LITERATURA BRASILEIRA
O Barroco - Contexto: Tensões e Expressões
Sobre a Idade Média
Para compreender a complexidade do período Barroco, antes devemos retroceder no tempo e tentar compreender os anseios do homem dos séculos XVI e XVII. Esse olhar para o passado contemplará com mais atenção a sociedade européia e a sua história, tendo em vista a sua força- matriz impondo-se sobre a nossa situação colonial.
Para compreender a complexidade do período Barroco, antes devemos retroceder no tempo e tentar compreender os anseios do homem dos séculos XVI e XVII. Esse olhar para o passado contemplará com mais atenção a sociedade européia e a sua história, tendo em vista a sua força- matriz impondo-se sobre a nossa situação colonial.
Do século XI ao século XV, a Europa viveu o que se chamou de Idade Média. Esse período foi marcado por grandes transformações. O feudalismo, sistema social e econômico, estava consolidado a esse tempo. Isso significa dizer que a sociedade medieval era dividida em estamentos: os nobres, o clero e os servos. E, por isso, quase não havia possibilidade de ascensão social.
O Clero = Os servos trabalhavam para os senhores feudais e, em troca, esses concediam a segurança contra invasores.
Os Servos = O clero detinha grande poder, pois não havia uma divisão entre Estado e igreja a esse tempo. Dessa forma, cabia-lhe o papel de apaziguar os ânimos dos camponeses, caso tentassem revoltar-se contra o sistema.
Idade das Trevas?
Durante muito tempo, ouviu-se chamar esse período de Idade das Trevas.
No entanto, essa expressão é equivocada e preconceituosa, já que o período foi também marcado, entre outros fatos, pela criação das Universidades e pela preservação dos escritos da Grécia e Roma antigas por monges copistas.
Renascimento
Ao fim da Idade Média, a Europa conheceu um movimento chamado Renascimento. Da Itália para toda a Europa, o movimento manteve características comuns, como a valorização da Antiguidade clássica, a recuperação dos modelos estéticos gregos e romanos, o prestígio do equilíbrio e da razão. No entanto, em países em que o espírito medieval estava mais arraigado, como Portugal e Espanha, a absorção das ideias novas ganhou matizes diferenciados.
Os diferentes cenários
Os países da Península Ibérica conhecem o apogeu no século XVI, devido à centralização política e econômica precoce, pelo conhecimento de técnicas de navegação e por ter obtido investimento estrangeiro.
A Península Ibérica é formada pelos territórios de Gibraltar (britânico), Portugal, Espanha, Andorra.
O Brasil não vivenciou o feudalismo, pois, como sabemos, no período medieval o nosso país não tinha sido encontrado pelos colonizadores ainda. Na idade Média, os indígenas ocupam o protagonismo histórico em nossas terras: vivíamos as leis e os costumes das tribos que aqui habitavam.
A CRONOLOGIA DAS MUDANÇAS
Após 1500, pouco a pouco, Portugal estabelecia no Brasil a relação metrópole-colônia que viria a se prolongar até 1822. Pelo Pacto Colonial, obrigava-se a Colônia a não produzir mercadorias que viessem a concorrer com os produtos da Metrópole, bem como a comercializar apenas com essa última.
- A partir de 1530, inicia-se a colonização com a expedição de Martim Afonso de Sousa, com o objetivo de deter as invasões de franceses e holandeses, povoar as terras e cultivar cana-de-açúcar. Para tanto, o país foi dividido em capitanias hereditárias, cuja posse foi concedida a nobres portugueses, que tinham o direito de explorar a terra, mas deveriam proteger seu território, bem como povoar e plantar cana-de-açúcar.
- O sistema das capitanias, no entanto, não obteve sucesso. Portugal, em 1549 institui o primeiro Governo-Geral, a cargo de Tomé de Sousa. O governador foi sucedido por Duarte da Costa e Mem de Sá, cujo fim do mandato se deu em 1572.
A aliança entre Portugal e Inglaterra
Foi no período dos Governos Gerais que Salvador, na Bahia, passou a ser capital do Brasil, devido ao desenvolvimento da região, bem como pela localização favorável ao envio dos produtos à Europa, já que é uma cidade litorânea.
