ADORNO E CONCEITO DE INDÚSTRIA CULTURAL.
THEODOR ADORNO
Nas primeiras décadas do século XX, intelectuais alemães de origem judaica – Buber, Rosenzweig, Landauer, Scholem, Walter Benjamin, Theodor Adorno e Max Horkheimer – se ocupam com os destinos da cultura numa realidade marcada pela expansão do capitalismo e pelo crescimento dos meios de comunicação de massa. Trata-se da corrente libertária e utópica, que professava um ateísmo místico, invertendo a noção judaico-cristã de redenção e investindo na “irrupção catastrófica”. O grupo, influenciado por Hegel, apostava numa fantasia revolucionária futurista e compondo com a restauração e promovendo, como síntese, o socialismo humanizado. Por volta de 1920, esse grupo cruzou com o impacto de textos de Bloch e Lukács, que exigiam, na proposta marxista, a inclusão da reflexão sobre a cultura burguesa.
Em 1931, o Instituto de Pesquisa Social, de Frankfurt, convida Max Horkheimer para chefiá-lo. A intenção não era exatamente estudar a comunicação, mas o grande dilema da época: a incrível migração proletária para as hordas do fascismo. Horkheimer começou então, a empreender pesquisas empíricas, estudando a questão da autoridade, da família e comportamento operário. Ele era um líder carismático, possuía em torno de si diversos filósofos e incorporou no sei9o do grupo, em 1934, Theodor Adorno. Especialista em música e em arte, havia muito candidato a uma vaga no grupo, exigia sua inclusão, dizendo que o Instituto teria lhe abandonado “como uma amante que insiste em se casar”. A importância de Adorno no pensamento ocidental foi, principalmente, a proposição, em 1942, do conceito de indústria cultural, contido no livro “Dialética do Esclarecimento”, engendrado no “exílio” californiano. O termo ganhou fácil repercussão e caracterizaria não exatamente a máquina publicitária nazista, mas o contexto internacional, especialmente norte-americano de cultura massificada por TV, lazer, música e propaganda. Na época, ele e Horkheimer ainda eram tributários das dualidades metafísicas tanto do iluminismo (que eles opunham ao obscurantismo, às “falsas Luzes”) e quanto do idealismo, que advogava uma forte oposição entre o real e o falso, entre a “verdadeira” arte e o kitsch.
Indústria cultural seria, para Adorno, uma paródia da “grande cultura medieval”, caricatura do iluminismo, espécie de “clima” social e cultural, que produz um certo brilho no cotidiano cinzento das pessoas e que opera com a recuperação de mitos culturais, como o de comunidade, proximidade, fraternidade. Para ele, toda essa maquinação não passava de um engodo industrialmente fabricado para enganar, oferecendo às pessoas uma fuga mágica do cotidiano. Sutilmente, essa indústria adestraria as pessoas para o conformismo social. Em última análise, desembocaria no que hoje vemos de fascínio com as tecnologias, a saber, a crise do indivíduo, que leva a um aumento do individualismo, ao entusiasmo com as tecnologias e com o esporte, num “contexto de cegamento”, como eles diziam na época.
O maior conflito de Adorno foi com Walter Benjamin, também membro do grupo, pelas posições antagônicas em relação às técnicas. Benjamin achava que o cinema seria uma vacina contra a sujeição do homem à técnica. Se a massa era reacionária diante de um Picasso, seria então revolucionária assistindo Chaplin. Desopilar o fígado, para ele, teria efeitos mais contundentes do que discursos ideológicos e políticos. Mas Adorno não concordava. Para ele, técnicas não eram ingênuas, serviam só à dominação, eram instrumentalizadas para garantir o controle social e traziam embutidas esse princípio ideológico. Diferente de Benjamin, Adorno dizia que os filmes populares não tinham nada de político e seriam “o pior sadismo burguês”.
Depois de 1945, Adorno começa a se distanciar do marxismo e das teorias da totalidade social. Depois de algumas desastradas pesquisas feitas nos Estados Unidos, em que propôs o bizarro conceito de Escala F, para medir “o índice de fascismo de uma pessoa”, além de outros similares, dedica-se, em sua obra final, “Dialética Negativa”, de 1966, a uma operação de rejeição do modelo hegeliano de totalidade, investindo, agora, no “não idêntico”, inspirado no poeta alemão Eichendorff, cujo conceito de “belo estranho” destacava exatamente aquilo que a cultura rejeitava como incomum, perturbador, em suma, como alteridade absoluta, que, mais recentemente, tornou-se objeto da investigação filosófica da comunicação, para quem só é possível a comunicabilidade na medida em que se puder abrir-se ao desconhecido, ao incomodante, ao não idêntico.
Adorno era em verdade uma personalidade difícil, com “traços perturbadores de personalidade” (Horkheimer), vivendo entre a amargura e o romantismo, com posições políticas débeis, que iam do elogio ao ato fascista de proibir o jazz na Alemanha ao fato de esconder seu nome judeu, Wiesengrund, destacando apenas o nome Adorno, de sua mãe, ou de omitir o nome de Hans Eisler do texto “Composição para um Filme”, da autoria dos dois. Ele nutria uma adoração fetichista e doentia por Horkheimer, reivindicando exclusão de outros do grupo e exclusividade em trabalhar com ele. Em 1969, Adorno entra em sério conflito com estudantes que o acusam de elitismo cultural e que exigiam dele e de Habermas adesão aos seus protestos. Adorno se nega e chama a Polícia para evacuar o espaço. Em seu seminário, em Frankfurt, um estudante escreve: “Se Adorno for deixado em paz, o capitalismo nunca acabará”. Logo depois, três garotas sobem ao pódio, mostram os seios e jogam pétalas de flores na cabeça de Adorno, fazendo uma dança erótica. Adorno abandona a sala e logo depois vem a falecer em seu retiro na Suíça.
Fonte: Correio do Povo/Caderno de Sábado/Ciro Marcondes Filho (Professor titular da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), onde coordena o Núcleo de Estudos Filosóficos da Comunicação (FiloCom). Autor de “DA Escola de Frankfurt à Crítica Alemã Contemporânea – Nova Teoria da Comunicação” –Paulus, 2011) em 15/08/2015