILER:  https://www.youtube.com/watch?v=qXHs5jMV_eg

 

 

MEMÓRIA DO HOLOCAUSTO

Um dos assuntos que mais emocionam e sensibilizam a Academia de Hollywood, o Holocausto já rendeu clássicos tanto nos EUA quanto fora.  Foram vários os títulos sobre o tema reconhecidos no Oscar – nas categorias principais ou na de melhor filme estrangeiro, na qual a produção húngara O FILHO DE SAUL está indicada.  Foram vários, também, os longas ignorados pela Academia – o próprio VÁ E VEJA (1985), de Elem Klimov, por exemplo.  Entre os filmes que não seduziram os votantes do Oscar, estão referências sobre a II Guerra Mundial, como O GRANDE DITADOR (1940), de Chaplin, que teve cinco indicações, mas não ganhou nenhum prêmio.  E FUGA DE SOBIBOR (1987), FUGINDO DO INFERNO (1963)...

 

A lista abaixo conta apenas com produções que saíram com algum troféu na mais importante premiação da indústria do cinema.  Veja:

 

OS FALSÁRIOS (2007)

Vencedora da estatueta de melhor filme estrangeiro, esta produção austríaca narra a incrível história de um falsário judeu (Karl Markovics) que,  preso pelos nazistas, concordou em ajudar seus algozes em uma grande operação de falsificação criada para financiar os esforços de guerra.  Depois do conflito, ele fugiu e terminou a vida entre Montevidéu e Porto Alegre.  A direção é de Stefan Ruzowitzky.

 

O PIANISTA (2002)

Além de três Oscar (melhor direção, roteiro adaptado e ator, para Adrien Brody), este impactante filme de Roman Polanski ganhou a Palma de Ouro no Festival de Cannes e os principais prêmios César, o Oscar Francês.  Acompanha o inferno vivido por Wladyslaw Szpilman, famoso pianista polonês que trabalha em uma rádio de Varsóvia e precisa fugir dos alemães que ocuparam seu país.

 

O DIÁRIO DE ANNE FRANK (1959)

O best-seller que narra a vida da garota que passou quase três anos escondida com a família em Amsterdã, até ser descoberta e assassinada no campo de concentração de Bergen-Belsen, ganhou pelo menos três adaptações em Hollywood.  A mais célebre levou três Oscar, de direção de arte, fotografia e atriz coadjuvante (Shelley Winters).  George Stevens dirige, e Millie Perkins interpreta Anne Frank.

 

A VIDA É BELA (1997)

A vida não era bela nos campos de concentração, mas, neste consagrado drama italiano, o espirituoso Guido está determinado a esconder do filho Giosuè o horror no qual estão inseridos.  Escrito, dirigido e protagonizado por Roberto Benigni, o filme ganhou três Oscar, de melhor música, ator (Benigni) e longa estrangeiro.

 

A LISTA DE SCHINDLER (1993)

Steven Spielberg ganhou o Oscar (o filme levou sete troféus, incluindo o prêmio principal, em um total de 12 indicações) ao contar a história de um empresário alemão que salvou a vida de mais de mil judeus ao empregá-los em sua fábrica à época da II Guerra Mundial.  O roteiro é baseado no romance SCHINDLER’S ARK, de Thomas Keneally.  Liam Neeson, Bem Kingsley e Ralph Fiennes estão no elenco.

 

A PONTE DO RIO KWAI (1957)

Vencedor de sete Oscar, entre eles melhor filme, direção e ator (Alec Guinness), esse clássico de David Lean narra o trabalho forçado a que são submetidos prisioneiros britânicos que recebem o encargo dos japoneses de construírem, em plena selva, uma ponte de transporte ferroviário.  Estima-se que certa de 90 mil asiáticos e 16 mil prisioneiros britânicos, australianos, holandeses ou norte-americanos tenham morrido no episódio.

 

JULGAMENTO EM NUREMBERG (1961)

Maximillian Schell levou o Oscar de melhor ator por esse clássico, que também rendeu uma estatueta para o roteirista Abby Mann.  Indicado em 11 categorias no total, o longa dirigido por Stanley Kramer relembra o Holocausto a partir do último dos 12 julgamentos de líderes nazistas realizados em Nuremberg.

 

Fonte:  ZeroHora/Roger Lerina (roger.lerina@zerohora.com.br) em 03 de fevereiro de 2016.