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Literatura LGBT+
Literatura LGBT+

IGUALDADE NA VIDA E NOS LIVROS

 

Literatura LGBT, representada por autores que se preocupam em levantar a voz de minorias, ganha espaço no mercado

 

Alvo recente de tentativa de censura e discriminação, o público leitor LGBT+ tem ganhado espaço gradativamente ao longo dos anos. Autores e personagens de orientações sexuais não normativas têm marcado presença em livros dedicados a informar, representar e, acima de tudo, mostrar que gays, transexuais, lésbicas e tantas outras pessoas dessa comunidade vivem questões inerentes a qualquer ser humano.

 

O premiado autor Samir Machado de Machado é uma dessas vozes. Seu romance HOMENS ELEGANTES (Rocco, 2016), vencedor do Açorianos, retrata um fiscal da alfândega brasileiro enviado à Londres de 1760 para investigar uma rede de contrabando de livros eróticos da Europa para o Brasil colonial. Na viagem, conhece Gonçalo, jovem fascinado pela culinária, por quem se apaixona.

- Minha principal preocupação foi a de escrever uma história de aventura com protagonista gay que seguisse os clichês das tramas históricas de “capa-e-espada”, mas adaptando-os a um personagem LGBT+ - explica Samir.

 

Uma das inspirações para a narrativa foi uma passagem do livro AS HORAS, de Michael Cunningham, em que dois personagens discutem “se o público aceitaria uma história de ação com um herói gay”. Samir ressalta que as atuais obras LGBT+ se destacam por trazerem visões de mundo realistas, sem sexualização exagerada, e debatendo assuntos como bullying, o medo da aceitação e outras inquietações que falam diretamente a jovens leitores:

- Me empolga ler a produção de novos autores, de uma geração mais nova, explorando questões com uma liberdade e um autoconhecimento que eu queria ter na idade deles. Se eu tivesse os livros do Vitor Martins na minha adolescência, teria economizado uma fortuna em terapia – diz Samir, 38 anos, referindo-se ao autor de QUINZE DIAS (Globo Alt, 2017), narrativa sobre um menino gordo que vive uma paixão platônica por um vizinho durante as férias escolares.

 

RELAÇÕES LÍQUIDAS

 

Mais do que uma tentativa de questionar o protagonismo, a literatura LGBT+ tem se tornado símbolo de algo essencial para uma população que precisa de informação. As questões relacionadas às descobertas, à primeira vez e, principalmente, às relações amorosas voláteis da modernidade são alguns dos pontos levantados por autores como Tobias Carvalho, gaúcho que venceu o Prêmio Sesc de Literatura 2018 com sua obra de estreia AS COISAS (Record, 2018).

 

Ao todo, são 23 contos fictícios em que Tobias se apropria de elementos que viveu mesclando-os com histórias que ouviu de conhecidos. Em uma delas, um jovem usuário de aplicativos de encontros segue até Viamão para transar com um rapaz com quem conversou. Há também o diálogo vazio de um primeiro encontro, um jovem que se propõe a fazer uma “macumba” para fazer outro garoto se apaixonar por ele e até a visita a uma sauna  gay. É um fiel retrato da nova geração, que cresce insegura sobre descobertas e diferentes criações familiares.

- Não acho que haja nada de militante, de proselitista. Tento mostrar como é a vida dessas pessoas. As questões estão dadas, as pessoas se relacionam sem culpa. É um livro de relações livres: as pessoas que só queriam transar – pontua Carvalho, formado em Relações Internacionais pela UFRGS.

 

OLHANDO PARA O OUTRO

 

Outra preocupação comum nos autores é mostrar as visões do outro diante de uma pessoa LGBT+. Em AMORA (Não Editora, 2015), a gaúcha Natalia Borges Polesso traz essa questão em vários dos 34 contos. EM Flor; Flores, Ferro Retorcido, o ponto de vista é de uma criança que não entende por que os pais chamam uma vizinha lésbica de “machorra”. A criança acredita se tratar de uma doença.

- Ela está tentando entender a palavra que os adultos não conseguem explicar, que vai nomear de forma insultuosa. Fui pensando em histórias que não só retratassem problemas com sexualidade, mas trouxessem outros conflitos – destaca Natalia, doutora em Teoria da Literatura pela PUCRS.

 

Atualmente, AMORA está indo para a sétima edição, chegando a quase 10 mil exemplares vendidos, e venceu a categoria Contos e Crônicas do 58º Prêmio Jabuti, em 2016.

- A definição dos personagens foi quase como um bingo: uma idosa, uma casada, uma bissexual. Mas não deu certo. Precisei desenvolver para que não fossem lésbicas estereotipadas e sexualizadas. Tinham de ser completas – detalha Natalia.

 

EDITORAS TÊM BUSCADO A PLURALIDADE

 

Tentativa de Censura na Bienal impulsionou vendas das editoras, que já vinham apostando no segmento nos últimos anos.

 

Uma das primeiras grandes iniciativas editoriais voltada para o público LGBT+ foi a Hoo, fundada em 2015 em São Paulo. A visibilidade conseguida pela casa levou outras editoras a dedicar selos específicos ao tema (como o GLS, do grupo Summus) ou a simplesmente colocar no horizonte de seus catálogos livros para os vários tipos de públicos enquadrados sob a sigla LGBT+, das grandes casas comerciais até publicadoras mais artesanais.

