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Juremir M.da Silva: A Infância e a Literatura
Juremir M.da Silva: A Infância e a Literatura

A INFÂNCIA BROTA DE TODAS AS FORMAS

                                               

LITERATURA – “... CANTE A PEDRA, PULE UMA CASA, ESCOLHA UM VIÉS E ESCREVA O QUE QUISER”

 

Talvez a literatura não passe de um jogo.  O filósofo romeno Cioran considerava a filosofia só um “passatempo divertido”.  Seria Cioran apenas um velho rabugento?  A ficção pode e deve ser ainda muito mais divertida.  Se a literatura é um jogo, brincadeira com a linguagem e com a invenção de personagens e de fabulações, não pode escapar à sua condição de infância na vida dos adultos.  Grandes escritores de obras adultas criaram maravilhosos personagens infantis.  Dois exemplares inesquecíveis são Oliver Twist, menino protagonista do romance de Charles Dickens que leva esse nome, e Gavroche, figura incontornável de Victor Hugo em “Os Miseráveis”.  Os dilemas da sobrevivência marcam essas encarnações de um tempo de exploração infantil, mas as travessuras da infância também aparecem.

 

A infância está por toda a parte na literatura.  Adultos escrevem para adultos e para crianças.  Nem sempre é possível separar públicos.  A infância pode se estampar nos personagens do Sítio do Pica-Pau Amarelo, de Monteiro Lobato, como Narizinho, Pedrinho ou a boneca Emília.  Crianças “reais” de ficção, crianças fictícias de ficção, crianças românticas “realistas” como Gavroche, crianças maravilhosas da imaginação.  Alice, de Lewis Carroll, é paradigmática da infância que se exprime pelo maravilhoso fazendo-se, ao mesmo tempo, coisa de criança e jogo de adulto com a lógica e com a linguagem.  Quantas Alice andam por aí nas páginas dos livros e nas imagens das telas?  Tem Alice brasileira.  Tem Alice americana.  Tem Alice que não é Alice.

  

A infância pode aparecer na poesia de uma Manuel Bandeira ou de um Carlos Drummond de Andrade sob a forma de um poeta menino que se revela por suas evocações e peraltices esculpidas em versos modernos, modernistas, livres, travessos, moleques, nostálgicos, serelepes.  A infância na literatura não tem idade, não tem nacionalidade, não tem época, não tem limite.  Pode surgir na obra contemporânea do escritor cult argentino Alan Pauls, traduzido em várias línguas e admirado internacionalmente, ou na produção do ainda jovem angolano Ondjaki, que mira o leitor juvenil.  A infância na literatura é uma eterna brincadeira de esconde-esconde.  Nem sempre está onde se pode esperar.

 

Gavroche, em meio às mil peripécias folhetinescas de Victor Hugo, era quase um pequeno adulto que podia cantar “nós somos feios em Nanterre, a culpa é de Voltaire/ E bobos em Palaiseau, a culpa é de Rosseau”.  No furor revolucionário, sob as balas dos soldados, que o abateriam, desafiava os caçadores.  O narrador espantava-se:  “Não era uma criança, não era um homem; era um estranho moleque encantado”.  Dickens também explorou a infelicidade e o encanto de Oliver Twist.

 

Fonte:  Correio do Povo – CS Caderno de Sábado/Juremir Machado da Silva em 10 de outubro de 2016.