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Monteiro Lobato, Sua Obra em Domínio Público
Monteiro Lobato, Sua Obra em Domínio Público

O ANO DE MONTEIRO LOBATO

 

Obra do criador do SITIO DO PICAPAU AMARELO entra em domínio público e volta a circular em diferentes projetos.

 

Este é o ano em que Monteiro Lobato (1882-1948) passará a ser visto com outros olhos. Com a chegada de 2019, toda a obra do escritor paulista, criador do SITIO DO PICAPAU AMARELO, entra em domínio público, e qualquer editora tem agora liberdade para lançar seus títulos infantis e adultos – na íntegra ou em adaptações – sem a necessidade de pagar direitos autorais. Segundo a legislação brasileira, direitos autorais estão protegidos por 70 anos a partir do ano subsequente à morte do autor – a de Monteiro Lobato completou 70 anos em 4 de julho de 2018.

 

Boa parte dos especialistas no estudo de Monteiro Lobato não estão preocupados com edições descuidadas ou oportunistas. Ao contrário, estão curiosos para ver as representações do SITIO DO PICAPAU AMARELO se multiplicarem. Isso porque, apesar do texto cair em domínio público, as ilustrações clássicas dos livros do autor seguem reservadas. Ou seja, muitos editores devem procurar novos ilustradores para comporem seus lançamentos.

 

O designer gráfico Magno Silveira está otimista quanto às possíveis novidades. Silveira é responsável pela pesquisa iconográfica das edições de Lobato pela Biblioteca Azul, selo da Globo Livros, que recupera ilustrações clássicas do SITIO;

- Foram aqueles ilustradores do período de 1920 a 1948 que sacramentaram em nossa mente a Emília, o Visconde, o Pedrinho… toda a turma. Eram artistas acostumados com a linguagem da publicidade e dos periódicos, sabiam como concentrar expressões corporais e faciais de modo a torná-las inesquecíveis. Deixaram seu legado. Agora creio que os horizontes serão ampliados, poderemos ter surpresas boas em novas imagens.

 

A Biblioteca Azul, que já vinha publicando a obra de Lobato antes de 2019, pretende lançar mais duas aventuras do SÍTIO ao longo do ano: A CHAVE DO TAMANHO e PICAPAU AMARELO. Pelo menos mais três editoras já confirmaram que vão publicar suas edições da obra infantojuvenil de Lobato: Companhia das letras, Sesi-SP e L&PM Editores.

 

O primeiro título a sair pela Companhia será REINAÇÕES DE NARIZINHO, iniciando uma coleção coordenada por Marisa Lajolo, referência muito conhecida nos estudos sobre Lobato. Marisa também planeja lançar pela editora, até fevereiro, REINAÇÕES DE MONTEIRO LOBATO, escrito por ela e a historiadora Lilia Schwarcz. Trata-se de uma biografia do escritor voltada para crianças. Segundo Marisa, escrever para o público infantil não foi empecilho para tratar de temas densos e às vezes até polêmicos, como as acusações de racismo sofridas pela obra de Lobato nas últimas décadas:

- Demos a palavra a Lobato, para ele contar sua própria história, conversando o tempo todo com os leitores. O maior desafio foi modular o tom do narrador. Como Lobato falaria com crianças de hoje? Como ele comentaria as polêmicas sobre sua obra? Como falar do Brasil de Lobato, um Brasil tão antigo, com crianças de hoje? Gostamos muitos das discussões e aprendizagens que escrever o livro no proporcionou.

 

ILUSTRAÇÕES DE ARTISTAS BRASILEIROS E PORTUGUESES

 

A gaúcha L&PM já está distribuindo às livrarias 10 títulos do SÍTIO, em formato pocket. A coleção, que poderá ser ampliada, começou a ser projetada em 2017 e conta com ilustrações de Gilmar Fraga, artista gráfico de Zero Hora.

- Eu me inspirei em ilustradores clássicos do SÍTIO, como Belmonte e André Le Blanc, e também na série de televisão, que faz parte da minha formação. Tudo isso também se mistura com referências mais modernas que trago comigo – afirma Fraga.

 

Até agora, o projeto mais ambicioso divulgado é o da Sesi-SP Editora. O grupo deve lançar toda a obra infantojuvenil de Lobato, compiladas em 27 edições, entre fevereiro e julho. Com a pretensão de conquistar leitores também fora do Brasil, a editora convidou ilustradores brasileiros e portugueses para compor o trabalho. Cada livro contará com imagens originais de um ilustrador diferente.

