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Texto Literário e Texto Não Literário
Texto Literário e Texto Não Literário

Texto Literário e Não Literário

 

Imaginemos que, na comunicação cotidiana, alguém nos diga a seguinte frase:

 

— Uma flor nasceu no chão da minha rua!

 

Conforme as circunstâncias em que é dita, isso é, de acordo com a situação da fala, entendemos que se refere a algo que realmente ocorreu. Corresponde a um fato anterior ao seu enunciado e de fácil comprovação. Mesmo diante de sua transcrição escrita, o que nela se comunica basicamente pertence.

 

Num ou noutro caso, para veicular essa informação, o nosso interlocutor selecionou uma série de palavras do idioma que é comum e, de acordo com as regras que presidem o seu funcionamento e que todos conhecemos, as dispôs numa sequência. A seleção feita e a sucessão estabelecida conferem à frase uma significação que pode ser submetida à prova da verdade em relação à realidade imediata. Como é fácil concluir, é isso que acontece ao nos comunicarmos no dia a dia do nosso convívio social.

 

A nossa frase exemplo depende também, como ato linguístico que é, da gesticulação e da entoação que a acompanharem ao ser enunciada; por força, entretanto, de sua situação nesse conjunto e da associação com as demais afirmações que ela se vinculam, abre-se para um sentido múltiplo, ganha marcas de ambiguidade: no contexto do fragmento transcrito e da totalidade do poema de que faz parte “ A flor e a náusea”, de Carlos Drummond de Andrade, podemos entender essa flor como esperança de mudança, por exemplo.

 

Uma flor nasceu na rua!

 

Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.

 

Uma flor ainda desbotada

 

Ilude a polícia, romper o afasto.

 

Façam completo silêncio, paralisem os negócios,

 

Garanto que uma flor nasceu.

 

Sua cor não se percebe.

 

Suas pétalas não se abrem.

 

Seu nome não está nos livros,

 

É feia. Mas é realmente uma flor.

 

 

Percebemos, desde logo, que estamos diante de uma utilização especial da língua que falamos. O ritmo que caracteriza o texto, a natureza do que se comunica e, ao chegar até nós por escrito, a distribuição das palavras no espaço do papel justificam essa conclusão.

 

A nossa frase exemplo depende também, como ato linguístico que é, da gesticulação e da entonação que a acompanharem ao ser enunciada; por força, entretanto de sua situação nesse conjunto e da associação com as demais afirmações que ela se vinculam, abre-se para um sentido múltiplo, que ganha marcas de ambiguidade: no contexto do fragmento transcrito e da totalidade do poema de que faz parte “ A flor e a náusea” de Carlos Drummond de Andrade, podemos entender que essa flor como esperança de mudança, por exemplo. Mas esse sentido que o texto a ela confere não produz nenhuma realidade imediata; nasce tão somente do próprio texto. A flor dessa rua deixa de ser um elemento vegetal para alcançar-se à condição de símbolo, ganha uma significação que vai além do real concreto e que passa a existir em função do conjunto em que a palavra se encontra. É claro que os versos remetem uma realidade dos homens e do mundo, mas para além da realidade imediatamente perceptível e traduzida no discurso comum das pessoas. É o que acontece com essa modalidade de linguagem, a linguagem da literatura, tanto na prosa como nas manifestações em versos.

 

Na prosa, por exemplo, podemos encontrar a palavra flor em outro contexto linguístico e com outro sentido, que lhe é conferido exatamente por essa nova circunstância: trata-se do romance Memórias póstumas de Brás Cubas, em que o termo aparece numa afirmação vinculada a um famoso personagem criado pelo escritor: “Uma flor, o Quincas Borba”².

 

Ai está um conteúdo inteiramente distinto do que se configura no poema drummondiano e que só pode ser entendido de maneira plena quando a frase é considerada na totalidade do romance em que se insere. É possível perceber a estreita relação entre dimensão linguística e a dimensão literária que envolve a significação das palavras quando estas integram o sistema semiótico que é o texto literário.

 

FALA OU DISCURSO é, no uso cotidiano, um instrumento da informação e da ação.

 

Vincula-se a uma verdade de correspondência.

 

A significação das palavras, nesse caso, tem por base o jogo de relações configuradas do idioma que falamos.

 

O mesmo não acontece com um discurso literário. Esse irá encontrar a serviço da criação artística.

 

O texto da literatura é um objeto de linguagem ao qual se associa uma representação de realidades físicas, sociais e emocionais mediatizadas pelas palavras da língua na configuração de um objeto estético. O texto repercute em nós na medida em que revela marcas profundas de psiquismo, coincidentes com ar que em nós se abriguem como seres sociais. O artista da palavra, coparticipe da nossa humanidade, incorpora elementos dessa dimensão que nos são culturalmente comuns. Nosso entendimento do que nele se comunica passa a ser proporcional ao nosso repertório cultural, na condição de receptores e usuários de um saber comum.

 

O discurso literário traz, em certa medida, a marca da opacidade: abre-se a um tipo específico de descodificação ligado à capacidade e ao universo cultural do receptor.

 

Já se percebe o alto índice de multissignificação dessa modalidade de linguagem que, de antemão, quando com ela travamos contato, sabemos ser especial e distinta da modalidade própria do uso cotidiano. Quem se aproxima do texto literário sabe a priori que está diante de manifestação da literatura.