O monopólio comercial estabelecido entre Portugal e Brasil passou a ser um prolongamento da relação entre Inglaterra e Portugal. Os dois países fizeram uma aliança, por meio da qual o primeiro oferecia apoio militar e diplomático, mas exigia que o governo português abrisse os portos de seu país e das colônias para os produtos manufaturados produzidos pelos ingleses.
Essa aliança torna Portugal dependente comercialmente, politicamente e economicamente da Inglaterra.
A Sociedade Brasileira
No Brasil, a sociedade do período açucareiro era dividida em três classes sociais: os senhores de engenho, detentores do poder político e econômico; as camadas médias, constituída pelos profissionais liberais, comerciantes, religiosos e militares; os escravos, principalmente negros de origem africana.
Você poderia se perguntar: por que preciso saber de história para estudar literatura?
Quando estudamos as obras de uma determinada época, é importante ter conhecimento sobre a contexto social em que viveram os artistas, bem como entender as referências a fatos e personagens. Isso nos auxilia a interpretar e analisar os textos, pois a literatura reflete os anseios do homem de uma determinada época.
Ao analisarmos uma obra literária, até mesmo a ausência de referência à realidade circundante pode auxiliar a compreender os seus sentidos.
A Reforma Protestante X Contra-Reforma
Como vimos, os séculos XVI e XVII mudaram a paisagem econômica e política do planeta. As relações sociais acompanharam essas mudanças.
A Igreja, como instituição social importante dessa época, sofreu grandes abalos e procurou adaptar-se aos novos tempos. A partir de 1517, um monge alemão chamado Martin Lutero propôs o debate sobre as indulgências católicas e promoveu um movimento de grande proporções, a ponto de fazer romper a Igreja Católica romana. Esse movimento foi conhecido como Reforma.
Abalada pela Reforma, a Igreja católica perdeu um grande número de fiéis para outras religiões, em decorrência disso criou um movimento chamado Contra-Reforma.
Ecos do Barroco
Expressão cunhada por Alfredo Bosi, que em História concisa da literatura brasileira, distingue dois momentos nesse período:
“a) ecos da poesia barroca na vida colonial (...) b) um estilo colonial-barroco nas artes plásticas e na música, que só se tornou uma realidade cultural quando a exploração das minas permitiu o florescimento de núcleos como Vila Rica, Sabará, Mariana, São João d’El Rei, Diamantina, ou deu vida nova a velhas cidades quinhentistas como Salvador, Recife, Olinda e Rio de Janeiro.” (BOSI, A. História concisa da literatura brasileira. 41.ed..São Paulo: Cultrix, 2003. p.35)
O BARROCO
A Europa, nesse período, será sacudida por uma série de guerras de perseguição religiosa de uma e de outra parte; criando um clima de medo e insegurança, percebido nas obras de arte da época.
Após a recuperação do privilégio da razão que trouxe o homem ao centro de interesse e discussão, provocada pelo Renascimento, a sociedade se vê abalada pelo medo, pela dúvida e pelas incertezas quanto à fé, à transcendência da alma, à finalidade da vida. Esse período recebeu o nome de Barroco.
A Literatura Brasileira
A literatura brasileira será inaugurada, por assim dizer, nesse período histórico. Não vivenciamos o Barroco em concomitância com a Europa, mas recebemos aqui os ecos do movimento, que encontrará no Brasil três vozes: Bento Teixeira, Padre Antônio Vieira e Gregório de Matos Guerra.
O sentimento do homem barroco
O painel de azulejos ao lado se encontra no no claustro do Convento de São Francisco, em Salvador.
Sobre ele, encontra-se a inscrição “A morte é certa”.
Perceba que, na fila, encontram-se pessoas de todo tipo: o nobre (o homem com a coroa), o camponês (o que está com a pá), mulheres e crianças. Em outras palavras, a morte é certa para todos, não há escapatória.
A morte é representada pela figura cadavérica que distribui moedas a pessoas, organizadas em um fila.
Após receberem a moeda, todos se encaminham para a barca.
Veja que, nessa representação, temos a inequívoca certeza de que todos nos igualamos na morte. Essa é a mensagem transmitida pelo painel.
Essas pessoas estão mortas e suas almas precisam da moeda para entregar ao barqueiro Caronte (veja ao fundo da imagem) ― figura mitológica ― que as levará ao reino dos mortos.
