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E o Vento Levou: de Victor Fleming
E o Vento Levou: de Victor Fleming

E O VENTO (NÃO) LEVOU

 

Jornalista trata de um clássico da Sétima Arte que completa 80 anos neste domingo (em 15 de dezembro)

 

Neste 15 de dezembro, completam-se 80 anos da estreia de E O VENTO LEVOU em Atlanta (Geórgia) – cidade onde se passa a maior parte da história, ocorrida pré e pós-Guerra Civil americana (1861-1865). Mesmo que para o público jovem do século XXI os amores e desventuras de Scarlett O’Hara (Vivien Leight), Rhett Butler (Clark Gable), Ashley Wilkes (Leslie Howard) e Melanie Hamilton (Olivia de Havilland) possam parecer datados e melodramáticos, o filme é um clássico. E os números de E O VENTO LEVOU são superlativos. Com a atualização monetária, acredita-se que seu custo de produção poderia chegar a 200 milhões de dólares; sua arrecadação, a 4,4 ou 6 bilhões. Seria, portanto, o filme mais rentável da história. Ganhou oito Oscars, entre os quais: Filme, Diretor (Victor Fleming, um dos quatro realizados envolvidos no projeto) e Atriz (Vivian Leight). Dois prêmios eram inéditos: o de Atriz Coadjuvante, dado a Hattie MacDaniell (Mammy, a babá de Scarlett), o primeiro para um intérprete negro; e o póstumo, na categoria Roteiro Adaptado – Sidney Howard, um dos cinco nomes envolvidos no script (que incluiu até um dos mais famosos romancistas americanos, Scott Fitzgerald).

 

O livro, do qual o filme é uma adaptação bastante fiel, foi um fenômeno popular. Escritas pela jornalista Margaret Mitchell, as 1;069 páginas de E O VENTO LEVOU foram publicadas pela Editora MacMillan em junho de 1936. Na semana de seu lançamento, o produtor David O. Selznick comprou os direitos de filmagem por uma soma jamais paga para livro de autor estreante (50 mil dólares), sem imaginar que a obra venderia 136 mil exemplares só naquele ano. E, mesmo sem a qualidade LITERÁRIA DE UM Hemingway, a prosa fluente de Mitchell venceu o Prêmio Pulitzer e o National Book Award em 1937.

 

O ALGODÃO E OS EUA

 

O Sul dos Estados Unidos descrito por Margaret Mitchell em E O VENTO LEVOU tinha, às vésperas da Guerra Civil, sua base socioeconômica alicerçada no tripé grande propriedade/trabalho escravo/plantação de algodão. Os EUA eram o maior exportador mundial desse produto, o qual representava 50% dos negócios do país no exterior. Contudo, metade da renda dos 11 estados sulistas que formariam os Estados Confederados da América após Lincoln decretar a abolição dos 4,5 milhões de escravos existentes no país ficava nas mãos de cerca de 1.000 pessoas.

 

É dessa reduzida elite de plantadores de algodão que Margaret Michell trata na primeira parte de seu romance, localizado no Condado de Clayton, Geórgia. Uma visão em grande parte idealizada, na qual elegantes damas e cavalheiros seguem um rígido código de etiqueta e de conduta moral, tendo os escravos quase como “membros da família”. É esse o mundo que “o vento levou”, destruído por uma guerra que matou 620 mil pessoas (seis milhões hoje) – mais do que todos os conflitos nos quais os EUA se envolveram desde a Independência (1776) até a Coreias (1950). O estático “Velho Sul” rural é substituído pelo dinamismo do comércio e da indústria, os quais alteraram os costumes e a ética do passado, mas que possibilitaram, a reconstrução econômica da região. Nesse sentido, a transformação da fútil Scarlett O’Hara que ela era aos 16 Anos na negociante inescrupulosa que se tornou até os 28 é o retrato dessa transformação.

 

Essa história de prosperidade, decadência e superação corresponde ao que os EUA experimentaram nos anos anteriores e posteriores à publicação do livro. Nos anos 20, o país cresceu 42%. Com o Crack da Bolsa de Nova Iorque em 1929, porém, veio a Grande Depressão. Quando o democrata Franklin Roosevelt assumiu a presidência em 1933, 40% dos bancos haviam falido. As exportações e a produção industrial chegaram ao ponto mais baixo daquela década. O desemprego atingia um em cada quatro trabalhadores. O New Deal de Roosevelt, caracterizado pela maior intervenção do Estado na economia, obteve melhorias extraordinárias nestes números nos anos que se seguiram, mas, entre 1937 e 1938, houve uma pequena retração das atividades econômicas. Foi exatamente nestes anos, aliás, que a venda de E O VENTO LEVOU atingiu um milhão de exemplares (dois milhões após o lançamento do filme). E a economia dos EUA voltaria a se expandir com a entrada da II Guerra Mundial (1941).

 

 

O QUE FALTOU NO FILME

 

O aspecto mais polêmico do livro de Mitchell, o qual foi suprimido do filme, é a defesa da Ku Klux Klan. A autora diz que a KKK foi criada para a proteção das pessoas “de bem”, vítimas da ação salteadora dos negros libertos. Outro aspecto que é alvo de críticas, tanto no livro quanto no filme, é justamente o enfoque da escravidão. Os negros aparecem até como colaboradores do Exército Confederado durante o cerco de Atlanta, quando se sabe que fugiam em massa no final da guerra.

 

O ponto central do livro, contudo, não transparece claramente no filme; já que imagens não se equiparam aqui a 1.000 palavras. Ele está sugerido no primeiro parágrafo da obra, no qual é dito que o rosto de Scarlett O’Hara era uma mistura desarmônica entre os traços delicados da aristocrática mãe de origem francesa (Ellen) e as feições carregadas do pai empreendedor irlandês (Gerald). É explícita ao longo do livro a tensão entre a contida dama sulistas tradicional que Scarlett almeja ser e o temperamento sanguíneo e prático que ela de fato tem. Conflito este que se traduz no amor que cultiva pelo aristocrata intelectual e sonhador Ashley Wilkes, ao mesmo tempo em que experimenta uma perturbação inexplicável para ela diante da figura de Rhett Butler – o qual “cheirava a tabaco, cavalos e uísque”, odores associados a Gerald O’Hara. Considerando-se, então, o final da história, pode-se dizer que E O VENTO LEVOU também trata da jornada interior de Scarlett para a descoberta de sua verdadeira identidade. Enfim, ainda que se possa apontar qualquer insuficiência no filme, vale celebrar E O VENTO LEVOU. Pois, ele permanece um ícone do cinema mundial e o produto mais bem-acabado da Era de Ouro de Hollywood.

 

 

Fonte:  Correio do Povo/CS/Carlos Augusto Bissón/Jornalista em 14/12/19