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Antonio Vieira e a Parenética Religiosa
Antonio Vieira e a Parenética Religiosa

A Parenética em António Vieira

O movimento artístico barroco

–   Séculos XVI -XVIII

–   O nome do movimento

  • Criação posterior
  • O barroco como “pérola imperfeita”.
  • Para os neoclássicos, a arte barroca era exagerada e de mau gosto; deveria ser combatida pelo apelo ao equilíbrio e à harmonia.

 

O barroco foi um movimento artístico iniciado no século XVI, cujo alcance dá-se até o século XVIII.

 

O termo barroco é posterior ao movimento e foi criado pelos neoclássicos, ferrenhos opositores da arte barroca. Ao chamarem àquela arte barroca, fazem-no de modo pejorativo e referem-se a um tipo de pérola imperfeita.

 

Para os neoclássicos, a arte barroca era exagerada e de mau gosto; deveria ser combatida pelo apelo ao equilíbrio e à harmonia, como proposto pelo neoclassicismo, no século XVIII.

 

O crítico literário Massaud Moisés, em Literatura Portuguesa, identifica, em Portugal, o início do período barroco pelos marcos da morte de Camões e do começo da União Ibérica. Já o crítico Antônio Saraiva, em Introdução à Literatura Portuguesa, percebe como especificidade do movimento barroco português a confluência entre o estilo da escolástica medieval e o estilo classicista italiano.

 

Moisés, em Literatura Portuguesa (2003) identifica o movimento pela:

 

“Luta por conciliar o claro e o escuro, a matéria e o espírito, a luz e a sombra, no esforço de anular pela unificação a dualidade básica do Homem dividido entre os apelos do corpo e da alma”.

 

O esforço de conciliação presente no barroco, como aludido por Moisés, não se resolve, mas mantém-se em torno de um modo de expressão artística construído na tensão entre duas forças opostas: o teocentrismo e o antropocentrismo. Esta tensão foi potencializada pela Reforma e pela Contra-Reforma, o que criou uma aporia que será o cerne das manifestações barrocas.

 

São geradas percepções do mundo fundadas no choque entre o espírito e a matéria, o pecado e a virtude, o eterno e o fugaz, em um enfrentamento que não se resolve, mas antes agrega os opostos, e que se torna uma marca forte da mentalidade e da arte barroca.

 

Um elemento importante da expressão barroca é o discurso engenhoso. Diz respeito à habilidade do artista e ao domínio das convenções poéticas. De acordo com Saraiva (1999), ao discurso engenhoso:

 

“Interessava menos a representação do real do que a arte criada pelo puro engenho. A agudeza, mãe do engenho, não se confunde com o juízo, que serve para discriminar o verdadeiro do falso” (p.73).

 

É possível inferir, a partir da fala de Saraiva, o afastamento proposital da realidade no discurso engenhoso.

 

Ao poeta engenhoso, cabe ter agudeza, ou seja, engenho.  A agudeza é demonstrada pelo domínio da linguagem e pelo diálogo com os códigos artísticos estabelecidos, como, por exemplo, a criação de cadeias de imagens correspondentes, o paralelismo, a correspondência entre dois elementos diferentes, por imagens simétricas ou contrastantes, o emprego da hipérbole, o preciosismo das imagens e o falar com propriedade, isto é, usando as palavras mais adequadas possíveis para o que se deseja exprimir.

 

Cabe ressaltar que o discurso engenhoso já se encontrava na produção anterior ao barroco, em novelas de cavalaria, no Cancioneiro Geral de Garcia de Resende e, até mesmo, na poesia lírica e épica camoniana, por exemplo.

 

Alguns tratados de poética criados no século XVII dedicaram-se ao estudo e à proposição da agudeza. Dentre eles, destaca-se Agudeza de Arte do Engenho, do espanhol Baltasar Grácian, que demonstra como a poesia engenhosa afasta-se da realidade, ao expressar-se por dois estilos: o gongorismo, também conhecido como cultismo, e o conceptismo.

