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Crítica Literária de Afrânio Coutinho
Crítica Literária de Afrânio Coutinho

Nova Crítica

Reflexões de Afrânio Coutinho sobre a crítica literária

 

Afrânio Coutinho (1911-2000) foi um dos principais teóricos e críticos de literatura no Brasil. Sua extensa obra reflete sobre a literatura em diversos aspectos e seu legado permite que hoje entendamos melhor o processo de formação de uma crítica literária brasileira que nos permita compreender o fenômeno literário, especialmente aquele consolidado no século XX.

 

Uma das reflexões de Afrânio Coutinho gira em torno da natureza, da função e das finalidades da crítica literária, assim como “as teorias e métodos revolucionários que caracterizaram o estágio atual de sua evolução”. (COUTINHO, Afrânio. Da crítica e da nova crítica. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975, p. XI).

 

O autor defende o que ele mesmo denomina de “doutrina da crítica intrínseca” em oposição à análise extrínseca da obra literária, ou seja, aquela que privilegia o contexto social, histórico e geográfico, o determinismo biológico ou o biografismo que possam ser associados ao texto literário e que acabam por fundamentar a análise. Os elementos intrínsecos que devem ser privilegiados são, principalmente, aqueles que conferem “especificidade artística” ao texto.

 

A posição de Afrânio Coutinho gerou polêmicas. No entanto, o critico argumenta que não pretendeu negar o valor de análises extrínsecas da obra de arte, mas reconhecer que um “fato estético-literário exige, como meio mais adequado de análise, um método estético--literário, inspirado em teoria estético-literária”.  (COUTINHO, Afrânio. Da crítica e da nova crítica. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975, p. XIII) Outras disciplinas, segundo o autor, podem ajudar a compor uma análise, mas não devem ser o método de análise de uma obra literária.

 

Natureza e função da crítica literária

Afrânio Coutinho faz uma distinção entre a crítica literária propriamente dita e a crítica representada pela recensão de livros, as quais podem ser distinguidas pela natureza e pela função.

 

Sobre a natureza, esclarece que é uma “tarefa de analisar, interpretar e julgar a obra de arte literária; requer pressupostos doutrinários e uma metódica explícita, padrões e critérios de aferição de valores, uma epistemologia e fundamentos filosóficos”. (COUTINHO, Afrânio. Da crítica e da nova crítica. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975, p. 13-14).

 

Assim, para Afrânio Coutinho, a crítica literária tem como natureza seguir um método específico, com normas definidas e um conjunto de valores que ajudam a compreender melhor um texto literário.

 

Isso seria um equívoco, na visão de Afrânio Coutinho, pois, segundo ele, a crítica, no sentido estrito da palavra, é o que se faz através de ensaios que só podem ser escritos após um estudo aprofundado da obra, de acordo com o rigor do método e tendo como base os conhecimentos estético e literário bem consolidados.

 

Para Afrânio Coutinho, a crítica literária brasileira chegou a um estágio avançado de especialização, sendo, portanto, inaceitável ser confundida com as notas de jornal sobre lançamento de livros.

 

A estética na obra literária 

Um dos problemas da teoria literária e da crítica literária é definir claramente o conceito de estética, fundamental à análise de um texto. Afrânio Coutinho questiona as definições de críticos literários, inclusive de Wilson Martins (1921-2010, que também foi professor, jornalista e historiador), argumentando que são adotados critérios subjetivos na análise de uma obra a partir de seus elementos estéticos.

 

Para Coutinho, o estético somente pode ser encontrado na própria obra: estilo e estrutura do texto, elementos formais, sistema de normas, sistema de sinais e sons, metáfora, temática, simbologia, mitologia, estrutura narrativa, esquema rítmico, linguagem, gêneros etc.

 

Afrânio Coutinho destaca Machado de Assis e Mário de Andrade como os precursores, no Brasil, da tendência para a crítica de orientação estética, devido às suas preocupações com a técnica e a estrutura da obra.

 

A crítica na universidade

A crítica literária teve, historicamente, grande repercussão na imprensa. Sabemos que os escritores eram, em grande parte, também jornalistas ou assinavam artigos e colunas sobre cultura de um modo geral e literatura em particular.

