ENTREVISTA COM EDGAR MORIN
QUASE UM SÉCULO DE COMPLEXIDADE E SABEDORIA
Defensor da teoria da complexidade, Edgar Morin, nascido em Paris, em 8 de julho de 1921, chega aos 95 anos de idade escrevendo, viajando, palestrando e comportando-se como o intelectual que tem sido desde a sua resistência ao invasor nazista na França ocupada da II Guerra Mundial. Autor de dezenas de livros, tem como obra-prima os seis volumes de O MÉTODO. Sociólogo, filósofo, epistemólogo, antropólogo e pensador da sociedade contemporânea, ele escreveu sobre quase tudo: das vedetes de cinema ao imaginário da morte.
Caderno de Sábado apresenta a entrevista, feita por e-mail, com o sempre jovem e curioso Edgar, que recebeu no distante ano de 2000 o título de Doutor Honoris Causa pela PUCRS.
Qual é a sensação de ter visto quase tudo ao longo de um século: a Alemanha nazista, a guerra, a resistência, o império soviético e seu desaparecimento, os “ismos” – marxismo, existencialismo, estruturalismo, maoísmo –, o homem na lua, a televisão, a Internet?
A sensação de que não aprendemos com o passado, não tiramos as conclusões necessárias dos erros, que se reproduzem no presente: inconsciência, sonambulismo, ilusão.
De todos esses acontecimentos qual o marcou mais?
A guerra e a resistência.
O senhor é um homem de livros, dos livros. Teme que o livro, em papel, ao menos, vá desaparecer?
A televisão não matou o rádio; o cinema não matou a literatura; o livro nas telas não matará o livro em papel, mas fará com que ele perca espaço.
O senhor sempre combateu por um mundo melhor. Acredita que não há mais utopias. O capitalismo, apesar das suas crises, venceu em definitivo?
O planeta marcha para prováveis catástrofes, mas, às vezes, o improvável acontece e muda o destino das coisas.
A França passa por mais uma crise. O governo socialista quer modificar a legislação trabalhista. Trata-se de mais um sinal do fim de uma concepção de mundo?
Um mundo agoniza, mas um novo mundo ainda não consegue nascer.
O cinema e a televisão foram objetos dos seus estudos, que abordaram as estrelas, as vedetes e os olimpianos. Qual personagem desse mundo do imaginário midiático mais o marcou?
Charles Chaplin.
A sua cultura é gigantesca, enciclopédica. O senhor passou a vida lendo. Que livros mudaram a sua vida?
CRIME E CASTIGO e OS IRMÃOS KARAMAZOV, de Dostoievski; as obras de Montaigne, Pascal Spinoza, Hegel, Karl Marx e Jean-Arthur Rimbaud.
A reforma do pensamento, necessária à complexidade, defendida em suas obras, está em curso?
Ela está apenas começando.
A idade mudou a sua maneira de ver a vida e o mundo?
Ainda não.
A idade muda o olhar dos outros?
Uns veem a minha velhice; outros veem a juventude da minha velhice.
O senhor tem medo de morrer?
De vez em quando.
A poesia e os poetas ainda o encantam? Que poema vem em primeiro lugar à sua mente?
O LAGO, de Lamartine.
O LAGO, de Alphonse de Lamartine
... A onda pôs-se atentiva, e a voz que me é tão cara
Proferiu estas palavras:
Tempo! Cessa teu voo! Vós, horas propícias,
Suspendei a correria:
Deixai-nos desfrutar as fugazes delícias
Do nosso melhor dia!
Os miseráveis desta terra a vós imploram:
Fluí, fluí por eles;
Levai com seus dias os zelos que os devoram,
Esquecei dos infelizes.
Mas em vão peço ao tempo um só instante por ora,
Ele escapa-me e parte;
Eu digo a esta noite: sê mais vagarosa; e a aurora
Vai dissipar a noite.
Amemos pois, amemos pois! As horas fogem,
Corramos, desfrutemos!
O homem nunca tem um porto;
O tempo, uma margem;
Ele flui, nós passamos!
Tempo cioso, momentos de embriaguez,
Em que o amor em torrentes traz contentamento,
Podem voar distantes com a rapidez
Dos dias de tormento?
O quê? Não nos sobrará ao menos uma mostra?
Quê! Para sempre passado? Tudo é perdido?
Esse tempo que os doa, esse tempo que os tira,
Os manterá retidos?
Eternidade, nada, passado, ermo abismo,
Que fizestes dos dias que vós consumistes?
Dizei-nos: devolvereis os sublimes mimos
Que de nós arrancastes?
O lago! Rochas mudas! Grutas! Mata escura!
Vós, que o passar dos anos conserva ou remoça,
Guardai desta noite, guardai, bela natura,
Ao menos a lembrança!
Que esteja em tuas procelas e quietudes, Belo lago, e nas tuas risonhas montanhas...
(tradução do poema O LAGO, Wagner Mourão Brasil)
Fonte: Correio do Povo/Caderno de Sábado/Juremir Machado da Silva em 2 de julho de 2016.