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Francofonia, de Aleksander Sokurov
Francofonia, de Aleksander Sokurov

UM FILME PARA O MUSEU

 

Russo Aleksandr Sokurov exalta em “Francofonia” o Louvre como templo de preservação da história e da civilização.

 

Arte e poder são dois temas que interessam sobremaneira ao diretor russo Aleksandr Sokurov.  Seus filmes combinam o rigor histórico com a provocação estética.  Em FRANCOFONIA, o realizador exercita com notável habilidade essa marca autoral em uma nova exaltação à cultura clássica, como a que apresentou no monumental ARCA RUSSA (2002), um tour de force que entrou para a história do cinema por ter sido registrado em um único plano-sequência de 90 minutos.

 

Em ARCA RUSSA, Sokurov percorreu salões e corredores do Museu do Hermitage, em São Petersburgo, na Rússia, para erguer um painel histórico do seu país.  FRANCOFONIA, que entrou em cartaz em agosto no Brasil com o subtítulo LOUVRE SOB OCUPAÇÃO, tem como cenário o imponente Museu do Louvre, inaugurado em Paris em 1793 e consagrado como o mais famoso e representativo acervo da história da arte no mundo.

 

Sokurov faz uso em RANCOFONIA de um expediente engenhoso para biografar o Louvre e destacar as principais obras nele expostas.  Combina o documentário com a encenação ficcional estabelecendo como eixo narrativo a ocupação da França pela Alemanha na II Guerra, em 1940.  Destaca como personagens centrais Jacques Jaujard (1895 – 1967), diretor do Louvre à época, e Wolff Metternich (1893 – 1978), oficial nazista designado por Hitler para inventariar pinturas, esculturas e monumentos históricos dos países pilhados pelo III Reich.  Pouco antes da ocupação, as obras mais valiosas do Louvre foram escondidas nos arredores de Paris.  Metternich precisava da ajuda de Jaujard para localizá-las.  Mas um detalhe peculiar mudou o curso da história.  Com origem aristocrata, o militar alemão era amante das artes e da cultura francesa e fez o possível para postergar o envio do acervo para um destino incerto em Berlim.

 

Para percorrer o Louvre e destacar suas preciosidades, Sokurov tem três narradores: ele próprio, Marianne, imagem representativa do lema “Liberdade, Igualdade e Fraternidade” da Revolução Francesa, e Napoleão Bonaparte (1769 – 1821), que abasteceu o museu com obras importantes, muitas delas surrupiadas dos países que subjugou.  Esse paradoxo provocativo evocado pela figura de Napoleão é complementado por outra observação ácida de Sokurov sobre um tema que pisa nos calos do orgulho francês: a passividade com que parte do país encarou a ocupação nazista.

 

FRANCOFONIA é um filme carregado de beleza e simbolismos.  Sokurov oferece uma experiência cada vez mais rara de se encontrar no cinema e assina uma obra digna de figurar no museu que homenageia.

 

SOKUROV:  “O MUNDO PRECISA DA FRANÇA”

Foi em um museu que Aleksandr Sokurov rodou aquele que talvez seja seu filme mais conhecido.  ARCA RUSSA (2002) era um só plano-sequência que invadia ala por ala o Hermitage, em São Petersburgo.  O cineasta russo agora volta a um templo artístico para filmar grande parte de seu novo longa, FRANCOFONIA – LOUVRE SOB OCUPAÇÃO.

- Os dois filmes têm, sim, algo em comum: o diretor – diz Sokurov, com uma risada sarcástica, em entrevista concedida no Festival de Veneza de 2015.

 

Mas o diretor não é descortês nem econômico nas palavras.  Aliás, fala muito, assim como faz em FRANCOFONIA.  Entre o docudrama e o filme-ensaio, o longa revisita o histórico museu com foco no encontro entre um diretor do Louvre e um militar nazista, que se unem para evitar que a coleção seja danificada na II Guerra Mundial.  Mas isso é só base para um filme livre, alegórico e digressivo, que Sokurov recheia de observações pessoais sobre arte e civilização europeias:

- É uma colagem de elementos heterogêneos.  Precisava de uma solução plástica para abarcar tudo o que tinha a dizer.  Fabulei a trama em um mundo de arte, de fantasia.  Como em Guernica, de Picasso, há vários elementos distintos se movendo ao redor de coisas estáticas.  Mas é preciso dizer: não é um documentário, um longa histórico ou um filme “de opinião”.

 

Mesmo sem pretender “opinar” sobre seu objeto de estudo, Sokurov deixa entrever grande paixão pela cultura francesa – o filme poderia se chamar FRANCOFILIA:

- Se você presta atenção ao impacto, à contribuição que essa cultura teve sobre as artes, verá o quanto o mundo precisa da França.  Somos dependentes dessa cultura como um viciado depende de drogas.

 

Artista inquieto e apreciador de artes, Sokurov abomina a produção mais contemporânea, sobretudo pós-pop art:

- Muitos artistas parecem cegos para as cores.  Deveriam estar pintando paredes.  Estão perdendo a consciência de tanto sentir o cheiro da tinta.  Mas é muito difícil ser pintor em um mundo que já teve (Hieronymus) Bosch, El Greco e tantos outros.

 

A não ser pelas próprias ousadias estéticas e pelo apego à tecnologia em sua câmera, Sokurov parece desconfortável diante do mundo contemporâneo – será por isso que se sente tão à vontade em museus?  Vê atônito a política externa das grandes nações (“Ninguém se senta à mesma mesa!”), mas não se prende ao passado – até por achar que, de certo modo, ainda vivemos nele.

 

Historiador por formação, teoriza:

- A história fica em seu lugar: segue fixa no tempo.  A II Guerra ainda hoje recomeça.  Nenhum problema ali foi resolvido.  Há décadas estamos no mesmo tempo presente, contínuo.  Infelizmente.

 

Fonte:  Bruno Ghetti/Folhapress/Veneza, Itália

 

TRAILER:  https://www.youtube.com/watch?v=K3CyAbJ4IjU

 

 

Fonte:  ZeroHora/Marcelo Perrone (marcelo.perrone@zerohora.com.br) em 19/08/2016.