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Walden: A Vida nos Bosques, de Henry David Thoreau
Walden: A Vida nos Bosques, de Henry David Thoreau

SER FELIZ É TUDO QUE SE QUER / HENRY DAVID THOREAU

 

BUSCA OS PRAZERES DA NATUREZA

 

Você quer a felicidade e você não sabe onde buscá-la? Henry David Thoreau (1817-1862) indica sem hesitação o local a ser procurado para sentir o “calor vital”: o mato. Mata, bosque, floresta, campo, natureza. Escolha o termo que preferir. De que modo viver para ter uma chance de ser feliz? Simples. Muito simples mesmo: com simplicidade. “Simplicidade, simplicidade! Digo: ocupai-vos de dois ou três afazeres, e não de cem ou mil; contai meia dúzia em vez de um milhão e tomai nota das receitas e despesas na ponta do polegar… Simplificar, simplificar. Em vez de três refeições por dia, se for preciso, comer apenas uma; em vez de cem pratos, cinco; e reduzir proporcionalmente as outras coisas”.

 

Essa é uma passagem feliz de seu livro WALDEN: A VIDA NOS BOSQUES, que se tornou um clássico e influenciou a formação de uma consciência ecológica. Nascido na pacata Concord, em Massachusetts, nos Estados Unidos, Thoreau teve uma trajetória um tanto excêntrica. Fez parte do grupo de transcendentalistas do poeta e moralista Ralph Waldo Emerson, um pessoal que acreditava em vida intensa depois da morte e numa existência serena e prudente até morrer. Preso por se recusar a pagar impostos a um país escravagista, os Estados Unidos da América, atolado numa guerra injusta contra o México, Thoreau aproveitou a experiência de uma noite na cadeia, de onde saiu depois do pagamento da fiança por uma tia sua, para escrever um panfleto. “A DESOBEDIÊNCIA CIVIL” (1848), que o tornou mundialmente famoso, a ponto de seu inspirado ensaio ser indicado por um certo Leon Tolstói a um cara que ficaria conhecido como Gandhi.

 

Abolicionista, anarquista, solitário, influenciado por ideias de Confúcio, indignado, voluntarista, insubmisso, mas disciplinado, defensor de índios, cujas aldeias visitava sem o menor temor, adepto da ideia de que o melhor governo é o que menos governa”. Henry David Thoreau acreditava que para bem viver menos pode ser mais. Dos transcendentalistas ele guardou o gosto, que também trazia da infância, pela vida rural e pelos céus infinitos. WALDEN, A VIDA NOS BOSQUES, resultado dos dois anos que passou retirado no mundo num pedaço de terra pertencente a Emerson tocaria o coração de gente saturado de razão e ciência, da geração beat aos hippies, de anticapitalistas ferrenhos a idealista sem luta contra o tecnologismo, o industrialismo e a sociedade do consumismo.

 

Thoreau teve uma incursão no mundo da educação. Queria que as crianças fossem ensinadas de maneira lúdica. Logo se desentendeu com o diretor do estabelecimento, um defensor da sagrada autoridade dos mestres e de uma metodologia tradicional na época: bater nos alunos. Só um louco anarquista podia se levantar contra um princípio tão sensato e responsável! Um maravilhoso louco que, à margem do lado Walden, só “queria viver em profundidade e sugar toda a medula da vida, viver tão vigorosa e espartanamente a ponto de pôr em debandada tudo que não fosse vida”.

 

Borboleta no ombro

 

Poeta sem a intenção formal de escrever poemas, Thoreau fez frases que ainda funcionam como pistas no tortuoso caminho em busca da felicidade que ele queria simplificar como uma linha feita a lápis. Pode ser chamado de piegas? “A felicidade é igual a uma borboleta, quanto mais você corre atrás mais ela se afasta. Daí um dia você se distrai e ela pousa no seu ombro”. Pode ser rotulado de irrealista? “Quem avança confiante na direção de seus sonhos e se empenha em viver a vida que imaginou para si encontra um sucesso inesperado em seu dia a dia”. Não passa de um frasista empolgado? “Se você já construiu castelos no ar, não tenha vergonha deles. Estão onde devem estar. Agora, dê-lhes licerces”.

 

Se de Pascal a Benrham se faz o elogio do trabalho, do estar ocupado, Thoreau defende o descanso, “seria glorioso ver uma única vez a humanidade desocupada, ataca a obsessão pelo “trabalho, trabalho, trabalho”, ironiza o produtivismo: “Se um homem gasta a metade de cada dia a passear pelas florestas simplesmente por gostar delas, arrisca-se a ser considerado um preguiçoso, mas se ele gasta o dia inteiro como especulador, devastando a floresta e provo ando a calvície precoce da terra, aí então ele ganhará a admiração dos seus concidadãos como pessoa ativa e empreendedora. Pode uma cidade se interessar por suas florestas apenas para acabar com elas?” Ele não vê felicidade em apenas ganhar a vida, “é preciso que tal ato seja atraente e glorioso”. Como ser feliz escravizado a trabalhos insossos? Serão sábios os “sábios” da labuta?

 

Bom provocador, ele pergunta sem rodeios: “Como pode alguém ser sábio se não consegue viver melhor que outros homens?” Sobra para os gregos: Platão ganhava a vida melhor do que seus contemporâneos: “Terá sido apenas pela indiferença ou pela empáfia que ele aparentemente prevaleceu sobre alguns deles. Ou será que sua vida foi mais fácil pelo fato de uma tia sua ter se lembrado de incluí-lo entre os seus herdeiros?” Descansa em paz, Platão. A questão da morte está acima da filosofia. As possibilidades de saber como sabemos atingiram talvez seus limites. A discussão dos valores foi do absoluto ao relativo e a moral virou ética. Resta à filosofia se ocupar da felicidade. Nada é mais importante e atual.

 

- Quer ser feliz?

 

Thoreau não recomenda, sugere: caminhe, com ou sem as próprias pernas, pois “uma caminhada é o empreendimento e a aventura do dia”.

 

Fonte: Correio do Povo/CS/Juremir Machado da Silva em 05/01/2019