 

O Cultismo também é chamado de gongorismo pela referência ao castelhano Gôngora, o principal poeta identificado a este estilo, que se se expressa pelo emprego abundante de metáforas e de imagens. Objetiva descrever objetos “raros e luminosos” (SARAIVA, 1999, p. 74) e, assim, levar o leitor à surpresa e ao conhecimento.

 

A escrita cultista (ou gongorista) é enfeitada, rebuscada e cheia de pompa. Há o uso exagerado de figuras de sintaxe, propositalmente.

 

Por sua vez, o conceptismo, cujo principal representante é o poeta espanhol Quevedo, é um estilo caracterizado pela tessitura de jogos de pensamento e de conceitos pautados na lógica e na razão. Por essa via discursiva, intentava conceituar aspectos da realidade.

 

Portanto, o cultismo e o conceptismo são estilos opostos. Contudo, é incorreto pensar a sua absoluta exclusão, pois, em algumas obras, ambos encontravam-se interpenetrados.

 

Destarte, era comum entre alguns autores barrocos a alternância, em suas obras, de poemas cultistas e conceptistas.

 

A parenética em António Vieira

Antônio Vieira nasceu em 1608 e foi educado na Bahia, em um ambiente culturalmente incipiente. Viveu durante o reinado de Dom João IV e tornou-se jesuíta, além de alto funcionário da monarquia portuguesa.  

 

Vieira tinha plena ciência do poder do Mercantilismo. Segundo Alfredo Bosi, em Dialética da colonização (1996, p.120), Vieira, ao contrário do poeta baiano Gregório de Matos:

 

“Sabia que a máquina mercante viera para ficar, irreversível e inexorável. E que, sendo inútil lastimar a sua intrusão nos portos da Colônia, importava dominá-la imitando os seus mecanismos e criando, na esfera do poder monárquico luso, uma estrutura similar que pudesse vencê-la na concorrência entre os impérios”.

 

A palavra literária foi fundamental para essa tentativa de domínio, em um contexto no qual era preciso, ainda, posicionar-se contra o crescimento da Reforma Protestante, na condição de jesuíta, mas, ao mesmo tempo, questionar os desmandos e os excessos dos processos de inquisição da própria igreja da qual participava.

 

A produção literária de Antônio Vieira foi profusa; dentro dela destacam-se a epistolografia e a parenética religiosa.

 

Para saber mais clique e leia o texto “António Vieira e a parenética religiosa”, de Jorge de Souza Araújo, disponível em:

 

Os sermões de Vieira foram instrumentos expressivos da reflexão de Vieira sobre questões de seu tempo, inclusive as mais polêmicas, como o tratamento dado aos indígenas brasileiros e aos cristãos-novos, isto é, aos judeus recém-convertidos ao catolicismo.

 

Sermão é a interpretação de um texto religioso, retirado de uma obra considerada sagrada. A citação do texto precede ao início do sermão.

 

Na produção parenética de Vieira, a questão do engenho está presente. A expressão da agudez em seus sermões é organizada por elementos como o esforço de criação de cadeias de imagens correspondentes, o uso da hipérbole e as imagens representadas com precisão.

 

Além disso, os seus sermões primam pela procura da escrita com propriedade, buscando encontrar os termos apropriados para o que se deseja expor.

 

O estilo adotado para a construção do discurso engenhoso, por Vieira, é claramente o conceptista. Há, ainda, uma oposição profunda ao cultismo, visto pelo autor como um discurso fútil, manipulador e nocivo.

 

Um sermão cujo texto demonstra explicitamente a condenação do estilo cultista por Vieira é o “Sermão da Sexagésima”:

 

“Já que falo contra os estilos modernos, quero alegar por mim o estilo do mais antigo pregador que houve no Mundo. E qual foi ele? O mais antigo pregador que houve no mundo foi o Céu. Suposto que o Céu é pregador, deve ter sermões e deve ter palavras. E quais são estes sermões e estas palavras do céu? – As palavras são as estrelas, os sermões são a composição, a ordem, a harmonia e o curso delas. O pregar há de ser como quem semeia, e não como quem ladrilha ou azuleja.