 

Com sete títulos publicados relacionados à representatividade, a Rico Editora viu seus números saltarem digitalmente durante a Bienal do Rio. Após a tentativa de censura do prefeito Marcelo Crivella (PRB), a publicadora optou por liberar as obras de forma gratuita na Amazon.

 

A ação teve resultado imediato: mais de 65 mil downloads em menos de uma semana de livros como o drama adolescente QUEM RABISCOU AQUI?, de Cínthia Zagatto ou a antologia #ORGULHO DE SER.

- Muita gente que nunca tinha ouvido falar da Rico tomou conhecimento do nosso trabalho graças à ação. O número de downloads foi maior do que estávamos esperando e observamos crescimento nas nossas redes sociais, bem como nas vendas dos livros impressos – explica Thati Machado, editora do selo Se Liga da Rico Editora, voltado à diversidade.

 

Para os próximos meses, a editora se prepara para lançar mais títulos, como TODAS AS FORMAS DE AMAR, de Dane Diaz, protagonizado por uma mulher bissexual, e TRANSDERELLA, de Lino, uma releitura da história da Cinderela sendo trans. Essa preocupação partir da própria representante da publicadora, que sentia falta de estar presente na literatura.

- Como mulher gorda e LGBT+, sempre senti falta de me ver representada nas histórias que lia e nos filmes a que assistia. Isso fazia eu me sentir errada, como se precisasse mudar quem eu era para poder protagonizar histórias incríveis. Os livros que edito e publico no Se Liga passam a mensagem contrária – aponta Thati.

 

A censura na Bienal serviu de alerta para as editoras, principalmente as maiores, já que os catálogos LGBT+ ainda estão sendo ampliados. Em 2016, a Rocco lançou títulos como LEMBRA AQUELA VEZ, do americano Adam Silvera, finalista na categoria romance juvenil do Prêmio Lambda, mais tradicional do segmento de literatura LGBT+. A editora também pôs em circulação o drama de um adolescente que quer ser um a menina em A ARTE DE SER NORMAL, de Lisa Williamson.

 

A Rocco comentou o caso da Bienal. “A editora acredita que foi um ato isolado do prefeito do Rio, mas que ficará atenta a qualquer movimento que vise a proibição de qualquer livro, independente de seu conteúdo, que não seja analisado por quem de direito”, informou a editora, em nota.

 

INCENTIVO

 

Nas outras companhias literárias, a situação envolvendo a HQ com o beijo gay de dois Vingadores jovens foi um tiro que saiu pela culatra. Segundo o jornal Folha de S. Paulo, a editora Planeta viu as vendas aumentarem 73% em relação à última Bienal, e a maior procura foi por obras com tema LGBT+.

- Temos umas duas dezenas de livros claramente relacionados a temáticas LGBT, mas, dependendo dos critérios empregados, esse número poderia subir para 50 ou até 100 títulos. Acreditamos que a diversidade é essencial para o catálogo de qualquer editora de qualidade. Ficamos preocupados com este momento e esperamos que atos como estes (o da censura) não voltem a acontecer – explica Cassiano Elek Machado, diretor editorial da Editora Planeta.

 

Tudo isso serve como incentivo para as próximas ações.

- Continuaremos fazendo o que sempre fizemos: lutar por uma literatura mais inclusiva e diversa – finaliza Thati, da Rico Editora.

 

LIVROS QUE PÕEM AS MINORIAS EM DEBATE

 

Além de representatividade e identificação, outro tema que tem sido frequente na atual literatura LGBT+ são exemplos de vida. Samuel Gomes colocou a própria história no blog Guardei no Armário, transformado em um livro homônimo em 2016. Sabendo que era gay desde quando tinha seis anos (por saber de seu sentimento em relação a amigos), ele retrata sua adolescência até chegar à fase adulta com a igreja evangélica como pano de fundo.

- Aos 15 anos, me batizei na igreja, que está na minha família há muito tempo. Fiquei lutando contra isso por um tempo. Quando entrei na faculdade comecei a ter visão do mundo: não sou uma abominação – lembra.

 

Gomes aborda os medos existenciais da adolescência – o de não conseguir se encontrar e o de sentir-se “diferente”. A solidão, comum no processo de se assumir, também entra no texto:

- Os amigos de LGBTs se esquecem de perguntar como é esse processo, porque é algo que marca a trajetória da pessoa pelo resto da vida. Falo também da vida sexual do homem negro gay. Além disso, falo dos pais; quando o filho sai do armário, são eles que entram.

 

Além do livro e do blog, Samuel também realiza palestras pelo Brasil falando de sua história.

- Precisamos ter livros LGBTs. Se foi o LGBT ou não que escreveu, não interessa, mas que o leitor não deixe de comprar porque o personagem é LBGT. Assim a pessoa deixa de aproveitar uma grande experiência – conclui.

  

Leia uma lista de obras LGBT+ em:

https://gauchazh.clicrbs.com.br/cultura-e-lazer/livros/noticia/2019/09/jovem-gay-negro-e-de-igreja-evangelica-conta-historia-de-vida-em-livro-conheca-este-e-outros-titulos-ck0mzwp0g06m401tg9vdp3p78.htm

 

Fonte: Jornal Zero Hora/Segundo Caderno/Júlio Boll (julio.boll@zerohora.com.br) em 17/09/19