A CULPA É DO WORD
Verão no Rio de Janeiro, sensação térmica que algumas vezes beira os 50 graus, é difícil pensar, difícil ser condescendente. Diante desses fatos, perdoem qualquer rabugice que transpareça nesta breve crônica sobre os descaminhos da literatura.
Antes da revolução da informática, antes do Windows, antes do Word, a literatura refletia um ofício artesanal. As palavras costuravam histórias nas velhas máquinas de escrever, havia um orgulho, um sentimento de estimação pelas falecidas Olivetti, Remington, etc. Hoje, tais lembranças são sucatas. Contraditoriamente, a era digital e os moderníssimos editores de texto estão sucateando a própria literatura.
O que no passado foi um sacerdócio, atualmente é um processo industrial.
Escritores produzem freneticamente e consideram que somente os calhamaços se assemelham ao que entendem como livro. Sim, o livro precisa ser robusto, pesado e com uma capa óbvia e colorida. Talvez, nem a leitura seja tão importante, o que importa é a estante e como o volume impresso irá decorá-la. Depois é tirar uma selfie exibindo a lombada ao fundo e passar a ideia de um dedicado leitor e intelectual no Facebook. Como a ostentação virtual se transformou na maior aliada da mentira, não se espante caso descubra que a foto na Rede Virtual espelha uma farsa brega.
Consta na última pesquisa do IBOPE que o Brasil possui a esquálida quantidade de 88 milhões de leitores, que corresponde a 50% dos 178 milhões de brasileiros. Acrescente-se a isso um detalhe crucial: os brasileiros cada vez mais preferem a TV, escolhem a imagem. Provavelmente, seja por isso que muitos escritores escrevam motivados pela duvidosa ambição de aparecerem na TV.
Nesses tempos de selfie, pau de selfie e instagram, a imagem traça seus passos para a supremacia. Ou, como dizia Renato Russo: nos deram espelhos e vimos um mundo doente.
Editores e autores gritam indignados que o Brasil padece da falta de leitores, mas impressiona o censo que revela que existem 88 milhões de leitores que compram livros por aí. Consola saber que temos um forte mercado de jovens leitores. Infelizmente, eles são direcionados para consumir uma literatura batizada como entretenimento. Julgam e subjugam os leitores neófitos à burrice, a uma literatura plastificada, ditada por grupos estrangeiros e pelos oportunistas de plantão.
Os jornais estampam perplexidade e pânico com os resultados precários das redações do ENEM 2014.
Por que o susto? Escrevemos em computador, apoiados pelos corretores ortográficos e gramaticais, não é preciso cultivar a criatividade, basta ler Game of Thrones, Senhor dos Anéis, 50 tons de cinza e romances policiais americanizados.
Na verdade, escrever para quê? Ler para quê?
O gostoso é assistir Walking Dead, Breaking Bad, X-Men e Os vingadores.
Quer saber, eu mesmo estou me aborrecendo, sentado aqui, digitando besteiras, quando poderia estar assistindo ao último lançamento do Tele Cine.
Gramática? Ortografia? Que nada. Os novos e abastados escritores contratam algum coaching literário ou fazem oficina de redação para ficarem ligados nas mais novas técnicas estrangeiras para elaboração de romance. Nascem clones dos clones, uma nova espécie de autores.
Sem pessimismo, temos a certeza que no século 21 conseguimos produzir, ao menos, um novo clássico: Chico Buarque.
Será?
Os críticos morreram, brotaram os resenhistas. A moda é trilogia. O que não é simples, é hermético. Sem revisão não existem livros, mas hieróglifos. Não seja original, aprenda a imitar qualquer estilo best-seller. Fuja da realidade, busque a fantasia delirante ou as viagens existenciais. Não se preocupe em fazer literatura, foque em vender o que escreve. Pratique oratória, pois falar será mais importante do que criar. O sucesso é se destacar no picadeiro do circo.
A culpa é do Word.
por Alexandre Leite