 

Não fez Deus o céu em xadrez de estrelas, como os pregadores fazem o sermão em xadrez de palavras. Se de uma parte está branco, de outra há de estar negro; se de uma parte está dia, de outra há de estar noite? Se de uma parte dizem luz, da outra hão de dizer sombra; se de uma parte dizem desceu, da outra hão de dizer subiu. Basta que não havemos de ver num sermão duas palavras em paz? Todas hão de estar sempre em fronteira com o seu contrário?”

 

No texto anterior, Vieira critica um elemento específico da agudeza oriundo do cultismo: o uso de proporções contrastantes obtidas pelo emprego de antíteses, responsável pelo “sermão em xadrez de palavras”.

 

Apesar de sua aderência aos princípios da agudeza, típicos do universo artístico barroco, a parenética em Vieira sustenta-se em uma linguagem herdada da escolástica, semelhante aos dos sermões de Santo Antônio de Lisboa, no século XIII.

 

Alguns sermões escritos por Vieira não apresentam todas as três partes, como o “Sermão da Primeira Sexta-Feira da Quaresma”, que não possui a peroração.

 

No que toca à interpretação, Vieira também segue a tradição escolástica, que prevê quatro sentidos para o texto:

• Literal ou histórico

• Alegórico

• Moral (Referente ao comportamento na vida terrena)

•Anagógico (Referente à vida após a morte terrena)

 

Antônio Saraiva defende em sua obra que os modelos de interpretação escolástica serviam como “um ótimo pretexto para o exercício do engenho e da agudeza” (1999, p. 76). Logo, a estrutura rígida da exegese medieval não se contrapôs ao exercício barroco da escrita engenhosa, mas amalgamou-se a este.

 

Outro ponto de interseção entre o universo medieval e da Época Moderna, em Vieira, ocorre na mescla das alegorias bíblicas ao pensamento mercantil, como notou Alfredo Bosi, presente em seu modo de interpretação.

 

Esse processo interpretativo é potencializado pelo domínio do latim e da língua portuguesa, por Vieira. Como exemplo desse domínio, Saraiva cita uma passagem do “Sermão da Sexagésima”, na qual o autor reflete sobre a própria natureza do sermão:

 

“Para o sermão vir nascendo há de três modos cair: há-de cair com queda, há-de cair com cadência, há-de cair com caso”. No trecho citado, o autor trabalha com a comparação de três palavras, “cair”, “queda” e “cadência” e organiza uma rede comparativa de significados alusivos aos modos de proferir o sermão.

 

A escolha dos termos dá-se por conta dos três serem derivados da palavra latina cadere, que significa cair, o que exemplifica o veio engenhoso e conceptista de Vieira.

 

Apesar do domínio da linguagem parenética e do emprego do discurso engenhoso, os sermões de Vieira não se deram apenas como um exercício reflexivo; com eles, o autor intentava promover mudanças concretas e chamar à ação, como podemos perceber no trecho do “Sermão do Terceiro Domingo do Advento”:

 

“A verdadeira fidalguia é a ação.

O que fazeis, isso sois, nada mais”.

 

A questão do desejo de agir expõe uma contradição fundamental no discurso panerético de Vieira: a construção de argumentos universais, mas que objetivava atingir, de modo particular, a nobreza e o clero portugueses, como pontua Alfredo Bosi (1997).

 

A questão do desejo de agir expõe uma contradição fundamental no discurso panerético de Vieira: a construção de argumentos universais, mas que objetivava atingir, de modo particular, a nobreza e o clero portugueses, como pontua Alfredo Bosi (1997).

 

Essa contradição era um grande desafio retórico para o padre, mas que ele consegue superar, por exemplo, no “Sermão da Epifania”, pregado na capela Real, no Maranhão, uma das localidades da colônia que mantinha a escravidão indígena. Vieira aproveitou a presença do rei e do infante para expor um discurso antiescravocrata, buscando na exegese da bíblia os seus argumentos, estratégia clássica da escolástica.

