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Gerativismo - O Processo de Aquisição da Linguagem
Gerativismo - O Processo de Aquisição da Linguagem

 

LINGUÍSTICA

GERATIVISMO – O PROCESSO DE AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM

 

Aquisição da Linguagem

Quem tem filhos ou convive com crianças sabe que, “num piscar de olhos”, as crianças já começam a falar. Sabemos que há etapas a serem seguidas, mas temos a certeza de que esse processo acontece de forma bem rápida.

 

“Na realidade, a faculdade da linguagem nada tem de trivial. O vocabulário médio de um adulto em sua língua nativa, por exemplo, alcança em torno de 50 mil palavras, codificadas por cerca de 40 unidades distintivas de som de fala (fonemas). Veja que tanto o vocabulário numeroso quanto o pequeno inventário de fonemas deveriam ser desfavoráveis à existência da linguagem no homem: temos poucos códigos para distinguir muitos itens. Apesar disso, após o curto período de aquisição de linguagem, entre dois e três anos de idade, nos integramos a uma comunidade linguística e, sem nenhum esforço, usamos essa língua com mais naturalidade do que um estrangeiro que passou anos tentando aprendê-la depois de adulto.”

 

Pelo que vimos, segundo o Gerativismo, já nascemos com uma capacidade inata para desenvolver uma língua. No entanto, por que não saímos da barriga da nossa mãe falando? Poderíamos fazer também outras perguntas:

 

“Se já nascemos com as nossas pernas completamente formadas, por que não saímos da barriga da nossa mãe andando?” ou “Se temos um sistema visual, por que não distinguimos todas as cores logo após o parto?”

 

Assim como o sistema motor e o sistema visual, o nosso sistema linguístico também passa por um processo de maturação. Podemos perceber que as crianças também vivenciam etapas até conseguirem andar sozinhas, sem a ajuda de adultos ou sem o apoio em objetos. Com a linguagem, não é diferente. Vamos entender como se dá a aquisição da linguagem?

 

“A acuidade visual se refere à capacidade do sujeito em detectar, separar ou discriminar um objeto no espaço. (...) Ao nascimento, a acuidade visual humana é muito reduzida, quando comparada a de um adulto. Um bebê, ao nascimento, enxerga dez a vinte vezes menos que um adulto. Isso significa que somente estímulos muito grandes poderão ser vistos pelo bebê. No entanto, há um rápido desenvolvimento desta função nos primeiros 6-12 meses de vida. (...) Assim como a acuidade visual, a habilidade de discriminar contrastes de luminâcia está presente ao nascimento, mas é extremamente pobre em desempenho se comparada com a de um adulto. (...) Estudos recentes mostram que até a 4ª semana de vida, o bebê discrimina pobremente um estímulo colorido de um estímulo branco de mesma intensidade de brilho, ou seja, até o final do primeiro mês de vida, a visão de cores praticamente inexiste, limitando-se à região laranja-avermelhada do espectro cromático. Nos três meses seguintes há o aparecimento gradual da visão de cores.”

 

O Processo de Aquisição da Linguagem

O processo de aquisição da linguagem é algo muito interessante. O fato de as crianças, já por volta dos três anos, serem capazes de fazer uso da sua língua de modo tão eficiente leva-nos a pensar como essas línguas são adquiridas. Muito cedo, qualquer criança surpreende os adultos com a sua capacidade de produzir e compreender os enunciados da sua língua. Podemos dizer que ela:

 

“Não repete simplesmente o que lhe dizem: com as regras que depreendeu das frases ouvidas, forma inúmeras outras, inclusive nunca ouvidas. Quer dizer, desde as primeiras etapas a criança ‘cria’ suas frases. Essa criatividade é justamente o traço característico da gramática que a criança internaliza. A ‘graça’ da linguagem infantil não está nos erros que comete, mas nas suas engenhosas tentativas (com muitas criações individuais) de utilizar o código fornecido pelos adultos. “

 

Mamãe, eu fazi isso sim!

Eu pesadelei a noite toda!

Eu vou vassourar a casa!

 

Certamente, vocês já devem ter ouvido algumas crianças produzirem estruturas assim ou bem parecidas. O que podemos, então, pensar?

 

As crianças percebem como a língua a qual foram expostas funciona, elas captam aquilo que é regular em seu sistema linguístico. A partir daí, criam seus enunciados.