- A fabulação de Lobato é magistral e se perpetua no tempo pela criatividade, inventividade e força inconteste na construção dos personagens. Acreditamos que existe agora um retorno ou um esforço para que se retome a fabulação na formação da criança e do adolescente para fazer frente ao pragmatismo da tecnologia e das novas mídias – explica Rodrigo de faria e Silva, diretor editorial da Sesi-SP.

 

CLÁSSICOS NO TOM DA POLÊMICA

 

Monteiro Lobato foi alvo de controvérsia em razão de trechos de sua obra entendidos como manifestações de racismo, mas relançamentos devem preservar textos originais.

 

Com a obra de Monteiro Lobato entrando em domínio público neste ano de 2019, o que não muda é o potencial polêmico desses trabalhos. Na última década, os livros do escritor paulista foram algumas vezes acusados de estimular preconceitos. O romance adulto O PRESIDENTE NEGRO ou O CHOQUE DAS RAÇAS (1926), por exemplo, impressionou leitores contemporâneos depois de ganhar nova edição, em 2008, pela Globo, por conta do racismo e da misoginia aparentes no texto – cartas divulgadas posteriormente, em que Lobato declarava sua admiração pela eugenia, serviram para reforçar que o escritor não estava sendo irôico ou isento na ficção.

 

Não foi apenas a obra adulta que passou por acusações de preconceito. Em 2010, CAÇADAS DE PEDRINHO (1933) foi denunciada por seu teor racista pelo Conselho Nacional de Educação, pois Tia Nastácia era comparada com animais, como macaco e urubu, por outros personagens. Depois disso, o Supremo Tribunal Federal chegou a receber pedidos para que o livro fosse retirado das listas de leitura escolar obrigatória. Por conta da polêmica, algumas edições passaram a contar com notas explicativas discutindo a questão.

 

TEXTOS DE APRESENTAÇÃO CONTEXTUALIZAM VISÃO DO AUTOR

 

Entre as editoras que já anunciaram o interesse em reeditar Monteiro Lobato, apenas a Sesi-SP contém CAÇADAS DE PEDRINHO no rol de títulos previstos. O volume, que deve sair em maio, não terá cortes ou adaptações no texto original, e contará com um texto de apresentação, escrito por Tâmara de Abreu, pesquisadora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. - Os textos originais foram mantidos sem qualquer alteração, pois seria inapropriado interferir em textos clássicos da literatura. A obra de Lobato deve ser lida e apreciada no que diz respeito à sua capacidade de gerar fabulação e à sua originalidade. Quanto às questões polêmicas, a editora acredita que é preciso situar a obra de Monteiro lobato no tempo e no espaço, ajudando o leitor a compreender o momento em que foi produzida. Na coleção da Sesi-SP Editora, isso foi feito do texto de apresentação – explica o diretor editorial Rodrigo de Faria e Silva.

 

Marisa Lajolo, professora especialista em Monteiro Lobato, coordena as edições do autor programadas pela Companhia das Letras para 2019. A primeira será REINAÇÕES DE NARIZINHO, que reproduz literal e integralmente o texto da última edição revisada pelo escritor. No entanto, ela não condena editores que pretendem modificar o texto original.

- Talvez alguns lançamentos policiem, reescrevendo ou omitindo, passagens consideradas politicamente incorretas. Mas não acho que seja oportunismo ou descuido. O próprio Lobato reescrevia muito seus livros, muitas vezes tirando deles passagens consideradas desrespeitosas para certos grupos. A primeira edição da história de Narizinho tinha uma cena que satirizava sacramentos católicos, e o episódio desapareceu das edições posteriores. Também o Jeca tatu passou, de caipira preguiçoso, a trabalhador rural sem-terra. Ou seja, Lobato se reinventou e se reescreveu ao longo de toda a vida. O que, em meu ponto de vista, é louvabilíssimo e exige muita coragem – diz Marisa, que deve lançar em fevereiro a biografia REINAÇÕES DE MONTEIRO LOBATO, escrito por ela e a historiadora Lilia Schwarcz.

 

Para Gilmar Fraga, responsável pelas ilustrações de uma coleção de 10 volumes do Sítio recém-lançada pela L&PM Editores, o trabalho dos ilustradores também pode colaborar para tornar as obras mais inclusivas;

- Sempre que possível, destaquei Tia Nastácia nas ilustrações. É um modo de dar uma resposta gráfica a qualquer preconceito que pode estar contido nos textos.

 

Fonte: Zero Hora/Segundo Caderno/Alexandre Lucchese (alexandre.lucchese@zerohora.com.br) em 02/01/2019