 

Assim, citou a passagem do novo testamento sobre a visita dos reis magos ao menino Jesus para pregar a condição universal dos seres humanos como filhos de Deus, acusando, por isto, até mesmo a Igreja Católica, que permitirá a escravidão sobre o pretexto de guerra justa (1997, p. 136).

 

A escravidão africana também tocou a parenética de Vieira, em sermões sobre o rosário. A escolha deu-se por conta das Irmandades de Nossa Senhora do Rosário, formada apenas por negros.

 

No “Sermão XIV do Rosário”, também estudado por Bosi em Dialética da Colonização, Vieira, pelo jogo de agudeza em torno de uma rede analógica, centrada no paralelismo entre o sofrimento dos escravos e a paixão de Cristo:

 

“Em um engenho sois imitadores de Cristo Crucificado: porque padeceis em um modo muito semelhante o que o mesmo Senhor padeceu na sua cruz, e em toda sua paixão. A sua cruz foi composta de dois madeiros, e a vossa em um engenho é de três (...) Cristo despido, e vós despidos; Cristo sem comer, e vós famintos; Cristo em tudo maltratado, e vós maltratados em tudo”.

 

O sermão levava uma mensagem de esperança à plateia que o assistira, formada por homens negros, da Irmandade do Rosário onde o pregava, e mostrando a sua indignação frente a uma sociedade na qual a cobiça dos homens atiça uma desigualdade social que feriria os princípios naturais, cristãos e lógicos, o que provocou a confissão da perplexidade do orador, também demonstrada em outro sermão para uma Irmandade de negros, o vigésimo sétimo:

 

“Comparo o presente com o futuro, o tempo com a Eternidade, o que vejo, com o que creio, e não posso entender, que Deus que criou estes homens tanto à sua imagem e semelhança, como os demais, os predestinasse para dois infernos, um nesta, vida, outro na outra.”

 

Por fim, destacamos outro ponto importante nos sermões de Vieira: a distância existente entre o texto do sermão e a sua prática efetiva. Cabe lembrar: apenas temos acesso parcialmente aos textos dos sermões, pois só podemos lê-los, de modo que nos escapa a presença do orador, a inflexão de sua voz  e os seus gestos. Afora isso, muitos dos sermões por nós conhecidos foram redigidos posteriormente às declamações, com a inserção ou exclusão de trechos.

 

O Sebastianismo nos livros de Vieira

A produção de Vieira abarca obras proféticas, nas quais retoma o mito do sebastianismo.

 

O sebastianismo é um mito messiânico e centrado na previsão da volta de Dom Sebastião, o jovem rei português, cujo corpo desapareceu na batalha de Alcácer-Quibir.

 

Como Dom Sebastião não deixou herdeiros, o trono português transferiu-se para o domínio espanhol. Em meio à crise instalada pelo domínio espanhol, surgiram em Portugal o mito sebastianista e a esperança do retorno de Dom Sebastião, que fundaria o Quinto Império português.

 

Na visão de Vieira, o Quinto Império começaria quando Cristo voltasse à Terra, o que ocorreria junto à vinda do Messias judeu, que seria Dom João IV.

 

Desse modo, Vieira estabeleceu uma analogia entre os hebreus e os portugueses. O fato revela algo instigante: além da fabulação, as profecias tinham um cunho pragmático: a defesa do retorno dos judeus portugueses ao país e, consequentemente, do capital que possuíam.

 

Portanto, as profecias sebastianistas de Vieira eram uma tentativa de ação política consciente, e não apenas fruto de uma mente fantasiosa. Um importante leitor das profecias de Vieira foi Fernando Pessoa. Em seu livro, Mensagem, o poeta empreendeu a releitura do mito sebastianista e do Quinto Império, tendo como uma de suas fontes a obra messiânica do escritor.