 

Nesse processo de criação, aparecem elementos que, emboram sejam construídos obedecendo às regras de funcionamento da língua, não foram as formas consagradas pelos seus usuários. Assim, o adulto entende o que a criança quis dizer e acha graça da forma produzida.

 

Tomemos como exemplo o verbo “vassourar”. Se temos, em português, o substantivo “pincel” e o verbo “pincelar”, poderíamos, perfeitamente, ter o verbo “vassourar”, já que temos o substantivo “vassoura”. No entanto, o uso consagrou a forma “varrer”, embora “vassourar” apresente um processo de formação produtivo na língua.

 

De fato, enunciados assim levam-nos a crer que há um componente genético inato, específico para desenvolver uma língua, como vimos na nossa aula passada. Esses e outros exemplos corroboram a ideia de que o cérebro humano não nasce como um “quadro em branco”, uma “tábula rasa”, como afirmam os behavioristas.

 

Por conta da questão do inatismo, Chomsky (1981) considera mais apropriado falar em  “crescimento da linguagem” e não em “aprendizado” ou “aquisição”. Afinal de contas, apenas adquirimos algo que não temos.

 

Como vimos, a criança não nasce com uma capacidade para desenvolver a língua X ou a língua Y. A predisposição biológica do ser humano vai permitir que ele desenvolva uma língua a partir dos dados linguísticos do ambiente que o cerca.  A exposição a esses dados faz com que o indivíduo acione um certo valor de parâmetro para que a criança componha a gramática de sua língua particular.

 

Vale destacar que a exposição a esses dados linguísticos acontece de modo natural: na fala espontânea de adultos, há enunciados truncados, hesitações, falhas em geral. No entanto, apesar disso, a criança consegue perceber o que é ou não regular na sua língua.

 

Em relação ao processo de aquisição da linguagem, as pesquisas mostram que a criança vai internalizando o sistema gramatical de maneira gradual, por etapas. Independentemente da língua a que a criança está exposta, todas elas, em fase de aquisição da linguagem, adquirem primeiro as palavras de conteúdo (“formais”: substantivos, adjetivos, verbos), só depois as palavras gramaticais (“estruturais”: pronomes, preposições etc.).

 

Tudo acontece aos poucos. A criança desenvolve a capacidade de nomear e faz uso de substantivos. Em seguida, começa a fazer uso de elementos mais abstratos como verbos e adjetivos. Ela começa, então, a produzir estruturas sintáticas simples até chegar às estruturas mais complexas. Aproximadamente, aos 5 ou 6 anos, a criança já é, como diz Chomsky, um “adulto linguístico”. Essa uniformidade no processo de aquisição é, para os gerativistas, um indicativo de uma faculdade da linguagem, comum à espécie humana.

 

NENÊ PAPÁ

AUAU MORDE

BONECA

ÁGUA

 

Assim, podemos dizer que as crianças não nascem com a gramática da sua língua pronta para ser usada. Se um bebê, filho de pais americanos for criado por pais japoneses, desenvolverá o japonês. Se criado por pais brasileiros, desenvolverá o português. E se a criança não for exposta a uma língua durante a infância? E o caso das chamadas “crianças selvagens”?

 

EXEMPLO:

Qual será a língua nativa de Marcela e de Marcele? Analise o caso abaixo tendo como base o processo de aquisição da linguagem segundo a perspectiva gerativista.

 

“Marcela e Marcele são irmãs gêmeas. Elas foram deixadas em um orfanato brasileiro dois dias depois de seu nascimento. Ainda bebês, Marcela foi adotada por uma família americana e foi morar nos Estados Unidos e Marcele por uma família italiana, indo morar na Itália.”

 

Segundo a perspectiva gerativista, todo o indivíduo já nasce com uma predisposição para adquirir uma língua natural. A definição dessa língua dependerá do meio ao qual o indivíduo estiver exposto. Marcela, por ser criada por uma família americana, terá o inglês como língua natural. Já Marcele, por ter sido adotada por uma família italiana, irá falar italiano.

 

Vimos que a explicação behaviorista da aquisição da linguagem não consegue explicar o fato de os sistemas linguísticos terem como uma de suas características essenciais a produtividade e a criatividade. Assim, podemos dizer que o processo de aquisição não depende da imitação. Sabemos que todo indivíduo, exceto aquele com alguma complicação patológica, irá desenvolver uma língua. Isso independe de sua condição social. No entanto, é preciso estar exposto a um sistema linguístico.

