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Preconceito Linguístico
Preconceito Linguístico

 

 A noção de erro para a Sociolinguística;

 

 A questão do preconceito linguístico.

 

“As pessoas tratam a língua como algo pronto. Mesmo aqueles que defendem a pureza do idioma sabem que a língua é um ser movimento, é moldada pelos falantes. Ela está  em constante movimento, mas, ainda assim, seu sistema continua organizado, o que permite que consigamos nos comunicar. A língua é, na verdade, mais guiada pelos seus usuários do que guia.”

 

(Adaptado de As palavras inventadas, Luiz Costa Pereira Júnior, p.18-22, Revista Língua Portuguesa, Ano III, no 29, 2008).

  

A Relação entre Língua e Sociedade

“Os m/ê/ninUs foram buscá a r/ô/pa correndo.”

“Os m/é/ninUs foram buscá a r/ô/pa correndo.”

“Os m/i/ninU foi buscá a r/ô/pa correNO.”

 “Os m/é/ninUs foram buscá a r/ô/pa correndo.”

 

“Os meninos foram buscar a roupa correndo.” e, após analisar o modo como a sentença foi produzida por cada uma das personagens, assinale a forma correta.

 

O que podemos concluir da atividade proposta? Há uma forma “correta” de se produzir a sentença oralmente? O que fez você julgar que uma forma era “melhor” que outra? Quem são os indivíduos que produziriam a sentença como o personagem 2? Como o personagem 3? Para responder a essas perguntas, vamos discutir alguns assuntos importantes.

 

Voltando à atividade proposta INÍCIO, todos nós conseguimos entender o que as personagens queriam dizer. Reconhecemos que, apesar de a sentença ter sido escrita de uma forma – segundo os padrões normativos – tivemos diferentes modos de produção oral.  

 

Analisando as produções orais da sentença “Os meninos foram buscar a roupa correndo.”, somos capazes de perceber algumas semelhanças e diferenças. Vimos, por exemplo, que todas as personagens:

 

A) produziram os elementos linguísticos na mesma ordem (sujeito + verbo);

 

B) utilizaram os fonemas da Língua Portuguesa;

 

C) usaram os mesmos itens lexicais (menino, roupa).

 

A análise do modo como a sentença foi produzida nos possibilita perceber que há aspectos em comum (a supressão do –r do infinitivo - “buscá”) e aspectos distintos (variação na pronúncia da palavra “menino”; concordância verbal – “os meninos foram”/ “os menino foi”) na produção oral das personagens.

 

Sabemos que a comunicação é fundamental para a vida em uma sociedade. Por isso precisamos compartilhar o mesmo código, ou seja, a mesma língua. Vimos que a língua apresenta variações que podem ocorrer em função do grupo, da região geográfica, do contexto.

 

Desse modo, reconhecemos que há variedades de uso da língua. No entanto, analisando essas variedades, percebemos que há muitos elementos gramaticais e lexicais que são comuns a elas. Por isso, todos os indivíduos que compartilham a mesma língua conseguem se entender muitíssimo bem.

 

A Noção de Erro para a Sociolinguística e a Questão do Preconceito Linguístico.

Por que não há erro nos diferentes modos de produzir a sentença “Os meninos foram buscar a roupa correndo.”?

 

Para a Sociolinguística, não há erro, mas sim diferenças que são passíveis de serem explicadas pela teoria linguística. O que acontece, geralmente, é um comportamento de intolerância linguística que leva à rejeição certas variedades de uso da língua. Deve-se observar que um item pode ser considerado ‘errado’ pelas regras de gramática normativa, mas não pelas regras do grupo a que o falante pertence.

 

Vejamos um trecho da transcrição da entrevista oral do informante Francisco, que faz parte do corpus do Grupo de Estudos Discurso e Gramática. Nela, o entrevistador pergunta ao informante o modo de fazer a massa de pão, e ele responde:

 

“Bota a massa na masseira... eh... tanto... não... tanto que bota... bota... duas lata na masseira... eh... quatr/ eh... duzentas gramas de (     ) que é uma química que tem... bota... eh...  fermento... aí bota a masseira pra bater... no:: normal dela e depois bota ela/ aumenta ela... (sem ter) limite... pra ela bater... pra aprontar a massa... depois da massa (     ) passa na... na modeladora... depois da::/ depois passa na divisora... aí bota em cima da mesa e separa... os pedaços de cima da mesa...

 

(Informante Francisco, CA supletivo. VOTRE, Sebastião Josué; OLIVEIRA, Mariângela Rios de (Orgs.) Corpus Discurso & Gramática. A língua falada e escrita na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: UFRJ, 1995. (mimeogr.).

