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Castro Alves — A Poesia Social e Condoreira
Castro Alves — A Poesia Social e Condoreira

Castro Alves

A poesia social e condoreira de Castro Alves

  • Características da terceira geração romântica;
  • A poesia social e condoreira de Castro Alves;
  • A lírica amorosa castroalvina

Caracteres fundamentais:

 

“(…) gosto pelas antíteses, pelas hipérboles, pelo tom oratório e messiânico a serviço de uma causa social e política” (Luciana Stegagno-Picchio)

 

Nascido em um cenário de maior consciência política, o Condoreirismo exprime as angústias do poeta diante de um contexto social manchado pela escravidão, que sustentava a estrutura agrário-latifundiária de nosso Brasil monárquico.   

 

Assim, por seu caráter grandiloquente, representado pela visão panorâmica dos fatos, pela voz do eu-lírico que se levanta em nome de outros, resulta um enfoque menos individualista da realidade. No entanto, a emoção é radicalizada aos extremos e, representada por imagens hiperbólicas da natureza, exprime os sentimentos comprometidos com o real, justificando-se a sua inserção no período romântico literário.

 

Um poema representativo da fusão entre a consciência social e a subjetividade e emotividade próprias do Romantismo é “Mater dolorosa”. Vamos ler?

 

Mater dolorosa

Deixa-me murmurar à tua ali

adeus eterno, em vez de lá chorar

sangue, chorar o sangue! meu

coração sobre meu filho; tu deves

morrer, meu filho, tu deves morrer.

Nathaniel Lee

 

Meu Filho, dorme, dorme o sono eterno

No berço imenso, que se chama - o céu.

Pede às estrelas um olhar materno,

Um seio quente, como o seio meu.

 

Ai! borboleta, na gentil crisálida,

As asas de ouro vais além abrir.

Ai! rosa branca no matiz tão pálida,

Longe, tão longe vais de mim florir.

 

Meu filho, dorme como ruge o norte

Nas folhas secas do sombrio chão!

Folha dest'alma como dar-te à sorte?

É tredo, horrível o feral tufão!

 

Não me maldigas... Num amor sem termo

Bebi a força de matar-te a mim

Viva eu cativa a soluçar num ermo

Filho, sê livre... Sou feliz assim...

- Ave - te espera da lufada o açoite,

 

 

- Estrela - guia-te uma luz falaz.

- Aurora minha - só te aguarda a noite,

- Pobre inocente - já maldito estás.

 

Perdão, meu filho... se matar-te é crime

Deus me perdoa... me perdoa já.

A fera enchente quebraria o vime...

Velem-te os anjos e te cuidem lá.

 

Meu filho dorme... dorme o sono eterno

No berço imenso, que se chama o céu.

Pede às estrelas um olhar materno,

Um seio quente, como o seio meu.

 

Ao apresentarmos o poema para a sua leitura, contextualizamos com a visita à Basílica de São Pedro, no Vaticano, onde está a imagem “Pietá”, de Michelangelo.

 

Observe a ilustração. Trata-se da representação do momento em que Maria sustenta, em seu colo, o filho Jesus, após ter sido retirado da cruz.  A expressão de dor é flagrante no olhar voltado para o corpo morto.

 

Ao mesmo tempo, podemos perceber uma semelhança entre essa posição e a que as mães utilizam para embalar os seus filhos. O nome do tipo de canção que se usa entoar para ninar se chama “acalanto”.

 

A ousadia do poeta se consubstancia na aproximação que faz entre Maria, mediante ao título “Mater dolorosa” – como se denomina o momento em que a mãe de Jesus o recolhe da cruz– e a escrava que mata o filho para que possa se salvar do destino de escravidão. Ambas mães entregam o corpo do filho morto aos céus, como se o tivessem embalando, ninando para o sono eterno.

 

Uma leitura contextualizada do poema, escrito em 1865, indica também a postura combativa de Castro Alves, uma vez que a Lei do Ventre Livre foi promulgada, apenas,  em 1871. Esta lei previa que, a partir dessa data, os filhos de escravas seriam considerados livres.

 

No caso da obra de Castro Alves, segundo Luciana Stegagno-Picchio,

“Toda a obra[...] pode ser lida em chave social e política: porque até mesmo os versos mais autobiográfica e intimistamente amorosos estão penetrados daquela consciência de pertencer a uma humanidade dolorosamente coral que no lamento de um companheiro pode ouvir refletida a sua própria dor individual” (STEGAGNO- PICCHIO, L. História da Literatura Brasileira. 2.ed.e rev.Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2004. p.217)

 

A intensidade dos sentimentos e das emoções recebem, na lírica amorosa, um matiz novo: o da realização física. De grande apelo e bastante ousados são os poemas cuja temática amorosa predomina.  

 

Adormecida

Uma noite, eu me lembro... Ela dormia

Numa rede enstada molemente...

Quase aberto o roupão... solto o cabelo

E o pé descalço do tapete rente.

 

’Stava aberta a janela. Um cheiro agreste

Exalavam as silvas da campina...

E ao longe, num pedaço do horizonte,

Via-se a noite plácida e divina.

De um jasmineiro os galhos encurvados,

Indiscretos entravam pela sala,

E de leve oscilando ao tom das auras,

Iam na face trêmulos – beijá-la.