 

Há, na literatura, uma série de relatos de casos de crianças que, em virtude de motivos de natureza diversa, tiveram o acesso aos dados de um sistema linguístico negado. Por isso, não desenvolveram sua língua natural no período da infância, como, normalmente, acontece.

 

A história de Mogli, personagem da Disney inspirado no livro de Rudyard Kipling, menino criado por lobos, ilustra casos reais como o da menina Genie, um dos casos mais conhecidos na literatura.

 

Essa criança, que havia sido afastada de qualquer exposição à língua dos 20 (vinte) meses aos 13 (treze) anos e 7 (sete) meses de vida, quando inserida novamente no convívio social, teve o desenvolvimento da linguagem em dois aspectos bastante diferenciados do de crianças normais, ou seja, daquelas crianças que adquirem linguagem durante o período normal de aquisição de linguagem.

 

Se por um lado Genie apresentou uma rápida aquisição do vocabulário, mostrando uma habilidade semântica superior àquela alcançada por crianças normais em igual período de tempo, por outro lado, ela apresentou uma pobre elaboração morfológica e um reduzido emprego de estruturas sintáticas complexas em sua fala, mostrando uma habilidade sintática bastante defasada em relação às crianças normais.

 

A partir dessas observações e da análise de testes neuropsicológicos aplicados a Genie, que revelaram seu amadurecimento conceptual e sensorial-motor, pode-se concluir que o conhecimento cognitivo apresentado por Genie não foi suficiente para sua aquisição sintática e morfológica.

 

COGNITIVO:

 1. Ref. à cognição, capacidade de aquisição de conhecimento, ou ao conhecimento: desenvolvimento cognitivo humano.

2. Ref. à função e ao processo mental do tratamento das informações (percepção, memória, raciocínio etc.)

3. Psi. Ref. aos processos da mente envolvidos na percepção, na representação, no pensamento, nas associações e lembranças, na solução de problemas etc.

[F.: Do lat. cognitus + -ivo.] (Fonte: Dicionário on-line Caldas Aulete)

 

Algumas teorias de aquisição

INATISMO Noam Chomsky

Chomsky, com sua hipótese inatista, assume que há um componente inato para a aquisição da linguagem e independente da cognição. Para ele, a experiência funciona apenas como um “gatilho” (do inglês, trigger) para acionar uma capacidade que é inata.

 

BEHAVIORISMO B. F. Skinner

Para B. F. Skinner, behaviorista, todo comportamento/aprendizado linguístico ou não é resultado de um processo de reforço e privação. Segundo a proposta behaviorista, “a criança vê a mamadeira (estímulo) e diz ‘papá’. Se ela conseguir que lhe deem a mamadeira, será reforçada positivamente, ‘aprenderá’ que quando quiser comida deve dizer ‘papá’”. (SANTOS, Raquel. A aquisição da linguagem. In: FIORIN, J. L. (org.) Introdução à linguística, vol. 1. São Paulo: Contexto, 2002.).

 

COGNITIVISMO Jean Piaget

O cognitivismo vincula a linguagem à cognição. Essa proposta foi desenvolvida por Jean Piaget. Segundo ele, desde o seu nascimento, a criança constrói o conhecimento a partir do contato com o meio. Pode-se perceber que a teoria atribui um grande valor à experiência, mas não chega a ter base empirista, pois, de acordo com Piaget, a criança é responsável por construir o conhecimento com base na experiência com o mundo físico, ou seja, o conhecimento está na ação sobre o ambiente.

 

“O conhecimento linguístico de uma criança em um determinado momento reflete as estruturas cognitivas que foram desenvolvidas antes e que determinam esse conhecimento. (...) A linguagem é vista como porta para cognição.” (SANTOS, Raquel. A aquisição da linguagem. In: FIORIN, J. L. (Org.) Introdução à linguística. vol. 1. São Paulo: Contexto, 2002.)   

 

Debate Chomsky-Piaget

Em 1975, houve um debate entre Chomsky e Piaget sobre aquisição do conhecimento. Para saber mais, leia o que disse Piaget sobre a psicogênese dos conhecimentos e qual foi a resposta de Chomsky.