 

Essa é uma tradição comum tanto na Europa como no Brasil. A polêmica sobre a obra Confederação dos Tamoios, de Gonçalves de Magalhães, é lembrada por Afrânio Coutinho como um bom exemplo do quanto se discutia literatura nos chamados periódicos. Em 1856, é publicado o poema épico Confederação dos Tamoios, de Gonçalves de Magalhães. Porém, José de Alencar, então redator-chefe do “Diário do Rio de Janeiro”, sob o pseudônimo Ig.,  publica cartas nas quais critica a obra.

 

No entanto, ainda na década de 1970, Afrânio Coutinho percebia uma diminuição das atividades jornalísticas relacionadas à crítica literária, não somente no Brasil, como também na França, país em que a “crítica de folhetim” é uma tradição. Verifica-se, em oposição, uma clara tendência ao fortalecimento da crítica literária na universidade, assim como em livros e revistas especializadas. Todavia, corre-se o risco de a crítica literária ficar condicionada a uma erudição que ignore o “espírito literário”.

 

A renovação da crítica literária

Em seus estudos, Afrânio Coutinho destaca importantes contribuições para que fosse possível uma renovação da crítica literária. À frente, os nomes de Austin Warren e René Wellek, divulgadores do New Criticism; de Wolfgang Kaiser, que propôs novos métodos de interpretação e análise literária; e de Benedetto Croce e T.S. Eliot, cujos estudos possibilitaram uma “onda renovadora” da crítica literária em toda a Europa. A essas importantes contribuições, associa-se a obra Mimesis, de Erich Auerbach que, por ser da “escola alemã” de crítica literária, esvazia uma certa “americanofobia” (expressão utilizada por Coutinho) contra o New Criticism.

 

A obra de Erich Auerbach tem especial destaque no estudo de Afrânio Coutinho sob o argumento de que, em Mimesis, o leitor encontra uma união perfeita entre a erudição acadêmica e a crítica literária: a obra “é um exemplo de que a verdadeira erudição não se define nem se mostra pelos seus sinais exteriores e puramente mecânicos, mas é digerida, assimilada e transformada em cultura e acuidade crítica”. (COUTINHO, Afrânio. Da crítica e da nova crítica. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975, p. 36).

 

Ainda a respeito da renovação da crítica literária, Afrânio Coutinho apresenta um argumento que é interessante reproduzir em função de sua atualidade:

 

“Entre nós, a transformação da mentalidade em relação à literatura não se operará convenientemente enquanto o ensino literário se fizer, no plano médio, em conjunto com o de língua vernácula, enquanto não se separarem as duas disciplinas. Porque não há maior desastre para a literatura do que o ensino literário feito por professores de língua, que, na sua maioria, não sentem, não compreendem, não apreciam a literatura, senão como material ilustrativo do estudo gramatical”.  (COUTINHO, Afrânio. Da crítica e da nova crítica. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975, p. 38).

 

Todavia, esse problema não minimiza o otimismo do escritor em relação à renovação da crítica literária no Brasil. Dentre os nomes que colaboram para que a relação do crítico com a obra literária se valide, Afrânio Coutinho elege dois autores brasileiros. O primeiro é Ledo Ivo, pela análise feita do poema “O preto no branco” (1954), de Manuel Bandeira, na qual revela uma “tentativa ousada e penetrante de exegese, marcada por evidente preocupação de desvendar a intimidade do processo criador da poesia”.

 

O segundo autor eleito por Coutinho como um dos representantes da nova crítica brasileira é Othon Moacyr Garcia, que publicou Esfinge Clara (1955), uma obra que se propõe a estudar a poesia de Carlos Drummond de Andrade, na qual o crítico se “revela um manipulador seguro das modernas técnicas de análise formal, não só da linguagem simplesmente, mas também dos recursos poéticos e artifícios literários”. (COUTINHO, Afrânio. Da crítica e da nova crítica. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975, p. 54).   

 

Os estudos de Afrânio Coutinho apontam para uma necessidade de revitalização da crítica literária que seja fundada no próprio texto, sem que se excluam, em sua totalidade, as contribuições extraliterárias advindas de outros campos do saber. E, para que tal renovação ocorra com método e critério, torna-se necessário que a crítica literária seja, em definitivo, desenvolvida nos espaços acadêmicos e que ocorra a partir de uma especialização, caminho necessário para que se consolidem as ideias que fomentam o saber sobre literatura.