O Barraco na visão de Afrânio Coutinho
A morte é tematizada pelo barroco com muita frequência porque o homem dessa época sentia-se dividido entre a salvação da alma pela fé e a satisfação dos anseios da carne. A angústia dessa dúvida coloca-o em tensão permanente, refletida nas obras de arte.
A literatura no período Barroco
Na literatura, a tensão é traduzida mediante o emprego de figuras de linguagem, como antítese, paradoxo, hipérbole, sinestesia, metáfora e metonímia. Mas vale mencionar também o vocabulário rebuscado, hermético, que recobre a violência de um estado de alma em permanente conflito.
Na Europa, duas poéticas foram percebidas nessa época, no interior do Barroco: o cultismo e o conceptismo.
CULTISMO
Entende-se por cultismo o jogo de palavras, proveniente do uso excessivo de figuras de linguagem. Trata-se de influência do poeta espanhol Luís de Gôngora, por isso também denominamos gongorismo esse aspecto do Barroco. Na poética de Gregório de Matos, observamos traços dessa tendência.
CONCEPTISMO
Por conceptismo, compreende-se a poética atribuída a Francisco Quevedo, cuja principal característica é o jogo de ideias, expressso por meio de silogismos. Os sermões de Padre Antônio Vieira apresentam bons exemplos da influência quevedista.
Duas poéticas: Cultismo e Conceptismo
Vamos ler?
Nasce o Sol, e não dura mais que um dia,
Depois da Luz se segue a noite escura,
Em tristes sombras morre a formosura,
Em contínuas tristezas a alegria.
Porém se acaba o Sol, por que nascia?
Se formosa a Luz é, por que não dura?
Como a beleza assim se transfigura?
Como o gosto da pena assim se fia?
Mas no Sol, e na Luz, falte a firmeza,
Na formosura não se dê constância,
E na alegria sinta-se tristeza.
Começa o mundo enfim pela ignorância,
E tem qualquer dos bens por natureza
A firmeza somente na inconstância.
Gregório de Matos
Sermão da Sexagésima (trechos)
Entre o semeador e o que semeia há muita diferença. Uma coisa é o pregador, e outra o que prega. O semeador e o pregador, é nome; o que semeia e o que prega, é ação; e as ações são as que são ser ao pregador. Ter nome de pregador, ou ser pregador de nome, não importa nada; as ações, a vida, o exemplo, as obras, são as que convertem o mundo. O melhor conceito que o pregador leva ao púlpito é o conceito que de sua vida têm os ouvintes. Antigamente convertia-se o mundo: hoje por que não se converte mais ninguém?
Porque hoje pregam-se palavras e pensamentos; antigamente pregavam-se palavras e obras. Palavras sem obras são tiro sem bala; atroam, mas não ferem. A funda de David derrubou ao gigante; mas não o derrubou com o estalo, senão com a pedra. Para falar ao vento bastam palavras; para falar ao coração são necessárias obras.
[...]
Eis aqui o que devemos pretender nos nossos sermões; não que os homens saiam contentes de nós, senão que saiam muito descontentes de si; não que lhe pareçam bem os nossos conceitos, mas que lhes pareçam mal os seus costumes, as suas vidas, o seu passatempo, as suas ambições, e enfim todos os seus pecados. Contanto que se descontentem de si, descontentem-se embora de nós.
O marco inicial do Barroco no Brasil
Como sabemos, os nossos autores sofreram a influência da literatura ibérica e, por isso, podemos afirmar que houve “ecos do Barroco” na literatura brasileira, uma vez que não havia aqui a configuração de um movimento, propriamente dito.
É considerado o marco inicial do Barroco no Brasil a publicação de Prosopopéia, em 1601, de Bento Teixeira. Assunto de nossa próxima aula, juntamente com a análise dos sermões de Padre Antônio Vieira.
Ecos do Barroco
Expressão cunhada por Alfredo Bosi, que em História concisa da literatura brasileira, distingue dois momentos nesse período:
“a) ecos da poesia barroca na vida colonial (...) b) um estilo colonial-barroco nas artes plásticas e na música, que só se tornou uma realidade cultural quando a exploração das minas permitiu o florescimento de núcleos como Vila Rica, Sabará, Mariana, São João d’El Rei, Diamantina, ou deu vida nova a velhas cidades quinhentistas como Salvador, Recife, Olinda e Rio de Janeiro.” (BOSI, A. História concisa da literatura brasileira. 41.ed..São Paulo: Cultrix, 2003. p.35)