Autor: Jean Piaget

 

Cinqüenta anos de experiências ensinaram-nos que não existem conhecimentos resultantes de um simples registro de observações, sem uma estruturação devida às atividades do indivíduo. Mas tampouco existem (no homem) estruturas cognitivas a priori ou inatas: só o funcionamento da inteligência é hereditário e só gera estruturas mediante uma organização de ações sucessivas, exercidas sobre os objetos. Daí resulta que uma epistemologia em conformidade com os dados da psicogênese não poderia ser empirista nem pré-formista, mas não pode deixar de ser um constructivismo, com a elaboração contínua de operações e de novas estruturas. 0 problema central consiste, pois, em compreender como se efetuam tais criações e porque, ainda que resultem em construções não pré-determinadas, elas podem, não obstante, acabar por tornarem-se logicamente necessárias.

  1. O Empirismo

 

A crítica ao empirismo não consiste em negar o papel da experimentação, mas o estudo “empírico” da gênese dos conhecimentos mostra de imediato a insuficiência da interpretação “empirista” da experiência. Com efeito, nenhum conhecimento se deve somente às percepções, pois estas são sempre dirigidas e enquadradas por esquemas de ações. 0 conhecimento procede, pois, da ação e toda a ação que se repete ou se generaliza por aplicação a novos objetos gera, por isso mesmo, um “esquema”, ou seja, uma espécie de conceito práxico. A ligação fundamental constitutiva de todo o conhecimento não é, portanto, uma simples “associação” entre objetos, já que esta noção negligencia a parte de atividade devida ao indivíduo, mas é a “assimilação” dos objectos a esquemas deste indivíduo. Este processo prolonga, aliás, as diversas formas de assimilações biológicas, das quais a assimilação cognitiva é um caso particular, enquanto processo funcional de integração. Em contrapartida, quando os objetos são assimilados aos esquemas de ação, há a obrigação de uma “acomodação” às particularidades destes objetos (cf. os “accommodats” fenotípicos em biologia), e esta acomodação resulta de dados exteriores, logo, da experiência. É este mecanismo exógeno, portanto, que converge com o que há de valioso na tese empirista, mas (e esta reserva é essencial) a acomodação não existe no estado “puro” ou isolado, porquanto é sempre a acomodação de um esquema de assimilação; logo, é esta que permanece como motor do ato cognitivo.

 

Título: A propósito das estruturas cognitivas e de seu desenvolvimento: uma resposta a Piaget
Autor: Noam Chomsky
Fonte: PIATELLI-PALMARINI, Massimo (org.). Teorias da linguagem, teorias da aprendizagem: o debate entre Jean Piaget e Noan Chomsky. São Paulo: Cultrix, 1983. pág. 50-73.

 

Em seus interessantes comentários sobre a psicogênese do conhecimento e sua importância epistemológica, Jean Piaget formula três pontos de vista gerais acerca do modo de aquisição do conhecimento: empirismo, ‘pré – formação’ (“inatismo”) e seu próprio “construtivismo”. Ele qualifica muito justamente as minhas concepções como sendo, para usarmos os seus termos, uma forma de “inatismo”. Precisamente, o estudo da linguagem humana levou-me a considerar que uma capacidade de linguagem geneticamente determinada, a qual é um componente do espírito humano, especifica uma certa classe de “gramática humanamente acessíveis”. A criança adquire uma dessas gramáticas (de fato, um sistema de gramáticas desse gênero, mas limitar-me-ei ao caso mais simples, ao caso ideal) a partir dos dados limitados que lhe são acessíveis. No seio de uma certa comunidade lingüística, crianças cujas experiências pessoais variam, adquirem gramáticas comparáveis e largamente subdeterminadas pelos dados que lhes são acessíveis. Pode-se considerar uma gramática, representada de uma maneira ou de outra no espírito, como um sistema que especifica as propriedades fonéticas, sintáticas e semânticas de uma classe infinita de frases possíveis. A criança conhece a língua assim determinada pela gramática que ela adquiriu. Essa gramática é uma representação de sua “competência intrínseca”. Em sua aquisição da linguagem, a criança desenvolve igualmente “sistemas de desempenho” para começar a usar esse saber (por exemplo, estratégicas de produção e de percepção). O que se sabe a respeito das propriedades gerais dos sistemas de desempenho é tão escasso que só se pode especular sobre os fundamentos do seu desenvolvimento. Quanto a mim, emitirei a hipótese de que, como para as gramáticas, um sistema fixo e geneticamente determinado restringe severamente as formas que esses sistemas podem adotar. Por outro lado, postularei a ideia de que análises análogas poderiam ser comprovadamente fecundas a respeitos de outras estruturas cognitivas que se desenvolvem no homem.