 

Era um quadro celeste!... A cada afago

Mesmo em sonhos a moça estremecia...

Quando ela serenava... a flor beijava-a...

Quando ela ia beijar-lhe... a flor fugia...

Dir-se-ia que naquele doce instante

Brincavam duas cândidas crianças...

A brisa, que agitava as folhas verdes,

Fazia-lhe ondear as negras tranças!

 

E o ramo ora chegava ora afastava-se...

Mas quando a via despeitada a meio,

P’ra não zangá-la... sacudia alegre

Uma chuva de pétalas no seio...

 

Eu, fitando esta cena, repetia

Naquela noite lânguida e sentida:

“Ó flor – tu és a virgem das campinas!

Virgem – tu és a flor de minha vida!”

 

Note a sutileza das metáforas empregadas pelo poeta, pois mediante a sua integração com a natureza, torna possível a realização amorosa. Aqui também, vale acrescentar, a vivacidade da cena é conquistada pela genialidade descritiva de Castro Alves, proporcionando ao leitor a experiência de tornar-se um observador, tocado pela pureza e “inocência” da cena.

 

Dificilmente podemos afirmar que os poetas, apresentados como representantes do Romantismo brasileiro, tenham participado de apenas uma geração; e por isso torna-se igualmente improvável demarcar, cronologicamente e com rigor, os três momentos.

 

O que importa saber, de fato, é que o Romantismo é um período riquíssimo, em quantidade e variedade de obras, e a produção poética desse período encontrará repercussão até os nossos dias.  

  

Poesia condoreira, por quê?

 

Stamos em pleno mar... Doudo no espaço

Brinca o luar — dourada borboleta;

E as vagas após ele correm... cansam

Como turba de infantes inquieta.

'Stamos em pleno mar... Do firmamento

Os astros saltam como espumas de ouro...

O mar em troca acende as ardentias,

— Constelações do líquido tesouro...

'Stamos em pleno mar... Dois infinitos

Ali se estreitam num abraço insano,

Azuis, dourados, plácidos, sublimes...

Qual dos dous é o céu? qual o oceano?...

 

Albatroz! Albatroz! águia do oceano,

Tu que dormes das nuvens entre as gazas,

Sacode as penas, Leviathan do espaço,

Albatroz! Albatroz! dá-me estas asas

  

O povo ao poder

A praça! A praça é do povo

Como o céu é do condor

É o antro onde a liberdade

Cria águias em seu calor.

Senhor!... pois quereis a praça?

Desgraçada a populaça

Só tem a rua de seu...

Ninguém vos rouba os castelos

Tendes palácios tão belos...

Deixai a terra ao Anteu.

 

Antônio Frederico de Castro Alves (1847-1871)

 

 “ (…) cada poeta romântico tem uma fisionomia mais ou menos convencional, composta pelo nosso espírito com farrapos da sua vida, poemas, aparência física. A dele ressalta imediatamente como o bardo que fulmina a escravidão e a injustiça, de cabeleira ao vento. Talvez por sentir tanta obscuridade em torno de si − cativeiro, ignorância, opressão − a sua poesia faz um consumo desusado de luz; e esta luminosidade o envolve num halo perene.” ( Candido)

 

O escravo:

  • o escravo, para ele, é o “símbolo de uma problemática permanente, termo e episódio do velho drama da alienação do homem, que ele sente, como bom romântico, em termos da luta perpétua entre o bem e o mal.”
  • “ O negro, escravizado, misturado à vida cotidiana em posição de inferioridade, não se podia facilmente elevar a objeto estético, numa literatura ligada ideologicamente à estrutura de castas. (…) Só Castro Alves estenderia sobre o negro o manto redentor da poesia, tratando-o como herói, amante, ser integralmente humano” ( Candido) 

Navio negreiro 

 

“São os filhos do deserto,

Onde a terra esposa a luz.

Onde vive em campo aberto

A tribo dos homens nus...

São os guerreiros ousados

Que com os tigres mosqueados

Combatem na solidão.

Ontem simples, fortes, bravos.

Hoje míseros escravos,

Sem luz, sem ar, sem razão...”

 

O amor

Aves de Arribação

É noite! Treme a lâmpada medrosa

Velando a longa noite do poeta...

Além, sob as cortinas transparentes,

Ela dorme, formosa Julieta!

Entram pela janela quase aberta

Da meia-noite os preguiçosos ventos

E a lua beija o seio alvinitente

-- Flor que abrira das noites aos relentos.

 

O Poeta trabalha!... A fonte pálida

Guarda talvez fatídica tristeza...

Que importa? A inspiração lhe acende o verso

Tendo por musa -- o amor e a natureza!

E como o cactus desabrocha a medo

Das noites tropicais na mansa calma,

A estrofe entreabre a pétala mimosa

Perfumada da essência de sua alma.

 

“Aves de arribação mostra de que maneira a realidade imediata da experiência amorosa se transfundia, para ele, nas criação poética, unindo a vida e a arte num movimento solidário, como se unem em metáforas florais a beleza da amada e o verso nela inspirado.” (Candido)

Visitamos a poesia da Terceira Geração Romântica: a Poesia Condoreira ou Social.

Vimos as principais características dessa geração e do seu principal poeta: Castro Alves.