 

A NOÇÃO DE ERRO PARA A SOCIOLINGUÍSTICA

Gramática Normativa                        Uso

Assisti ao filme                      x   Assisti o filme

Atenda ao chamado              x    Atenda o chamado

A venda implicou alterações x A venda implicou em alterações

Ela namora ele (o namora)    x  Ela namora com ele

Obedeça ao professor           x   Obedeça o professor

Paguei ao vendedor              x   Paguei o vendedor

Prefiro bolo a doce                x  Prefiro bolo do que doce

Respondi ao formulário         x  Respondi o formulário

 

No trecho apresentado, percebemos algumas formas que vão de encontro aos usos prescritos pelo padrão.

“duas lata” / EM LUGAR DE / duas latas

“duzentas gramas” / EM LUGAR DE / duzentos gramas

“bota ela”/ “aumenta ela” / EM LUGAR DE / bote-a/ aumente-a

Deve-se levar em consideração que o papel dos gramáticos é descrever regras de funcionamento da língua, tendo como base a norma padrão, um modelo ideal de língua que deve ser ensinado e aprendido na escola e utilizado pelos falantes cultos, ou seja, aqueles indivíduos com alto nível de escolarização. Usos como os apresentados na transcrição, embora não sejam estabelecidos pela norma padrão, são comuns em outras variedades de uso da língua, rotuladas como “impróprias”, “inadequadas”, “erradas”.  

 

O PRECONCEITO LINGUÍSTICO

 

Será que todo morador do interior fala como o Chico bento e o pai dele? Não! No entanto, a fala deles funciona como uma ‘marcação’ de uma variedade regional.

  

IMPORTANTE!

 

Os resultados de pesquisas como as do Projeto Nurc (Norma Linguística Urbana Culta) ilustram diferenças entre o português padrão e o português culto, ou seja, aquilo que, de fato, é utilizado pelos indivíduos que dominam a variedade padrão. Para conhecer mais sobre o Projeto Nurc.

Antes de avançar, leia  o texto Sobre o conceito de falante culto.

 

Os fragmentos abaixo ilustram a polêmica em torno do livro didático adotado pelo MEC. Leia-os atentamente. Clique nas caixas para ver os conteúdos.

 

Texto I

 

Ou seja: não se trata de aceitar ou de não aceitar nem de achar ou de não achar correto que as pessoas digam os livro. Acabo de sair de uma fila de supermercado e ouvi duas lata, dez real, três quilo a dar com pau. Eu deveria mandar esses consumidores calar a boca? Ora! Estávamos num caixa de supermercado, todos de bermuda e chinelo! Não era um congresso científico, nem um julgamento do Supremo! (Aceitam tudo, de Sírio Possenti.)

 

Texto II

 

Você pode estar se perguntando: “Mas eu posso falar ‘os livro?’.” Claro que pode. Mas fique atento porque, dependendo da situação, você corre o risco de ser vítima de preconceito linguístico. Muita gente diz o que se deve e o que não se deve falar e escrever, tomando as regras estabelecidas para a norma culta como padrão de correção de todas as formas linguísticas. O falante, portanto, tem de ser capaz de usar a variante adequada da língua para cada ocasião. (Capítulo 1. Escrever é diferente de falar, do livro Por uma vida melhor -  coleção “Aprender, Viver”).

 

Texto III

Mas escapou de ouvir em rede nacional que não é preciso estudar nada, muito menos Língua Portuguesa, sem a qual não aprendemos nenhuma outra matéria, pois todas são ensinadas em português. (...) É oportuno lembrar também que pacta sunt servanda (os contratos devem ser cumpridos). Que o contribuinte contrata professores para cuidar do ensino, não para rebaixá-lo desse modo. E se para o MEC vale tudo, até o português errado, então para que atormentar os alunos com tantos exames?

 

Enem, Enade, vestibulares, concursos para funcionários e professores etc. foram instituídos para quê?

 

Para humilhar os jovens, sobretudo os mais pobres, cujos pais não podem pagar por boas escolas, e cujas respostas e redações, depois de corrigidas, servem de pasto às maledicências que depois são disseminadas na internet? (O ensino de português na berlinda, de Deonísio da Silva.)

 

A partir dos pressupostos teóricos da Sociolinguística:

A)     - Relação variação linguística x ensino de língua portuguesa na escola. Fundamente seus comentários.

B)      - Noção de erro.

 

A) Sabemos que a língua é heterogênea. Essa heterogeneidade não impede os membros da comunidade de se comunicarem e se compreenderem mutuamente. Quando o aluno chega à escola, ele já domina uma variedade de uso da língua, aquela cujo contato aconteceu no convívio com seus familiares. Cabe ao professor entender essa variedade como uma eficiente forma de comunicação e mostrar ao aluno que a escola é o espaço para que se tenha contato com a variedade padrão de uso da língua, sem desprestigiar a variedade dominada por esse aprendiz.