 

Contra essa concepção, Piaget apresenta dois argumentos fundamentais: (1) as mutações, próprias da espécie humana, que poderiam ter dado lugar às estruturas inatas postuladas, são “biologicamente inexplicáveis”; (2) aquilo que pode ser explicado de acordo com a hipótese das estruturas fixas inatas também pode ser perfeitamente explicado como sendo “o resultado ‘necessário’ de construções próprias da inteligência sensório-motora…”

 

Nenhum desses argumentos parece-me decisivo. Quanto ao primeiro, só o admito em parte. O desenrolar da evolução está, sem dúvida alguma “biologicamente inexplicado”. Mas não vislumbro qualquer razão para admitir a afirmação mais peremptória ainda, segundo a qual ele é “biologicamente inexplicável’. Outro tanto pode ser dito dos órgãos do corpo. O desenrolar de sua evolução também está “biologicamente inexplicado’”. Podemos, post hoc, propor uma hipótese sobre o modo como esse desenrolar poderia ter ocorrido, mas não podemos fornecer uma teoria que exponha o desenvolvimento tal como se produziu e exclua outras que poderiam estar igualmente de acordo com os princípios postulados a respeito da evolução dos argumentos. Se é verdade que ignoramos completamente como e por que mutações aleatórias dotaram a espécie humana da capacidade específica de aprender uma linguagem humana, é igualmente verdadeiro que também ignoramos como e por que mutações aleatórias conduziram ao desenvolvimento das estruturas particulares do olho dos mamíferos ou do córtex cerebral. Não concluímos, portanto, que essas estruturas, em sua natureza fundamental, no indivíduo que chegou à maturidade, são determinadas por interação com o meio ambiente (embora tal interação seja, sem dúvida, necessária ao desencadeamento de processos geneticamente determinados e, naturalmente, influa no caráter dos órgãos que atingiram a maturidade). Pouco se sabe, é certo, sobre o desenrolar da evolução, mas é impossível tirar conclusões, sejam elas quais forem, a partir daquilo que se ignora. Em especial, é temerário concluir ou (A) que as leis físicas conhecidas não são suficientes, em princípio, para explicar o desenvolvimento de determinada estruturas, ou (B) que as leis físicas, conhecidas ou desconhecidas, não são suficientes, em princípio. As conclusões (A) ou (B) resultariam, segundo parece, da afirmação de que o desenrolar da evolução, é em termos literais, biologicamente “inexplicável”. Mas, aparentemente, nada justifica, de momento, encarar (B) seriamente e, se podemos conceber (A) como verdadeira, tal conclusão não passa de pura especulação. Em todo o caso, o ponto crítico, na ocorrência, está em que as estruturas cognitivas e os órgãos do corpo parecem comparáveis no que se refere à possibilidade de uma “explicação biológica”.

 

O segundo argumento parece-me ser mais importante. Mas não vejo em que a conclusão de Piaget possa fundamentar-se. Que seja de meu conhecimento, nenhuma proposição de fundo foi apresentada que faça intervir as “conclusões da inteligência sensório-motora” e que ofereça qualquer esperança de explicação para fenômenos da linguagem que a exigem. Até onde sei, nada transparece de plausível na origem dessa sugestão. Acrescentarei que, se alguns objetaram que a hipótese de uma capacidade de linguagem geneticamente determinada é uma “petição de princípio”, aí está uma afirmação que certamente não se justifica. A hipótese não é mais uma “petição de princípio” no caso das estruturas mentais do que a hipótese análoga no caso do desenvolvimento dos órgãos. As proposições de fundo respeitantes ao caráter dessa capacidade da linguagem são refutáveis se são falsas, suscetíveis se forem verdadeiras. Certas hipóteses foram contestadas e modificadas, com muita freqüência, à luz de pesquisa ulteriores, e estou persuadido de que continuará sendo assim.

(…)

http://www.ufrgs.br/psicoeduc/piaget/chomsky-para-piaget/