JÁ FALOU PARA SEU MENINO HOJE?
Projeto sobre igualdade de gênero no Facebook provoca pais e escolas a repensarem a educação das crianças.
“Seja homem!” Em pleno 2016, muitos meninos ainda escutam essa frase em casa e na rua, reiterando velhos conceitos sobre o que é ser homem: não chorar, não demonstrar afeto pelos amigos, não participar de certas brincadeiras, não perder para as meninas... Mas será que precisa ser assim? Em um mundo onde os estereótipos de gênero caducam dia a dia, não está na hora de os garotos – e, principalmente, de quem os ensina – deixarem a imagem do macho alfa para trás?
Essa é a aposta de movimentos como o JÁ FALOU PARA SEU MENINO HOJE?, que convida os adultos a educar seus meninos para a sensibilidade e a consciência social. Criada em outubro de 2015 a página da iniciativa no Facebook já alcançou mais de 168 mil, curtidas. Além de artigos e imagens enviadas pelos seguidores, são compartilhados cards com a pergunta que nomeia o projeto (“Já falou que...”) para abrir o debate em torno de tabus e atitudes machistas.
A página é a extensão virtual do projeto idealizado pela Escola de Ser, da cidade goiana de Rio Verde. O colégio se inspira na Escola da Ponte, referência internacional em uma educação mais democrática, incentivando os alunos a ter mais autonomia, solidariedade e responsabilidade.
- Nas assembleias da escola, eles sempre traziam situações de suas realidades: uma menina que era impedida de jogar futebol na escola, um menino que sofreu bullying por chorar, um grupo de meninas que levou advertência pelo tamanho do shortinho – conta a diretora Caroline Arcari, pedagoga e presidente do Instituto Cores, ONG que mantém a escola.
Quando foram organizadas oficinas de empoderamento feminino e os meninos se mostraram resistentes aos conteúdos, as educadoras percebera que o caminho era explicar como o machismo também os afeta. Ao mesmo tempo em que as meninas conheciam seus direitos e possibilidades, os garotos puderam aprender a respeitá-las, tomar parte nas tarefas domésticas e desassociar a masculinidade da violência e do controle.
- É um trabalho que se complementa e se potencializa ao incluir os dois gêneros nas metas pela diminuição da violência de gênero, doméstica e sexual – avisa Nathália Borges, mestrada em Psicologia e coordenadora do projeto de Relações de Gênero no Instituto Cores.
Nas assembleias seguintes, os alunos relataram como vinham reconhecendo – e enfrentando – o machismo no seu cotidiano. Caroline cita a reação de um estudante de 11 anos quando um colega chamou sua amiga de “gostosa”: “se fosse com ele ou alguém da família dele, ele não iria gostar. Por que achou que ela gostaria?”.
- Em outra situação, quando foram questionados sobre o que os motivaria a protestar nas ruas, os meninos imediatamente responderam “contra o machismo” – diz a pedagoga.
Os frutos da iniciativa animam especialmente por ela se tratar de uma exceção no país. Denise Quaresma da Silva, doutora em Educação e professora do curso de Psicologia da Universidade Feevale, pesquisa a educação sexual desde 2007 e afirma que a maioria das escolas brasileiras ainda se limita a estudar a biologia dos corpos e a prevenção de doenças sexualmente transmissíveis. A falta de um olhar para a diversidade humana dificulta a ampliação dos conceitos de homem e mulher em sala de aula.
- De maneira geral, a sexualidade não encontra um espaço na escola para ser discutida e problematizada – resume Denise.
Pergunte-se
O papel da escola é fundamental, mas o dos pais mais ainda. Cabe a eles dar o exemplo e educar crianças sem preconceitos de gênero. Por isso, pergunte-se:
Incentivo meu filho a falar sobre o que está sentindo?
- Entendo que os meninos usam muito o recurso físico porque são menos estimulados a verbalizar os seus sentimentos – diz a psicóloga Claudia Petlik Fischer.
Falar sobre o que você mesma sente e até um simples “Como você passou o dia?” ajuda os pequenos a nomear suas emoções e lidar melhor com elas.
Estou fortalecendo a autoestima do meu filho?
Validar os sentimentos dos meninos comunica a eles que são amados pelo que são. Isso evita que eles tomem decisões somente para se adequar aos amigos e outros círculos sociais, desenvolvendo o senso de responsabilidade.
- Se os garotos reconhecem o que sentem, eles sabem o que querem e o que não querem e o que não querem independentemente do grupo – pontua Cláudia.
Que exemplo estou dando ao meu filho quanto às questões de gênero?
Como o comportamento das crianças é moldado em grande parte pela observação, é importante viver o que se ensina a elas. A professora Denise Quaresma da Silva diz que mesmo quando os meninos tentam borrar as fronteiras do gênero – brincando de bonecas ou de casinha, por exemplo –, a família não aceita com naturalidade essa iniciativa.
- Falamos todos que aceitamos as diferenças, mas este discurso esvazia-se na prática na medida em que reiteramos o sexismo nas piadas, nos jargões, nos olhares de censura – afirma a doutora em educação.
E então, o que você vai falar para seu menino hoje?
Facebook: https://www.facebook.com/jafalouparaseumenino/?fref=ts
Fonte: Revista Donna ZH/Stefanie Cirne/Especial em 04/09/2016