 

C)      Para a Sociolinguística, não há erro, mas sim variedades distintas de uso da língua, adequadas a determinadas situações comunicativas.

Por que Existe o Preconceito Linguístico?

 

De um modo geral, há, na sociedade, várias formas de preconceito: em relação ao sexo, à raça, à opção sexual etc. Pode-se dizer que o preconceito linguístico é apenas um desses tipos. O estigma que certas variedades de uso da língua adquirem não tem relação com fatores linguísticos, mas sim extralinguísticos, tais como desprestígio social, econômico, cultural, político, entre outros. Assim, julga-se o indivíduo pelo modo como utiliza a língua sem levar em conta outros fatores como seu nível de escolarização, a classe social à qual pertence etc.

 

Para a Sociolinguística, o preconceito linguístico não possui embasamento científico já que, segundo pesquisas, cada época determina o que considera como forma padrão, ou seja, as línguas mudam e a definição de ‘certo’ também. Podemos destacar, como exemplos, as formas “dereito”, “despois”, “premeiramente”, encontradas no texto de Pero Vaz de Caminha (1500), que faziam parte do português padrão daquela época.

Por fim...

 

Devemos entender que um indivíduo com pouca ou nenhuma escolarização não pode apresentar o mesmo desempenho linguístico de um indivíduo com o ensino superior. Um indivíduo altamente escolarizado passou por anos de escolarização e pôde ter acesso à norma padrão, diferentemente do primeiro indivíduo.

 

Devemos entender que não podemos estabelecer julgamentos de valor, pois as diferenças linguísticas existem. Assim, não há variante boa ou má, dialeto superior ou inferior, língua rica ou pobre.

 

COMO SE COMPORTA A LÍNGUA PADRÃO?

 

  • Língua padrão não é uniforme: variação geográfica; diferenças estilísticas; língua oral x língua escrita.
  • A língua padrão muda com o tempo:
  • Você já viu esse filme?
  • Portugal: Vi-o ontem.
  • Brasil: Vi Ø ontem.
  • Os Lusíadas: ajuntar; alevantar; alembrar; avoar.

 

VARIANTE PADRÃO E VARIANTE NÃO-PADRÃO

Na língua, existe pelo menos:

  • Uma variedade popular.

       (Variedade não-padrão é a modalidade oral, utilizada em contexto informal, de discurso espontâneo, não planejado).

  • Uma variedade padrão. Modelo ideal de língua que deve ser usado pelas autoridades, órgãos oficiais, ensinado e aprendido na escola.

       Deve ser - envolve padronização.

 

  • Variedade não-padrão ("os fósfro"; "moio ingrês“): errado pelas regras de gramática normativa, mas não pelas regras do grupo a que o falante pertence.
  • A variedade padrão é o que se costuma chamar de língua portuguesa: possui importância e prestígio social.
  • Por ter prestígio, pensa-se ser a norma-padrão a única representante da língua.
  • Português não-padrão (PNP). Utilizado por pessoas de classes  desprestigiadas e marginalizadas.

 

O estigma que certas variedades de uso da língua adquirem não tem relação com fatores linguísticos, mas sim extralinguísticos, tais como desprestígio social, econômico, cultural, político, entre outros.

            Exemplos.

a)      Nós vamos x a gente vai x a gente vamos x nós vai.

b)      Há 20 alunos na sala   x   Tem 20 alunos na sala.

c)      Falei a ele sobre isso   x    Falei para ele sobre isso.

d)      Vou cantar na festa      x    VoØ cantaØ na festa.

e)      Vamos lá!                         X    VamoØ lá!

 

O falante culto decide o que vai ou não usar das regras prescritas.

        

Entre o que a Gramática Normativa prescreve e a variedade não-padrão, há níveis intermediários.

Tudo passa pelo maior ou menor nível de monitoramento.

 

NORMA CULTA E NORMA PADRÃO

Alguns linguistas separam:

a)      Norma padrão. Conjunto de regras que estão na Gramática Normativa.

             Muitas dessas regras não são utilizadas pelos falantes cultos da língua. E por que será?

          Estigma                            Prestígio

“Onde tem variação tem sempre avaliação.” (Marcos Bagno)

“A avaliação é essencialmente social”. (M. Bagno)

 

b) Norma Culta. Conjunto de uso do falante culto. São as formas que o falante culto REALMENTE utiliza em momentos formais de fala e de escrita.

Aproxima-se da prescrição, mas não a segue totalmente.

Exemplos. Mesóclise, Pronomes tu e vós e as respectivas conjugações, pretérito mais-que-perfeito etc.

Regras da Gramática Normativa: norma padrão: +culto  -culto