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Sérotonine, de Michel Houellebecq
Sérotonine, de Michel Houellebecq

SEROTONINA: HOUELLEBECQ EM PAUTA

 

Zilá Bernd, professora e crítica analisa o novo livro do escritor francês, lançado em janeiro, pela Flammarion

 

Michel Houellebecq acaba de lançar, em janeiro deste ano, pela editora Flammarion, de Paris, seu mais recente romance, intitulado SÉROTONINE (Serotonina).  Não é preciso lembrar o imenso sucesso de vendas de seus livros. É só dar uma olhada em Paris, em livrarias, quiosques e bancas de revistas, estações de trem e de metrô, farmácias etc. e lá está SÉROTONINE em exposição, ocupando lugar de destaque.

 

Mesmo os que como eu consideram o autor como misógino, sexista, depressivo e por vezes sinistr5o, cedem ao apelo publicitário, que inclui além da grande tiragem, discussões sobre a obra nos principais canais de TV e outras mídias.

 

Vale a pena ler esse livro? É o que se perguntam críticos, comentaristas, professores de literatura e escritores. Algo há nesse autor esquisitão, que agora não concede mais entrevistas nem tece comentários sobre seus próprios livros, que causam fascínio e repulsa ao mesmo tempo. Fascínio pelo caráter majestoso de sua escritura e repulsivo pelas passagens de pornografia gratuita como a que descreve a companheira do narrador-protagonista em cenas de prática de sexo múltiplo inclusive com animais. Se a pornografia pode ser transgressora e subversora de leis e valores da sociedade, ela pode ser também, como parece ser o caso aqui, antifeminista e sexista.

 

Há que considerar o conjunto de sua obra, que consiste em oito romances publicados, traduzidos em 42 línguas e com tiragem de cerca de 800 mil exemplares só no mundo francófono, e que já mereceu o Prix Goncourt de 2010, talvez o mais prestigiado prêmio literário francês. Além disso, o autor foi recentemente agraciado com a Légion d’Honneur, no grau de Chevalier, pelo presidente Emmanuel Macron, em função da relevância de sua produção e do grande impacto causado pelo conteúdo sempre polêmico de seus livros. Aos 63 anos, Houellebecq é reverenciado por um imenso número de admiradores e especialistas em literatura que consideram que sua obra se iguala à dos maiores escritores que a França já produziu como Balzac, Malraux, Modiano...

 

SEROTONINA, QUE ESTARÁ SENDO LANÇADO EM JUNHO NO Brasil pela Alfaguara, tem 347 páginas e aparece quatro anos após o lançamento do também polêmico SUBMISSÃO, lançado em 2015 pela mesma editora. Cabe refazer o questionamento dos comentaristas literários franceses: vale a pena ler esse livro que começa com o narrador falando desse “pequeno comprimido branco, oval e frágil”, que é “serotonina”, e finaliza, 347 páginas depois, mencionando o mesmo comprimido?

 

Enfant terrible das letras francesas, Houellebecq faz uma longa exposição sobre o que é a serotonina: um neurotransmissor produzido no tronco encefálico, sendo um regulador do sono, do humor e do apetite. Trata-se de uma substância química que pode estar ligada a casos de depressão ou distúrbios afetivos, quando houver diminuição da produção de serotonina. O que está em questão é a descoberta de uma última geração de serotonina sintética – chave do prazer e da felicidade. Essa nova geração de antidepressivos favorece a liberação da serotonina e permite ao paciente sua integração a uma vida “normal” sem os riscos que ocorriam no uso de comprimidos da geração anterior, causadores potenciais de suicídio e/ou de automutilação. Em contrapartida, o novo comprimido pode ter efeitos colaterais importantes como a perda da libido e a impotência.

 

Como nos romances anteriores, encontramos aqui personagens desencantados, em situações-limite diante do fracasso de seus ideais de juventude, desiludidos diante de um mundo cada vez mais desprovido de solidariedade e compaixão. Seria a fotografia da França contemporânea com seres atormentados pelo consumismo, perdidos diante de um liberalismo desenfreado. Sobre esse estado de coisas o autor lança um olhar crítico e iconoclasta, mas ao mesmo tempo visionário na medida em que descreve uma revolta de agricultores na região da Normandia, que poderia ser a previsão do levante atual os gillets-jaunes.

 

Vale a pena sim conferir e penetrar a obra de |Michel Houellebecq: se ele percebe o desencantamento do mundo, ele também percebe a necessidade de seu reencantamento. Conclui que a serotonina nada cria nem transforma: ela fornece uma nova interpretação da vida “menos rica, mais artificial e rígida; ela não fornece nenhu8ma forma de felicidade, nem mesmo de real alívio” (p. 346). Assim, os comprimidos brancos, ovais e frágeis ajudam os homens a “não morrer durante um certo tempo” (p. 346).

 

Fonte: Correio do Povo/CS/Zilá Bernd/Professora da Universidade LaSalle. Bolsista de pesquisa CNPq em 01/06/19